BBB21: Na primeira semana, brothers viveram sob o domínio do medo

Pavor de prejudicar a própria imagem e sofrer 'cancelamento' levou a um convívio marcado pela tensão e a beligerância nos dias iniciais do reality 

Frederico Gandra* 01/02/2021 04:00
Globo/Reprodução
Kerline chora depois de ter tido atitude considerada insensível e próxima do racismo pelos adversários (foto: Globo/Reprodução)

A vigésima primeira edição do Big brother Brasil começou com os ânimos à “flor da pele”. Na primeira semana de reality, que teve início na última segunda-feira (25/01), discussões se tornaram frequentemente motivo de choro dos candidatos ao prêmio de R$ 1,5 milhão. 
 
Tamanha instabilidade emocional nos dias iniciais de confinamento é uma novidade na trajetória do programa e isso levantou o debate sobre como o medo do cancelamento está afetando o comportamento dos concorrentes.
 
O doutorando em Comunicação e Sociabilidade Contemporânea pela UFMG e especialista em realities Arthur Guedes é um dos que avaliam que o temor da rejeição do público tomou conta da casa de forma inédita.
 
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Lumena dá bronca em Lucas pelo fato de ele ter entrado em atrito com os demais participantes (foto: Globo/Reprodução)
 
 
Segundo Guedes, a tentativa de repetir o sucesso da edição 2020, cuja grande novidade foi a participação de celebridades e alcançou recorde de audiência e engajamento nas redes sociais, é um dos principais fatores responsáveis pelo fenômeno.
 
"Eles (os famosos) têm esse medo porque já existe uma imagem prévia deles, não são anônimos. Todos têm muito a perder ali dentro”, afirma. A aposta é alta, mas o BBB20 registrou um case de sucesso com a repercussão positiva para as participantes autodefinidas como “fadas sensatas”, sob a liderança da cantora e atriz Manu Gavassi.
 
"Para ser uma fada sensata é necessário: número 1) ser sensata acima de qualquer outra qualidade; número 2) nunca utilizar de violência verbal ou física contra haters, admiradores confusos e críticas destrutivas. Ao invés disso, mande sempre um emoji amarelo de coração, mesmo quando falam que minha cabeça não é proporcional ao meu corpo”, decretou Manu Gavassi, no vídeo Exército da fada sensata, publicado em seu canal no YouTube, durante a exibição do BBB20. 
 
Essa personagem levou a sister à grande final do programa e se tornou o tema central da edição. Em 2020, diversos brothers e sisters foram "cancelados" na internet,  devido a atitudes consideradas machistas, racistas, homofóbicas ou gordofóbicas pela audiência. A mineira Ivy Morais, por exemplo,  recebeu o apelido “Adolf Ivy” nas redes sociais, após falas racistas e sua insistência em votar oito vezes no ator Babu Santana para mandá-lo ao paredão. 
 
A tendência militante foi um  contraste com a edição do BBB19, em que a campeã, a mineira Paula von Sperling, fez declarações e teve atitudes polêmicas envolvendo racismo e intolerância religiosa. Na época, o perfil não foi visto como “problemático” por boa parte da audiência ou mesmo pela Rede Globo. 
 
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Camilla de Lucas teve crise de choro após se desentender com Lucas Penteado e avaliar que ele 'não está bem' (foto: Globo/Reprodução)
 

Imperfeita


Isso fica claro na forma como o apresentador Tiago Leifert anunciou a campeã da temporada. “Vence o BBB19 a pessoa que teve a audácia de ser imperfeita, a pessoa que, na frente de todo mundo, teve a ousadia de ser real em 2019”, discursou, antes de anunciar a vencedora. 
 
Dias depois, a sister foi indiciada pela Polícia Civil por preconceito e intolerância religiosa contra seu colega de confinamento Rodrigo França. O processo foi arquivado. 
 
Na edição seguinte, a  cultura do cancelamento entrou na pauta do reality, mas sem que os confinados se dessem conta disso. Brothers e sisters foram pegos de surpresa por Leifert na ocasião em que, em contato com a casa, ele informou que “todos” já haviam sido cancelados nas redes sociais, inclusive ele. As “fadas sensatas” ficaram intrigadas com a informação e não conseguiam identificar que atitudes suas poderiam ter sido alvo de repulsa do público. 
 
"No BBB20, o medo do cancelamento foi menor exatamente porque era uma novidade no formato do programa. No BBB21 a gente já sabe. Por causa disso, as pessoas já entraram com esse medo”, aponta Guedes.
 
Na primeira semana de BBB21 ficou evidente esse temor em conflitos que acabaram se tornando uma espécie de sessão de terapia em grupo. O ator e cantor paulista Fiuk, de 30 anos, umas das 10 celebridades presentes no Camarote, chorou ao ser repreendido por uma performance com  trejeitos femininos, compreendida como pejorativa à comunidade LGBT pela psicóloga e DJ baiana do grupo Pipoca Lumena, de 29.
 
“Eu odeio magoar as pessoas, independentemente do que é, ainda mais com uma coisa tão séria como essa”, disse o artista, aos prantos. Em seguida, o fazendeiro goiano Caio, de 32, também se mostrou arrependido com a “brincadeira” ao lado dos colegas  de confinamento (ele foi o primeiro a se voluntariar para ser maquiado) e ameaçou abandonar o reality logo no terceiro dia.  

 

O episódio teve outro desdobramento. Quando o instrutor de crossfit capixaba Arthur, de 26, teve de cumprir o Castigo do Monstro usando um traje de bailarina, tomou a precaução de, antes, consultar Lumena sobre como ele poderia fazer isso sem ofender ninguém.
 
Na primeira festa da temporada, a modelo e influenciadora cearense Kerline, de 28, chorou após um desentendimento com o ator paulista Lucas Penteado, de 24. Ele se dispunha a bancar o cupido para ela na festa. Incomodada com a insistência dele em saber em quem ela tinha interesse, Kerline respondeu: “E se eu quiser ficar com o cupido?”. 
 
Lucas entendeu a frase como o sinal de um interesse real da sister por ele. No entanto, ela afirmou ter dito isso com a intenção de desmontar o jogo de cupido do ator. Lucas chorou copiosamente após sua tentativa frustrada de aproximação com a sister e associou o episódio aos traumas do racismo
 
Kerline, por sua vez, chorou por ter sido julgada pelos demais participantes como a vilã no episódio. “A casa toda falando que eu era racista porque eu sou uma mina branca e não ficaria com ele, que eu brinquei com os sentimentos dele”, desabafou, entre lágrimas.
 
No fim da semana, quando o mesmo Lucas Penteado admitiu ter se fingido de bêbado na festa seguinte para descobrir qual é a percepção que os adversários têm dele, mais lágrimas desabaram. A influenciadora carioca Camilla de Lucas, de 26, teve uma crise de choro e acusou o brother de ser um “otário” com seu “teatro”. 
 
Na mesma festa, na noite de sexta-feira (29/01), Lucas entrou em rota de colisão com diversos outros adversários e, na manhã de sábado, a assessoria de imprensa contratada para gerenciar as redes sociais do brother durante seu confinamento anunciou o rompimento unilateral do contrato, como se sua participação no reality já tivesse ficado indefensável e insustentável. Na nota sobre o desligamento a VPress afirmou que decidiu se desassociar de Lucas Penteado por discordar das atitudes que ele teve na casa do BBB. 

 

De certa forma, Lucas acabou sendo “cancelado” também dentro da casa. A rapper curitibana Karol Conká, de 35, organizou uma estratégia para que o brother não tivesse companhia nem na hora das refeições.
 
Maledicente e impiedosa, Karol acabou sendo ela mesma alvo de intensas críticas nas redes sociais, como quando reprovou os modos da advogada e maquiadora paraibana Juliette, de 31, e atribuiu sua suposta falta de educação ao fato de ter nascido na Paraíba. No domingo (31/01), a rapper voltou a ficar entre os tópicos mais comentados do Twitter, desta vez com o apelido de Kobra Conká.

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Na avaliação de Arthur Guedes, as polêmicas do reality vêm tomando proporções muito maiores do que deveriam. Segundo ele, a “fada-sensatez” se tornou uma arma que4]
[VIDEO3 acaba sendo um “tiro no pé” dos participantes do BBB. 
 
“Quando a pessoa tenta militar em cima de coisas que não merecem toda aquela repercussão, acaba enfraquecendo a personagem. A partir do momento em que você chega no patamar de ‘fada sensata’, qualquer deslize tende a ser muito maior. A ‘fada-sensatez’ precisa estar atrelada aos discursos e causas, não necessariamente a personagens", afirma.   

Expectativa


O psicólogo e professor de psicologia da Faculdade Izabela Hendrix Fabrício Ribeiro, afirma que a cultura do cancelamento está presente desde os primórdios da sociedade, mas foi intensificada  pelo fenômeno das mídias digitais. "Hoje é tudo muito instantâneo, então, a rede social aumentou essa afetação que nós temos um do outro. Há uma potencialização da exposição e expectativa do que o outro pensa de mim”, aponta. 
 
Ele considera perigosa a “relação de homogeneidade" imposta por essa teoria do cancelamento. “Criou-se uma ‘curva normal’ segundo a qual todos têm que ser iguais. Isso, de certa forma, empobrece as relações. O legal do encontro com o outro é o radical da diferença. Nós somos diferentes. É preciso, de algum modo, produzir uma sociedade igualitária sem eliminar as diferenças. E, sim, respeitando as diferenças”, afirma.
 
Na opinião de Ribeiro, as pessoas incorporam um comportamento artificial com medo do cancelamento, o que é potencializado com a presença das câmeras no Big brother. 
 
“A gente se desumaniza em nome de uma expectativa de ser bem visto pelo outro. Essa cultura do cancelamento precisa lembrar que nós somos de carne e osso e que a vida é feita de erros. Os erros nos ensinam muito mais do que os acertos”, afirma. 
 
Para o professor, um bom conselho aos participantes da disputa seria: “Esqueça que está sendo filmado. Vai curtir os conflitos, vai tentar construir um modo de apaziguar esses embates e aprender com isso”.
 
Apesar do clima tenso na primeira semana, o doutorando  Arthur Guedes aposta que, ao longo da temporada, ele vai ceder. “Por mais que pareça que eles estão muito preocupados, nas próximas semanas isso tudo se perde. É muito difícil manter um personagem 24 horas por dia, literalmente. Acredito que nas próximas semanas esse medo vai diminuir e chegar a não existir mais.”

*Estagiário sob a supervisão da editora Silvana Arantes

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