No decorrer da história do audiovisual brasileiro, sobram exemplos de produções que abordam os povos indígenas, tanto por meios ficcionais quanto documentais. Poucas não caíram no erro de retratá-los como objetos ao invés de sujeitos. A série documental Nokun Txai – Nossos txais (2019) faz o contrário desse movimento ao trazer os indígenas para o processo de criação.
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Com direção-geral do cineasta Sérgio de Carvalho, as filmagens foram feitas entre 2016 e 2017 nos municípios acreanos de Tarauacá, Feijó, Marechal Thaumaturgo, Cruzeiro do Sul e Jordão. A maior parte das gravações ocorreu nas aldeias, mas a série também acompanha a vida de indígenas nas cidades.
MULHERES
Com visão bastante atual, os episódios retratam a movimentação dos indígenas e o papel das mulheres nas comunidades. Também ganharam destaque a relação deles com as novas tecnologias e as pressões políticas que sofreram.
Com visão bastante atual, os episódios retratam a movimentação dos indígenas e o papel das mulheres nas comunidades. Também ganharam destaque a relação deles com as novas tecnologias e as pressões políticas que sofreram.
No primeiro episódio, são retratados dona Mariana e “seu” Milton, sobreviventes do extermínio dos kuntanawas e ex-integrantes do movimento socioambiental idealizado por Chico Mendes. Vivendo hoje em humilde contexto urbano, os dois enfrentam os desafios da terceira idade e discutem a demarcação de suas terras.
No quarto episódio, “Yara Baka – Pessoa espírito”, é apresentado o coletivo de pesquisadores-artistas MAHKU – Movimento dos Artistas Huni Kuin. Ao longo de uma semana, a produção acompanha o encontro deles no Bairro Kaxinawá, em Jordão. O protagonista é Ibã Huni Kuin, que, junto da juventude indígena urbana, desenvolve um trabalho abordando mitos e músicas de seu povo.
Quem protagoniza o sexto episódio é a jovem acreana Alana Manchineri. Ela visita o Acampamento Terra Livre, em Brasília, em meio à crescente tensão política causada pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Nossos txais também aborda o xamanismo amazônico, a influência da religião nas aldeias e a medicina tradicional. Além de Sérgio de Carvalho, episódios são assinados pelos cineastas indígenas Zezinho Yube e Bebito Pyanko e pelo diretor Vincent Castelli, criador do projeto Vídeo nas Aldeias. A direção de fotografia é de Pedro Von Kruger, Miguel Vassy, Hadrien La Vapeur e Renato Vallone, que também cuidou da montagem ao lado de André Sampaio e Lorena Ortiz.
Resultado da imersão na cultura dos povos amazônicos, a série foge ao senso comum com saldo positivo. Além de problematizar impasses culturais e disputas de terras, mostra como os indígenas se posicionam diante desses desafios e como ocorre sua mobilização na prática. O que torna Nokun Txai – Nossos txais referência é o fato de a série ter sido criada e realizada em parceria com os personagens que retrata.
FERRAMENTA
Para os três diretores de Bimi Shu Ikaya (2019), o cinema é ferramenta essencial para a preservação da tradição dos huni kuin. Isaka, Zezinho Yube e Siã defendem, nesse documentário, a necessidade de transformar o audiovisual em uma forma de eternizar costumes que podem desaparecer, inclusive devido à falta de interesse das próximas gerações.
Para os três diretores de Bimi Shu Ikaya (2019), o cinema é ferramenta essencial para a preservação da tradição dos huni kuin. Isaka, Zezinho Yube e Siã defendem, nesse documentário, a necessidade de transformar o audiovisual em uma forma de eternizar costumes que podem desaparecer, inclusive devido à falta de interesse das próximas gerações.
Para isso, os diretores fazem um retrato de Bimi, a primeira mulher indígena huni kuin a organizar sua própria comunidade, desempenhando papéis até então exclusivos dos homens, como o pajé de cura.
Ao longo de 52 minutos, o filme percorre os espaços da aldeia em busca de elementos culturais, sublinhando as atividades coletivas em que Bimi se empenha com o propósito de passar adiante conhecimentos tradicionais de seu povo.
O resultado é uma narrativa irregular que, embora cheia de pontas soltas, carrega potência singular, em especial por discutir o fazer cinematográfico no contexto dos indígenas. Além disso, Bimi Shu Ikaya traz reflexões importantes sobre a quebra de paradigmas naquela comunidade calcada na figura masculina.
NOKUN TXAI – NOSSOS TXAIS
Série documental em 13 episódios.
Direção: Sérgio de Carvalho.
Disponível na Amazon Prime Video
BIMI SHU IKAYA
Documentário de Isaka Huni Kuin, Zezinho Yube e Siã Huni Kuin. Disponível
na Amazon Prime Video
O trauma da guerrilha
Na década de 1970, índios da etnia aikewara suruí tiveram contato com soldados durante a Guerrilha do Araguaia, ocorrida no Sul e Sudeste do Pará. A ocupação do território indígena por tropas do Exército e a consequente violência cultural sofrida por esse povo são temas do documentário Aikewara (2018), de Luiz Arnaldo Campos e Célia Maracajá.
Em 80 minutos, o longa oferece uma visão inédita sobre a Guerrilha do Araguaia destacando a ocupação do território, o que, segundo o filme, trouxe consequências desastrosas para os aikewaras, como o alistamento de jovens indígenas e a extinção de práticas tradicionais.
Filmado nas aldeias Sororó e Itahy, no município de São Geraldo do Araguaia, o processo de construção do documentário foi feito com a consultoria do ativista Paulo Fonteneles Filho (1972-2017).
Além de relatos dos aikewaras sobre sua própria história, o filme aborda a criação da Comissão da Verdade Suruí, o primeiro grupo indígena formado para trazer a público fatos ocorridos durante a ditadura militar (1964-1985).
AIKEWARA
Documentário de Luiz Arnaldo
Campos e Célia Maracajá. Disponível
na Amazon Prime Video
O ritual do adeus
As imagens iniciais de Antes o tempo não acabava (2018) são impressionantes. Exibem o ritual de iniciação em que os jovens índios colocam a mão em luvas de palha cheias de formigas-de-fogo.
Até esse ponto, o registro flerta com o documental. Entretanto, a ficção logo se instala: anos depois, o filme mostra a trajetória de Anderson (Anderson Tikuna), que vive em conflito com os costumes de sua tribo, nos arredores de Manaus, e decide abandonar a comunidade após a morte da sobrinha.
O longa acompanha as experiências profissionais, sexuais e afetivas do protagonista no centro urbano – da burocracia para conseguir um nome “de branco” à ida a uma festa punk.
Ao longo de 83 minutos, o filme propõe um retrato de problemáticas de identidade, modernidade, sexualidade e descaso de ONGs e das autoridades. Embora não seja uma narrativa amarrada, traz à tona cenas bonitas e cheias de vivacidade, o que permite empatia com o jovem protagonista, cujas ações impensadas são justificáveis.
ANTES O TEMPO NÃO ACABAVA
Filme de Fábio Baldo e Sérgio Andrade.
Disponível na Amazon Prime Video