
Um cérebro povoado por um coração apaixonado. Foi a partir da ideia de que “pensamentos são emotivos, criativos” que a atriz paulista Mariana Lima começou a trabalhar em seu primeiro texto para teatro.
No monólogo, em que é dirigida por Renato Linhares e Enrique Diaz (marido da atriz), ela encarna uma palestrante em uma conferência sobre o cérebro. “(A personagem) começa a aula falando sobre o cérebro. Isso acaba se abrindo para milhões de questões e a aula vai se transfigurando em uma procura por outros sentidos. A performance começa a acontecer até que há uma explosão, que seria o coração. O trabalho caminha para não somente um jogo de pensamentos e elucubrações, mas também uma experiência cênica”, afirma.
CérebroCoração deu início à sua trajetória em maio, no Rio de Janeiro. Belo Horizonte, que recebe a montagem até 30 de julho, é a segunda cidade a assistir à montagem. O processo que culminou no espetáculo envolveu perdas – o irmão mais novo morreu atropelado com apenas 10 anos, o que devastou a atriz –, muita leitura – foram dois anos dedicados aos sete volumes de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust –, e uma imersão em assuntos que ela não dominava, como a neurociência. Em meio a isso, Mariana passou a tomar remédios que, segundo ela, poderiam ser até subtítulo do texto.
O texto trata de questões que permeiam toda a sua vida. “Família, afetos, isolamento, funcionamento do cérebro, ora precisar, ora não precisar de remédio”, continua. Para tal, a montagem faz uma costura de questões pessoais e estudos científicos que discutem emoção e razão.
Ainda que a montagem represente sua estreia na dramaturgia, Mariana já havia concebido para o teatro, só que de maneira informal. Uma experiência anterior – desenvolvida com a atriz e dramaturga Isabel Teixeira – serviu como aperitivo para CérebroCoração. Mariana gravava uma série de improvisos em uma sala de ensaio e enviava para Isabel, que transcrevia e retornava com outras propostas e estímulos de escrita. O resultado resultou no texto Câmera escura, apresentado para amigos em pequenas sessões.
Diante disso, CérebroCoração é um divisor de águas. “(Criar o texto) foi uma espécie de marco zero, pois tive que reaprender um monte de coisas, como organizar o pensamento no papel. Algo que eu fazia como atriz, desde o Teatro da Vertigem, mas num processo de colaboração. Nunca tinha tido a responsabilidade de dar a assinatura final. Foi bem desgastante, para além da minha capacidade, pois ensaiava sete horas por dia, não dormia. Fiquei doente, mas essa experiência, nada fácil, acabou sendo transformadora.”
O texto foi ganhando diferentes versões, já que em sua temporada no Rio de Janeiro chegou ao público em dois formatos distintos. O texto para teatro, o mesmo que será visto em BH, e uma versão para escola, que foi apresentada a alunos da rede pública.
“São dois mundos completamente diferentes. No Rio, me apresentei em escolas na periferia, lugares totalmente apartados da experiência artístico-cultural. Foi muito difícil, precisei de muito jogo de cintura para conseguir uma abertura com os alunos, já que tive que atravessar um mundo que nunca é atravessado”, continua ela, que nas escolas não se apresentou para os alunos como atriz.
“Causou um curto-circuito bem-vindo, eles ficaram curiosos, emocionados. Mas tive dificuldade em falar numa sala de aula com 150 meninas e meninos que nunca foram ao teatro”, diz Mariana. Ela não sabe se conseguirá agendar apresentações em escolas de BH, mas afirma que vai tentar repetir a experiência na cidade.
Várias frentes de trabalho
“Sempre me desvio da pergunta”, diz Mariana a respeito da inevitável questão “teatro, cinema ou televisão”? Ainda que hoje se divida entre os três “mundos”, a base de sua trajetória é o teatro. Na década de 1990, a atriz integrou duas das mais prestigiosas companhias de teatro de São Paulo – o Oficina, de José Celso Martinez Corrêa, e o Vertigem, de Antônio Araújo.
Sob a direção Araújo, participou das montagem de O livro de Jó (1995) e Apocalipse 1,11 (2000), dois espetáculos que formam a chamada “trilogia bíblica” da companhia paulistana. Uma vez fora do Teatro da Vertigem, participou dos espetáculos A paixão segundo G.H. (2002) e Gaivota – Tema para um conto curto (2006), quando foi dirigida por Enrique Dias, e Pterodátilos (2011), direção de Felipe Hirsch.
“Essa escolha inexiste, é irreal, pois hoje um ator não vive no teatro”, acrescenta ela, que aguarda o lançamento de diversos projetos. Um deles é Assédio, série produzida pela Globo para ser exibida exclusivamente via streaming, inspirada na história do médico Roger Abdelmassih, o especialista em inseminação artificial condenado a 181 anos de prisão pelo estupro de 37 pacientes. Na série, prevista para este ano, Mariana interpreta a mulher do médico. Outra série de que ela participa, Magnífica 70, tem sua terceira temporada prevista para 14 de outubro, na HBO.
Já no cinema, a atriz está no elenco de filmes que ainda não têm data para estrear. Na cinebiografia Simonal, de Leonardo Domingues, ela é Laura Figueiredo, mulher do empresário que patrocinou a carreira do cantor, acusado de ser dedo-duro durante a ditadura militar. Também está no elenco de Sedução da carne, novo filme de Júlio Bressane, e de O banquete, de Daniela Thomas, que mostra o jogo de poder da sociedade paulistana no final da década de 1980 e o início de 1990.
CÉREBROCORAÇÃO
A partir de sexta (6), às 19h, no teatro 2 do Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400). De sexta a segunda, às 19h. Sessões extras, às 17h, nos dias 21, 22, 28 e 29 de julho. A temporada vai até 30 deste mês. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia).