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A festa dos hermanos não passou pelo Brasil por falta de interesse das gravadoras, que patrocinaram o intercâmbio continental em língua espanhola sem envolver o Brasil. A sensação, então, é de perda. O quanto perdemos por não saber mais do uruguaio Hugo Fattoruso, antes de ser quem se tornou, como roqueiro do Los Shakers, e por não ouvir os argentinos do Joven Guardia (ninguém consegue dizer se foram ou não inspirados pela Jovem Guarda brasileira) cantando El extraño de pelo largo. De quanta poesia fomos privados sem os LPs do genial Luis Spinetta, líder do fabuloso grupo Almendra.
O WOODSTOCK MEXICANO
Quanta energia deixamos de conhecer por não ter os discos do mexicano de Tijuana Javier Bátiz, de vocal poderoso e dono de uma versão estupenda de The house of the rising sun. O homem que, depois de ser visto cantando na praça por um menininho de 5 anos chamado Carlos Santana, foi procurado pela mãe do futuro maior guitarrista de rock da língua espanhola no dia seguinte: "Por sua culpa, meu filho ficou sem dormir a noite toda".E que história é essa do Woodstock mexicano realizado às margens do Lago Avándaro, em 1971, quando se esperavam 5 mil pessoas e apareceram – até onde conseguiram contar – algo como 250 mil. Como o rock, por seu potencial explosivo, foi proibido no México por oito anos? E de que forma a MTV Latina conseguiu unificar esse gigantesco bloco produtor de um som vigoroso e cheio de influências que vão da cumbia ao tango?
Brasil estava nos planos, mas ficou fora
Seria um erro não incluir o Brasil em nenhum capítulo do documentário? "Eu morei em São Paulo por cinco anos e sei que o universo roqueiro de vocês é gigante. Seria preciso mais 10 temporadas", diz o diretor da série, Picky Talarico. Ele conta que pensou em fazer duas entrevistas, que acabaram não sendo levadas adiante: uma com Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, e outra com Caetano Veloso. Os Paralamas são uma exceção no proclamado autossuficiente rock brasileiro dos anos 80, considerados "a banda de rock brasileira mais argentina da história" desde que o piano de Charly Garcia, o herói portenho, apareceu na gravação de Quase um segundo, do álbum Bora Bora, de 1988.
E Caetano por um ponto curioso: sobretudo os argentinos o percebem até hoje como um roqueiro, não como um cantor de MPB. E isso graças ao 3º Festival da Música Popular Brasileira de 1967, quando cantou Alegria alegria acompanhado pela banda de argentinos Beat Boys, com Tony Osanah (guitarra e voz), Cacho Valdez (guitarra), Toyo (órgão), Willy Verdager (baixo) e Marcelo Frias (bateria). Os dois últimos estariam na base dos supreendentes Secos & Molhados cinco anos depois.
"Mas a postura dele é roqueira. Aliás, foi a MPB de vocês que teve a atitude do rock nos anos 70", diz Talarico. E como o próprio Caetano considera o título de roqueiro latino-americano dado pelos argentinos? "Acho merecido pelas coisas que fizemos antes mesmo de argentinos, uruguaios, mexicanos ou chilenos. Cantei Alegria alegria em 1967. Toda aquela atitude roqueira que fazia parte do tropicalismo foi aparecer só mais tarde em cantores argentinos ou mexicanos", afirma, mas talvez se surpreenda se vir a série. Instantes depois, Caetano manda outra mensagem com um complemento: "Eles (os produtores da série) deveriam falar é de Raul Seixas. Quando eu e Gil fazíamos, em 1964, shows no Teatro Vila Velha, de bossa nova, Raul fazia show de rock no Cine Roma, lotado!".
Produtores desafinam ao elogiar demais
O argentino Gustavo Santaolalla, músico, produtor e compositor que levou dois Oscar pelas trilhas sonoras originais dos longas O segredo de Brokeback Mountain (2005) e Babel (2006), aparece sendo entrevistado em vários momentos – e um espectador desavisado pode terminar de assistir ao documentário considerando-o, de fato, um gênio, já que sua figura é colocada como central em vários casos de sucesso de bandas e cenas. Mas fica mesmo estranho quando se percebe também que seu nome aparece nos créditos como produtor executivo. Não haveria, no mínimo, um conflito de interesses?
A checagem é feita com Billy Bond, músico e produtor argentino que hoje vive no Brasil e que liderou um supergrupo nos anos 70, em Buenos Aires, chamado La Pesada del Rock and Roll, uma formação estelar com líderes de grupos, como Spinetta e Charly García. Apesar de também aparecer como entrevistado, ele diz: "O erro desse documentário se chama Santaolalla. Ele mente, não participou de tudo o que diz".
SEM RETORNO
Procurado pela reportagem, Santaolalla não retornou os pedidos de entrevista, mas o diretor Talarico falou a seu favor. "Ele disse que deveríamos tirar um pouco as partes em que aparecia, mas achei que, por sua importância, precisava ficar mais tempo." Alguns memes não perdoaram o centralismo de Santaolalla e passaram a fazer montagens com o rosto do produtor ao lado de frases como "no dia em que nasci, nasceu o rock latino" e "sem a minha música a vida seria um erro".MAIS QUE MÚSICA
Efeito Richie Valens
Californiano filho de mexicanos, seu sucesso cantando La bamba, em 1957, espraia o rock pelos países hispânicos. Morreu dois anos depois em um acidente de avião.
Los Prisioneros
Depois de fazer o rock Por que no te vás virar o hino de quem queria o fim da ditadura de Augusto Pinochet, esta banda chilena ficou dois anos sem poder fazer showsem seu país.
Guerra das Malvinas
O conflito entre o Reino Unido e a Argentina, entre 2 de abril e 14 de junho de 1982, foi vencido pelos britânicos. Como reflexo, as rádios baniram o rock cantado em inglês, abrindo espaço para o rock em espanhol.