
Os cadernos de Kindzu é o nono espetáculo da companhia. Assim como os outros, superindicado aos principais prêmios da temporada carioca. O Amok é um grupo que trabalha em continuidade, ou seja, como a África foi o campo temático da montagem anterior, Salinas (2015), a pesquisa continua e se desdobra. Primeiro, abordaram a ancestralidade africana e, desta vez, interessa a África pós-colonial inspirada na literatura do moçambicano Mia Couto.
“As palavras são dele, mas a gente faz uma releitura. Pegamos as tramas do livro e oferecemos a elas uma realidade teatral”, explica Ana Teixeira sobre a adaptação de Terra sonâmbula (1992). O palco dos espetáculos da Amok são ocupados pelos atores e alguns elementos de cena. Não tem cenário. A música e a iluminação também são importantes para a construção da narrativa.
Os cadernos de Kindzu conta a trajetória de um jovem que abandona a cidade natal para fugir da guerra e inicia um caminho de encontros com outros refugiados e personagens que o farão experimentar a cultura tradicional do continente. Apesar de o Amok ser conhecido como grupo que dá muito peso à narrativa em suas peças, Os cadernos não conta uma história linear.
“A questão é como trabalhar narrativas, a maneira de usar o tempo, o pulo entre o presente e o passado. Vamos brincar bastante com todas essas possibilidades”, conta Teixeira. A trama se passa nos anos 1970, mas encontra ecos na atualidade do mundo inteiro. “Fala de imigrantes, de fugitivos da guerra, questões que estamos vivenciando no presente.”
A música é texto para o teatro do Amok. Isso vem dos fortes intercâmbios que a companhia de Ana Teixeira e Stéphane Brodt mantém com a tradição oriental. Todos os anos, as montagens criadas no Brasil fazem temporadas na China. A trilha sonora original de Os cadernos de Kindzu traz diferentes ritmos e idiomas. Tem fado, canções na língua de Moçambique e no português brasileiro. “Porque tem essa fonte comum que é a África”, lembra a diretora.
O espetáculo tem mais de duas horas de duração e sete atores em cena. Raridade no cenário nacional, quando os monólogos ganham força não apenas pelo formato, mas também pela facilidade de produção.
Todo o elenco é negro, o que é muito importante para a história, mas também para o grupo. Como Ana Teixeira ressalta, em geral os negros ainda aparecem majoritariamente em papéis que afirmam invisibilidade social. O quadro precisa mudar.
“Quando fizemos o Salinas (2015), o público via atores negros em papeis de reis, protagonistas de sua história. Então, há um deslocamento do olhar importante para o signo negro”, completa. O ator Thiago Catarino, que faz o protagonista Kindzu, é o mais jovem do grupo, o que demonstra também uma alternância geracional. Não é porque é veterano no grupo que terá o papel de maior destaque.
O espaço vazio e a investigação sobre a África são temas que conectam o teatro do Amok aos interesses do diretor britânico Peter Brook. Em 2004, ele esteve em Belo Horizonte com a montagem Tierno Bokar, na programação do Festival Internacional de Teatro (FIT-BH). As fotos dessa montagem, inclusive, se parecem com as de Os cadernos de Kindzu. Teixeira reconhece que, não apenas neste espetáculo, mas o teatro de Brook é uma inspiração para a companhia.
O trabalho do Amok Teatro é frequentemente reconhecido nas principais premiações de artes cênicas. A peça que chega a Belo Horionte, por exemplo, foi indicada a três categorias do prêmio Shell (direção, ator para Thiago e música), além do Prêmio Cesgranrio de melhor direção e espetáculo.
Montagens
Os cadernos de Kindzu (2016)
Salinas (2015)
Histórias de família (2012)
Kabul (2009)
O dragão (2008)
Savina (2006)
Macbeth (2004)
O carrasco (2001)
Cartas de Rodez (1998)
OS CADERNOS DE KINDZU
Com Amok Teatro. No Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários, BH, (31) 3431-9400). De amanhã a 8 de maio, sessões de quarta a segunda-feira, às 19h. Ingressos: R$ 20 (inteira) R$ 10 (meia).