O conservadorismo das igrejas neopentecostais, o avanço das milícias sobre comunidades pobres e a aliança entre religião e política estão no centro da trama de Os últimos dias de Gilda, série nacional dirigida por Gustavo Pizzi em cartaz no Canal Brasil, também disponível no Globoplay.
Karine Teles interpreta Gilda, mulher livre que se recusa a aceitar o machismo e a opressão. A atriz também protagonizou o monólogo assinado por Rodrigo de Roure, que foi levado aos palcos pela primeira vez em 2004.
Pizzi assistiu à peça e planejou transformá-la em projeto audiovisual. O projeto ficou guardado até surgir a oportunidade da minissérie, cujo roteiro foi adaptado por ele para o contexto atual. As gravações ocorreram em meio ao clima de polarização das eleições de 2018.
“Estava todo mundo muito atento ao que estava acontecendo, porque aquilo está na nossa pele até hoje. Foi um momento muito duro”, diz Gustavo Pizzi, de 43 anos.
QUINTAL
Gilda vai de encontro à intolerância e ao preconceito. Cozinheira de mão cheia, ela cria porcos e galinhas no quintal de casa, encantando amigos e amantes com suas receitas. Essa mulher independente e bissexual incomoda a vizinhança, principalmente Cacilda (Julia Stockler), esposa de Ismael (Igor Campanaro), candidato a vereador filiado ao Partido do Senhor.Gilda lida com o moralismo dos vizinhos, além de traficantes, policiais e milicianos que disputam violentamente o controle da comunidade onde ela vive. Pizzi buscou não adotar o tom documental, enfatizando a universalidade da opressão ao feminino.
“A Gilda da série é baseada na personagem do teatro, mas é uma outra criação, com outro olhar. Tem uma essência ali daquela mulher, mas acho muito bonito ver como essa sementinha rende e se desdobra. Fico muito emocionada em ver a outra Gilda surgindo no mundo”, afirma Karine Teles, de 42 anos.
Nesta crônica do Brasil contemporâneo, milicianos, evangélicos, pastores e políticos são abordados sob um olhar diferenciado. “Todos os personagens são bi ou tridimensionais. A gente busca tratar com muito respeito a dignidade das pessoas, procurando sempre retratar todos os pontos de vista”, diz Gustavo Pizzi.
“Mãezona” em sua comunidade, Gilda diverge das pessoas com quem convive, mas as respeita. Humilde, humana, com nervos à flor da pele – mas, sobretudo, amorosa –, ela faz da força feminina o ponto alto da trama. Karine Teles acredita que a série pode contribuir para quebrar preconceitos e “desencaretar” o Brasil governado pelo conservador Jair Bolsonaro.
“A caretice, o preconceito e o conservadorismo estão diretamente ligados ao medo e à ignorância. Quando você entra em contato com o diferente, há grandes chances de mudar opiniões e quebrar preconceitos. É para isso que a gente trabalha, para levar mundos diferentes até as pessoas que não teriam contato com esses universos de outra maneira”, defende.
Por outro lado, Gustavo Pizzi não se diz tão otimista quanto a mudar a perspectiva das pessoas, embora afirme que contribuir para a discussão já é uma conquista. “É uma sementinha, um grão que tentamos colocar de alguma maneira para causar reflexão. A gente precisa entender que é difícil pensar diferente, mas é preciso sempre escutar os argumentos do outro”, afirma o diretor.
SONHO
Para Karine Teles, a série traz o sonho de um futuro onde diferentes convivam em paz. “Meu desejo é que as pessoas assistam com olhos abertos para o outro lado. Mais do que a Gilda como essa mulher forte, uma das coisas mais importantes é o nosso desejo de olhar para o outro lado com generosidade e empatia”, conclui.Karine e Gustavo, que foram casados e são pais de gêmeos, trabalharam juntos nos filmes Benzinho (2018) e Riscado (2011), ambos dirigidos por ele e protagonizados por ela. Karine é roteirista. Como atriz, destacou-se nos longas Que horas ela volta? (2015), de Anna Muylaert, e Bacurau (2019), de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles.
OS ÚLTIMOS DIAS DE GILDA
Minissérie em quatro episódios. Às sextas-feiras, às 22h30, no Canal Brasil. Disponível na íntegra na plataforma Globoplay e nos canais Globo.