A perda gradativa dos cinco sentidos seria, para muitos, um prenúncio do fim da vida. Não para Amanda, personagem da atriz, dramaturga e diretora mineira Rita Clemente, que retorna aos palcos em única apresentação nesta sexta (20), em BH. O texto é do carioca Jô Bilac e foi encenado pela primeira vez em 2015, usando de sutileza e humor para contar uma triste história. Surda e na iminência de perder paladar, olfato, tato e visão, a protagonista encontra na memória a razão para continuar vivendo.
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Para ela, graça e desgraça estão imbricadas desde as tragédias gregas. “Vemo-nos, muitas vezes, rindo das nossas próprias mazelas para sobreviver. Não somos só de um jeito. Nossos pensamentos não são acadêmicos, mas ratificados a partir do sentir.” A sensibilidade, segundo a intérprete, é marca do autor Jô Bilac. “Ele é um rapaz de 30 e poucos anos que perpassa universos dos quais nem sequer faz parte – como o feminino – de uma maneira muito sensível. Amanda está dentro de nós, mulheres, e consegue ainda tocar os homens, falando de maneira ampla sobre o ser humano.”
ESCRITAS A memória, que restará a Amanda quando todos os sentidos se esvaírem, é um dos elementos centrais da montagem e foi acrescida ao texto por iniciativa da atriz. Parte da criação, afinal, vem da própria Rita, cuja escrita é feita no palco e agrega outros aspectos de temas como o automatismo cotidiano, já contemplado na dramaturgia original. “Nessa escrita de cena, acolhi novos elementos e, talvez, o mais pungente seja a ideia de que essa mulher só sobrevive por conta da memória. Uma memória que, possivelmente, também já entrou em decadência, mas a mantém criando relações em seu dia a dia”, explica.
Rita conta que, desde a primeira encenação, diversos detalhes se aperfeiçoaram, a exemplo de seu vocabulário cênico, hoje mais claro e elaborado em termos de gestual e deslocamento. Além de integrar sua pesquisa sobre a relação entre musicalidade e encenação, o espetáculo também se insere no trabalho de pesquisa desenvolvido por Rita Clemente em torno do diálogo subliminar estabelecido entre personagem e intérprete.
“O jogo, em cena, está em função do ator e do personagem e de como eles se relacionam em um monólogo. É como se eu pudesse conversar com Amanda e ela comigo, e nós duas transitarmos entre ficção e realidade de maneira a gerar perguntas no espectador.” Portanto, é como se Rita também estivesse em cena, lado a lado com a personagem que interpreta. “Sempre existem metáforas pessoais envolvidas na concepção de um espetáculo. O texto me interessou muito e falou dentro de mim sobre as minhas perdas. Não faço biografia no palco, nem falo necessariamente de mim – embora pareça, em pequenos trechos, mas é tudo uma grande invenção”, diz a atriz.
PLATEIA Quando estreou, há três anos, Amanda deu início à série Criações de Bolso, no Sesc Palladium. A trajetória da montagem inclui temporadas em São Paulo e no Rio de Janeiro, além de passagens por Campinas e São João del-Rei. “Não é uma impossibilidade apresentar trabalhos já estreados, feitos com certa profundidade e que busquem os espectadores. O público não é inculto e há, sim, um interesse por aquilo que não está catalogado pela TV. Almejo cada vez mais o público comum, levando a ele um trabalho de elaboração que foge um pouco do realismo a que essas pessoas estão acostumadas. Ainda assim, sinto que elas têm uma relação de intimidade com o espetáculo”, afirma.
Ela defende que o teatro abra o leque para poder oferecer ao público possibilidades de escolha. “Se ofereço só comédia, ou só aquilo que ganhou prêmios, ou só o que fala apenas às minorias, não estou oferecendo nenhuma opção. Nós, agentes de cultura, temos que restaurar a relação com o público de forma democrática.”
AMANDA
Sexta-feira (20/7), às 20h30. Grande Teatro do Sesc Palladium, Av. Augusto de Lima, 420, Centro. (31) 3270-8100. Ingressos a R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada ou antecipado, nos postos Sinparc ou pelo site www.vaaoteatromg.com.br)