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Longa de animação da Netflix lança olhar positivo para a China

Scooby! O filme fez o caminho do streaming para o cinema, que deve ser seguido por outros títulos neste ano - Foto: Warner/Divulgação


Poucas semanas após a trágica e repentina morte de seu amigo astro do basquete Kobe Bryant (1978-2020), com quem ganhou o Oscar de Melhor Curta em Animação em 2018, o diretor Glen Keane ouviu uma ordem (coletiva) para deixar os estúdios da Netflix. 


"Era uma terça-feira, por volta de 11h, e meu produtor disse que a Netflix estava fechando e que tínhamos de sair imediatamente. Às 11h30, já não havia mais ninguém lá, e não retornamos ao prédio até hoje". 

Assim o diretor de Dear basketball viveu a chegada da pandemia do novo coronavírus aos Estados Unidos, onde ela impactou todas as atividades do mundo, inclusive a produção cinematográfica, assim como nos demais países. 

No entanto, o trabalho que Keane desenvolvia na época não foi cancelado ou interrompido e o longa A caminho da lua, com sua assinatura na direção, chega na próxima sexta-feira (23) ao catálogo da Netflix.




ORIENTE

 
A novidade é mais uma animação que explora os encantos do Oriente. Na trama, a garota chinesa Fei Fei vive um drama pessoal, depois de perder a mãe e não se adaptar à nova configuração familiar, quando o pai encontra outra companheira.

A madrasta ainda tem um filho que tenta se aproximar da protagonista como seu "irmão mais novo", por mais que ela o rejeite. Para fugir de tudo isso, Fei Fei se volta para as histórias que a mãe lhe contava sobre Chang'e, a Deusa da Lua na mitologia chinesa. 

Apaixonada por ciências e disposta a provar a existência da divindade àqueles que duvidam, a garota constrói um foguete e parte rumo à lua. A aventura acaba ensinando à jovem lições importantes sobre a finitude e o amor, especialmente sob a perspectiva de que a busca por algo inalcançável pode fazer se perder aquilo que já está ao nosso redor. 



A cultura chinesa é fortemente representada no longa. Não só pelo resgate da mitologia em torno de Chang'e, mas também com cenas que exploram a gastronomia local e os avanços tecnológicos e industriais empreendidos pelo país asiático nos dias atuais. 

Em entrevista para a imprensa brasileira sobre o lançamento, na semana passada, Keane revelou que as inspirações passam por retratar o afeto que recebeu das crianças locais em uma visita ao país há alguns anos, quando foi falar sobre cinema de animação. 

"Fiquei tão tocado pelo amor deles, pelas histórias dele, que pensei em pegar essas histórias e dividir com o mundo. Para isso foi muito importante ter uma equipe autenticamente chinesa", afirma o diretor, que contou com a produção executiva de Janet Yang, Ruigang Lee, Frank Zhu e Thomas Hui, de nacionalidade ou ascendências chinesa.



GERAÇÕES 
"O filme é sobre mostrar o que eles cresceram vendo, nos lares deles, o respeito pelas gerações anteriores. Tudo de forma muito sincera", afirma. O animador de 66 anos, que trabalhou anteriormente em produções emblemáticas da Disney, como A pequena sereia, Aladdin e A Bela e a Fera, afirma que o objetivo foi "abraçar não só a lenda, mas a cultura atual, mostrada no trem magnético de levitação". 

Ele ainda diz que se recusou a "olhar para algo que não fossem as melhores intenções de uma nação que procura crescer e enriquecer suas tecnologias, valorizando suas histórias, comida e música". 

"Essas coisas me inspiraram, então escolhi ignorar qualquer viés político que esteja ocorrendo e foquei nessas coisas que importam para mim", afirma. O roteiro foi escrito por Audrey Wells, quando ela já enfrentava um câncer incurável. Em 2018, quando o filme começou a ser produzido, ela morreu, aos 58 anos.



Num ano em que tantas produções do cinema mundial foram interrompidas ou adiadas em virtude da pandemia, Keane e sua equipe celebram a conclusão do projeto e o lançamento dentro do prazo previsto. Além do modus operandi da Netflix, que produz seus filmes  diretamente para o consumo doméstico, sem depender da situação das salas de cinema, o fato das animações não envolverem grandes aglomerações em sets de filmagem foi outro facilitador. Contudo, o diretor destaca o esforço coletivo, mesmo que a distância. 

"Quando a pandemia chegou, estávamos no meio dos prazos finais. Fui para as montanhas, onde tenho uma casa, e minha internet era terrível, conversas tinham delay de 20 segundos. Mas, com essas dificuldades que descrevi, a única forma que seríamos capazes de concluir esse filme foi acreditar que estávamos trabalhando numa coisa maior que nós e ninguém seria o elo mais fraco. Fomos para nossas casas e seguimos trabalhando, seguimos animando, trabalhando com design de personagens, gravações", diz. 

A parte musical, que seria gravada no estúdio Abbey Road, em Liverpool, fechado na pandemia, acabou sendo feito em Viena, e coordenado por quem estava em Londres, enquanto Glen fazia sua parte de Los Angeles. "Todo mundo foi acima e além do que era possível,  como uma corrente, e não houve barreiras para as equipes desse filme", afirma o diretor.



Coqueluche na pandemia, animação vira alvo de guerra entre cinema e streaming

Se a produção das animações foi menos prejudicada na pandemia, sua distribuição, por outro lado, esbarra em questões mais complexas. Em maio deste ano, quando a pandemia estava em um de seus estágios mais graves mundialmente, a empresa de tecnologias e dados para o mercado financeiro e agência de notícias Bloomberg publicou um artigo destacando como a pandemia poderia impulsionar a produção de séries e filmes animados. 

A publicação dava conta que, naquela época, os estúdios 20th Century Fox Television, controlados pela Walt Disney, informaram um aumento de 25% nos pedidos de desenvolvimentos de animações desde o início da pandemia. 

Dono de alguma das maiores bilheterias a cada ano, justamente por contemplar um público de todas as idades, levando inclusive famílias inteiras ao cinema, o gênero cinematográfico também passou a ter destaque comercial nas plataformas digitais de filmes sob demanda.  

Segundo a agência de dados sobre consumo cinematográfico The Numbers, metade dos 10 filmes mais alugados em serviços sob demanda nos EUA desde 2014 são animações. As duas primeiras posições do ranking pertencem a Frozen (2014) e Divertida mente (2015). 


A tendência possibilitou à Universal Pictures fazer da crise uma oportunidade com Trolls 2. Originalmente programado para chegar aos cinemas em 4 de abril passado, o longa acabou sendo lançado diretamente no streaming, e apenas nas primeiras três semanas arrecadou US$ 100 milhões em aluguéis. 

Segundo a imprensa norte-americana, isso significou um lucro de US$ 77 milhões para o estúdio, superando aquilo que o primeiro filme conseguiu em 2016, mesmo com bilheteria bruta total de US$ 153 milhões nos EUA. A diferença se explica pelo fato de a receita ser dividida com as plataformas em uma fração menor, em comparação coom os acordos com as redes de de cinemas.

Ainda assim, existe a previsão oficial de que Trolls 2 chegue aos cinemas brasileiros em 3 de dezembro, depois de um adiamento anterior de abril para outubro. Trajetória já seguida por Scooby! O filme, da Warner. Originalmente programado para chegar às telonas em maio, acabou lançado direto nas plataformas digitais no fim de julho e foi ponta de lança na recente abertura das salas de cinema do Brasil. Durante a flexibilização que abriu apenas 10% das 3,5 mil salas do parque exibidor brasileiro, o longa do clássico personagem canino se tornou o filme mais visto do país, mas por apenas 89 mil espectadores desde setembro. 



A opção por lançar os filmes diretamente no streaming, sobretudo potenciais blockbusters, como é o caso das grandes animações, tem sido motivo de polêmica e reclamações das redes de cinema. 

Nos EUA, a National Association of Theater Owners (NATO, “Associação Nacional de Donos de Cinema”, em inglês) protestou formalmente contra a decisão da Universal em relação a Trolls 2. O mesmo fez a União Internacional de Cinemas (UNIC), por conta de um dos dos desenhos mais aguardados de 2020, que também seguirá esse caminho. 

É o caso de Soul, longa coproduzido pelos estúdios Disney e Pixar, escolhido pela seleção de Cannes neste ano. Dirigido por Pete Docter (Divertida mente), o filme conta a história de um professor cuja alma vai viver uma aventura em outro plano existencial. Depois de ter a estreia adiada algumas vezes, aguardando a normalização das salas de cinema, o lançamento foi oficialmente confirmado para o streaming, com exclusividade para assinantes do Disney TV%2b, em 25 de dezembro. 



A Netflix lançou sua primeira animação original no fim do ano passado, com o natalino Klaus. Em seguida, vieram Perdi meu corpo, ambos indicados ao Oscar, e agora A caminho da lua. Independentemente da pandemia, a empresa pretende divulgar mais títulos em breve. 

Em entrevista à revista Variety, o CEO Ted Sarandos afirmou que a meta são seis longas originais por ano a partir de 2021. Concorrência não faltará, já que a Pixar trabalha na produção de Luca, sobre as aventuras de um garoto com esse nome na Riviera italiana, dirigido por Enrico Casarosa e produzido por Andrea Warren, anunciado para o meio do ano que vem.