Autora de 'Desalma' entrevista autor de 'Bom dia, Verônica', e vice-versa

Ana Paula Maia e Raphael Montes comentam a experiência bem-sucedida de escrever séries para o streaming. Ambas as produções terão segunda temporada

Carlos Marcelo 14/01/2021 04:00
Estevam Avellar/Divulgação
Com Cássia Kiss, 'Desalma' é um drama sobrenatural ambientado no Sul do Brasil (foto: Estevam Avellar/Divulgação)
Palavras nas páginas, palavras nas telas. Consolidados no mercado editorial na última década com romances premiados e bem-sucedidos comercialmente, Ana Paula Maia e Raphael Montes experimentaram em 2020 o êxito também no audiovisual. Os escritores assinaram séries que ficaram entre as mais vistas – e mais comentadas – do ano passado. 

Nascida em Nova Iguaçu (RJ) e moradora de Curitiba, Ana Paula criou Desalma, drama sobrenatural ambientado no Sul do país, com Cássia Kiss, Maria Ribeiro e Cláudia Abreu, disponível no Globoplay. Já o carioca Raphael assinou, com Ilona Casoy, o suspense Bom dia, Verônica, da Netflix, que tem no elenco Tainá Muller, Eduardo Moscovis e Camila Morgado. 

Com sete romances publicados, incluindo os vencedores do prêmio São Paulo de Literatura de 2018 (Assim na terra como embaixo da terra) e de 2019 (Enterre seus mortos), Ana Paula Maia compara as duas formas de produção: “A escrita literária é um pouco mais introspectiva, mais demorada no processo de realização. Para o audiovisual, a escrita é mais dinâmica e mais ágil.” 
Suzana Tierie/Divulgação
Estrelada por Tainá Muller, 'Bom dia, Verônica' tem segunda temporada garantida na Netflix (foto: Suzana Tierie/Divulgação)

Raphael Montes, que venceu o Prêmio Jabuti de 2020 em uma nova categoria (Romance de entretenimento) com Uma mulher no escuro, diz que trabalha com “chaves distintas” para a criação. “Na literatura, penso o ritmo das frases, a figura do narrador, o equilíbrio entre ação, descrição e diálogo para criar a cadência narrativa. No cinema, o ritmo das cenas e as soluções visuais para sugerir subjetividades. Em ambos os processos, preciso ‘vestir’ a pele do personagem para escrever com segurança”, explica. 

Mesmo com a segunda temporada assegurada para as duas séries, os escritores garantem que continuarão a se dedicar à ficção literária. “Os prêmios trazem um valor agregado à obra que é muito relevante para todo escritor. Mas eu continuo escrevendo da mesma maneira que antes e meu projeto literário se mantém como antes”, destaca Ana Paula Maia, que escreve a segunda temporada de Desalma

“Sempre me enxerguei como contador de histórias. E tenho muitas a contar, seja nas séries, nos filmes ou nos livros”, complementa Raphael, às voltas com a nova temporada de Bom dia, Verônica, um livro juvenil de suspense e um novo romance. Os dois escritores aceitaram o convite do Estado de Minas para se entrevistar. A seguir, o resultado dessa “conversa”.  

Bel Pedrosa/Divulgação
O escritor Raphael Montes (foto: Bel Pedrosa/Divulgação)


Ana Paula Maia entrevista Raphael Montes


Qual foi a maior dificuldade no desenvolvimento para a versão televisiva do romance Bom dia, Verônica? O quanto foi preciso criar e recriar a trama original para a versão de oito episódios?
As ferramentas para contar uma história no audiovisual são diferentes daquelas da literatura. Sem dúvida, o maior desafio foi deixar a visão de escritor de lado e me debruçar sobre a história com o olhar de roteirista. Para escrever a adaptação de Bom dia, Verônica, precisei buscar a essência da história. A partir daí, me dei total liberdade para criar e modificar tramas e personagens. No livro, Verônica investiga dois casos policiais em paralelo. Na série, um dos casos tem maior importância, enquanto o outro se resolve no meio da temporada, no episódio 4. Personagens como Brandão, Janete e a própria Verônica são diferentes do livro. 

Você escreveu o projeto para a TV pensando em temporadas futuras? A trama continua do ponto em que parou?
Sim, desde o início, os livros foram pensados como uma trilogia. Bom dia, Verônica, sucedido por Boa tarde, Verônica e Boa noite, Verônica. Assim, havia previsão de continuação para a série também, mas dependia da resposta do público. Fiquei muito feliz de ver o sucesso da série, que cresceu no boca a boca, ficou no Top 10 da Netflix Brasil por um mês e chegou aos mais vistos em diversos países. Estou escrevendo agora a segunda temporada.

Como você enxerga o despontar do audiovisual brasileiro no gênero de suspense e terror?
Quando comecei a escrever, escutava que suspense e terror não funcionavam no Brasil. Com os meus livros, felizmente, fui conquistando um público e criando uma espécie de marca autoral, com histórias que você não consegue parar de ler, com finais surpreendentes. Levei essa marca autoral para a série da Netflix também. O público brasileiro ainda tem certo preconceito com histórias brasileiras, tanto nos livros como nas séries. Mas, a cada projeto de qualidade realizado, esse preconceito vai se quebrando. Acredito que temos muitos artistas talentosos no audiovisual brasileiro produzindo histórias de gênero. Pouco a pouco, vamos conquistando mais e mais espectadores. Tenho muito orgulho de estar produzindo histórias neste momento.

Piu Dip/Divulgação
A escritora Ana Paula Maia (foto: Piu Dip/Divulgação)


Raphael Montes entrevista Ana Paula Maia


Desalma é uma série original, e você tem uma série de livros publicados. Você enxerga uma “marca autoral” que unifica sua obra (literária e audiovisual)? Temas, personagens frequentes, elementos estruturais?
Na literatura, eu posso dizer que sim, tenho uma marca autoral que já está consolidada. No audiovisual, estou começando a construir essa possível marca autoral. Desalma é uma série que permeia diversos elementos que não estão nos meus livros, porém são elementos com os quais sempre quis trabalhar. Que fazem parte do meu imaginário ficcional. Acho que alguns elementos irão se conectar a alguma obra já escrita ou que ainda será escrita. Esse desenho dramático que interliga as obras só poderá ser percebido com o tempo.


Como você enxerga o preconceito que o público brasileiro tem com as nossas séries, especialmente de policial/terror/fantasia? E como, como criadores, podemos ajudar a mudar isso?
São gêneros ainda pouco explorados no Brasil. Mas acredito que à medida que novas produções desses gêneros ganham volume e qualidade, o número de espectadores também começará a crescer. Quanto mais projetos desses gêneros chegarem à mesa dos produtores de audiovisual, imagino que o número de projetos realizados também começará a crescer.

Quais dos seus livros você gostaria de ver adaptados ao audiovisual? E você mesma gostaria de fazer essa adaptação?
Todos os livros em que o Edgar Wilson, personagem central da maioria dos meus livros, estiver presente, eu acredito que seria muito bacana adaptar. Sim, eu mesma faria a adaptação, porque ninguém conhece o Edgar Wilson melhor do que eu.

Na estante

Confira a bibliografia dos escritores

Ana Paula Maia
•O habitante das falhas subterrâneas (2003)
•A guerra dos bastardos (2007)
•Entre rinhas de cachorro e porcos abatidos (2009)
•Carvão animal (2011)
•De gados e homens (2013)
•Assim na terra como embaixo da terra (2017) 
•Enterre seus mortos (2018)

Raphael Montes
•Suicidas (2012)
•Dias perfeitos (2014)
•O vilarejo (2015)
•Jantar secreto (2016)
•Bom dia, Verônica (com Ilana Casoy, 2016)
•Uma mulher no escuro (2019)

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