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VIAGEM EXISTENCIAL

Ewan McGregor descobre a América na série 'Long way up'

 
Com tanta notícia ruim no mundo, às vezes é difícil de acreditar na humanidade. O astro escocês Ewan McGregor, que divide seu tempo entre Londres e Los Angeles, sabe disso muito bem. Porém, depois de percorrer quase 21 mil milhas em 100 dias, atravessando 13 países ao lado do amigo, o ator Charley Boorman, sua fé no ser humano foi restaurada. “Onde quer que fôssemos, se a moto quebrasse ou o pneu furasse, sempre tinha alguém para ajudar”, conta McGregor. “Há uma bondade inerente às pessoas.”



A viagem de Ushuaia (Argentina) a Los Angeles (EUA) virou a série Long way up, em cartaz na Apple TV%2b, com um novo episódio a cada semana.

JORNADA

Não é a primeira jornada do ator. McGregor praticamente deu a volta ao mundo numa motocicleta. Ao lado de Boorman, viajou de Londres a Nova York pela Europa Central, Ucrânia, Usbequistão, Mongólia, Rússia e Canadá. Aqueles 31 mil quilômetros renderam a série Long way round, em 2004. Em Long way down, os dois fizeram o trajeto entre Escócia e Cape Town, na África do Sul, por três meses, em 2007. Desta vez, no entanto, havia um desafio adicional: usar motocicletas movidas a eletricidade.

 

“Estamos perto de ver o mundo mudar para um jeito mais limpo. Precisamos fazer isso”, afirma McGregor. “Aqui nos Estados Unidos, os republicanos estão lutando desesperadamente para que isso não aconteça, mas é necessário, ou não teremos um planeta.”

O primeiro episódio detalha as dificuldades da empreitada, que começam por não haver motocicletas elétricas disponíveis para fazer a viagem. A Harley-Davidson se apressou em fabricar duas com autonomia razoável, de cerca de 150 quilômetros. Porém, na Patagônia e no deserto de Atacama, não há pontos de recarga suficientes.



“No fim, demos um jeito. Sempre que parávamos, carregávamos a bateria, fosse num hostel, num restaurante ou num hotel”, conta McGregor, admitindo que houve necessidade de utilizar geradores a diesel. Foi aí que entrou a generosidade das pessoas. Num lugarejo na Bolívia, a hospedaria tinha um pequeno abrigo, com um soquete pendurado por cabos. “Ligamos a moto de Charley ali, e foi faísca para todo lado”, relembra McGregor.


O ator tentou conectar sua moto num outro lugar, mas queimou os fusíveis do hotel. No fim, acabou usando o mesmo ponto de Charley. “Eu me senti como antigamente, quando não havia postos de combustível e era preciso deixar galões ao lado da estrada. Hoje é fácil. Acho que, em 20 anos, vai ser tranquilo encontrar postos de eletricidade também”, afirma.

McGregor admite que motivos um pouco egoístas movem esse tipo de aventura. “Suas responsabilidades são muito simples. É meio como tentar recuperar o espírito de moleque, ficar andando por Crieff, minha cidade na Escócia, de bicicleta. Eu era totalmente livre. Não tinha responsabilidade com ninguém. Nessa viagem, só precisávamos nos preocupar em carregar as baterias e manter a mente aberta para o que podia acontecer no caminho.”



LA PAZ

A jornada incluiu o encantamento com pessoas que a dupla encontrou na estrada, sobretudo a população tradicional da Bolívia. “Amei La Paz, foi um dos destaques da viagem”, conta o ator. “Adorei as vestimentas elaboradas dos indígenas, com várias camadas e chapéus. Foi uma grande experiência.”

Não faltaram interações com pessoas generosas e amistosas – o oposto do discurso que muitas vezes se ouve da boca do presidente americano Donald Trump e de outras personalidades norte-americanas.

“Moro nos Estados Unidos e sou submetido à distorção sobre gente da América Central, da América do Sul, da fronteira, do México. Vi essa viagem como oportunidade de mostrar ao mundo que isso não é verdade. Há maçãs podres em todos os lugares, não é exclusividade de nenhum país. E os Estados Unidos não estão sendo invadidos”, avisa McGregor.



COVID

Ele destaca uma lição, especialmente agora, quando a pandemia faz o mundo repensar suas prioridades. “Muitos definem os Estados Unidos como o melhor país da Terra. Mas quem tem direito de dizer isso? Que arrogância! Há um modo de vida nos EUA, outro na Europa ou no Brasil”, afirma McGregor.

“Não quer dizer que a maneira como os moradores de um vilarejo na Etiópia vivem seja pior. É só diferente. As prioridades são diferentes. Talvez mais simples: comida, abrigo, cuidar dos filhos. Talvez esse seja um jeito melhor de viver”, conclui.