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SÉRIE

'Dix pour cent' revela divertida guerra de egos nos bastidores do cinema

A americana Sigourney Weaver protagoniza episódio da série francesa - Foto:

Chiliques de estrelas do cinema são a matéria-prima das revistas de fofocas. Podem também render boa ficção, como sabem os que curtem a série francesa Dix pour cent (Dez por cento), criada por Fanny Herrero, cuja quarta temporada é exibida na Netflix.



São mais seis episódios (talvez os últimos) de uma série de grande sucesso, que tem por epicentro a agência parisiense de talentos ASK. Quem a segue desde o início sabe que parte do charme está no fato de os artistas interpretarem a si mesmos, com algum exagero e doses generosas de autoironia. Mas sabem também que o verdadeiro núcleo cômico/dramático é formado pelos próprios integrantes da agência de talentos.

Batem ponto na ASK o chefão e estrategista um tanto cínico Mathias (Thibault de Montalembert), a agressiva e hiperativa Andréa (Camille Cottin), o bom-moço Gabriel (Grégory Montel), o agente com vocação de ator Hervé (Nicolas Maury), a veterana Arlette (Liliane Rovère), o arrivista Hicham (Assaad Bouab), a novata Camille (Fanny Sidney), a esfuziante Noémie (Laure Calamy) e Sophia (Stéfi Celma), a recepcionista que deseja ser atriz.



FRANÇA 


A composição da agência reflete uma França liberal que se vê progressista, multicultural e multiétnica, com presenças do rapaz gay, da lésbica assumida, da candidata a atriz negra e do árabe bem-sucedido. Mesmo os idosos têm assento no escritório da ASK.



A agência não vai lá muito bem das pernas. Mathias deixou a equipe com Noémie, a dupla agora virou casal e está prestes a trabalhar para um concorrente. Endividada, a ASK precisa de um trunfo urgente para fazer caixa e salvar o pescoço.

Enquanto isso, os funcionários devem gerir vidas pessoais complicadas. Andréa tenta administrar a vida de casal com um bebê. Gabriel acha que a fama de bom caráter o prejudica em métier tão agressivo. Hervé e Sophia descobrem que têm mesmo vocação para o palco e a tela, enquanto Camille ganha experiência e pretende abrir a própria empresa.

Além do mais, o CEO da empresa resolveu contratar uma pessoa que todos detestam, a maquiavélica Elise Forman (Anne Marivin), e o ambiente se degrada quando ela se agrega ao grupo. Entre ela e Andréa cria-se um estado de guerra declarada. Dá gosto ver essa batalha de egos e línguas afiadas.



Enquanto tudo vai esfarelando na ASK, a equipe precisa administrar os talentos sob contrato e resolver seus problemas. Charlotte Gainsbourg aceitou fazer um papel no filme do amigo de infância, sem saber que o roteiro é uma verdadeira bomba. Como se desvencilhar do trabalho sem magoar o diretor?

GALà


Naquele que talvez seja o melhor episódio desta temporada, a americana Sigourney Weaver desembarca em Paris para rodar um filme. O que a atrai é a possibilidade de contracenar com um jovem galã. Porém, como também não leu o roteiro, ignora que seu partner é um senhor de idade, Bernard Verley, mais preocupado com a aposentadoria do que com aventuras românticas.

Em outro episódio, o ator José Garcia não consegue mais decorar suas falas depois de se reencontrar com um amor de juventude, intenso e passageiro. Será Andréa, no auge de sua própria crise matrimonial, quem tentará gerenciar o caos amoroso de seu contratado. O episódio é inspirado numa história real ocorrida com o ator Jean-Louis Trintignant.

Será Jean Reno (de O profissional) a última tábua de salvação para a agência à beira da concordata. Ele seria o protagonista ideal de um filme de sucesso produzido pela própria ASK. Isso se não estivesse aposentado e mais propenso ao ócio do que se envolver numa produção duvidosa.



São vários os ingredientes que explicam o sucesso de Dix pour cent. Um deles é o tom agridoce que, com frequência, se resolve em comédia. Também são funcionais tramas à parte, como a relação de pai para filha (não reconhecida) entre Mathias e Camille. Ou a conturbada vida amorosa de Andréa, que engravida em inesperada noitada hétero e tenta criar o bebê com a companheira Collete.

STAR SYSTEM 


Há, claro, o encantador charme dos bastidores do mundo artístico, com seus protagonistas poderosos, mas cheio de fraquezas, ansiedades e limitações. Atores são vistos por esse lado bastante humano – o tom cômico e sem maldade de tratamento deve ter contribuído para a adesão de boa parte do star system francês ao projeto.

De qualquer forma, Dix pour cent mostra algumas verdades sobre o mundo do cinema. Há muita competição, rivalidade e golpes baixos. Também há amor e ódio e, por baixo do charme, motivações menos nobres. Mas algo talvez impalpável, como o amor pela arte do cinema, dá liga mesmo a essas contradições.

Toda a confusão de plumas, paetês e interesses econômicos termina com um filme sobre a tela. O amor ao cinema, mostrado de forma leve e humorada, não é a menor qualidade de Dix pour cent. Tomara que continue. 


DIX POUR CENT


.Série francesa
.Quatro temporadas
.24 episódios
.Netflix