Há alguns meses, moradores do Itanhangá, na Zona Norte do Rio de Janeiro, viram Beto Falcão ziguezagueando por lá – sem o cabelo rastafári, mas com aquele macacão supercolorido. Cantor de axé que fez sucesso em Segundo sol (Globo), novela de João Emanuel Carneiro exibida há dois anos, o ressurgimento de Beto é reflexo direto da pandemia.
A roupa quase espalhafatosa do personagem foi a salvação para seu intérprete, o ator Emílio Dantas. O figurino o ajudou a driblar o medo de encarar o lado de fora de sua própria casa durante as primeiras semanas de isolamento social.
COLORIDÃO
“Dei sorte por ficar com um macacão do Beto, depois da novela. Ele estava perfeito, com mangas e um ziperzinho na frente. Durante dois meses, os vizinhos me viram sair de Beto Falcão, bem coloridão. Era engraçado”, revela Emílio. A COVID-19 deixou o ator tão neurótico que ele chegou a ponto de separar roupas para usar fora de casa.
Sair pelo condomínio como Beto Falcão está entre as situações que não serão esquecidas por Emílio e a mulher, a atriz Fabiula Nascimento. “Passamos por vários momentos nesta quarentena, até achar que havia extraterrestres na Pedra da Gávea. Procuramos um amigo maluco que gosta de ET e a história ficava ainda mais maluca”, conta Fabiula, aos risos. “A gente chegava a gargalhar com um filme ruim.” A fase da neurose passou, mas o casal segue adotando todos os cuidados para evitar o coronavírus.
Por estarem “quarentenando” juntos, Emílio e Fabiula foram escalados por Jorge Furtado para a série Amor e sorte. No episódio “Territórios”, Clara e Francisco, personagens vividos pelo casal, estão se separando. Surpreendidos pela pandemia, eles se veem obrigados a permanecer trancados em casa.
O texto é assinado por Jorge Furtado, Adriana Falcão e Jô Abdu. Patrícia Pedrosa e Ricardo Spencer dirigem a série, cuja estreia está prevista para 8 de setembro, com episódios independentes. O elenco traz também Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, Caio Blat e Luisa Arraes, Taís Araújo e Lázaro Ramos.
O sistema remoto de gravação obrigou o elenco a dar conta de tudo – luz, contrarregragem, figurino e fotografia, além da faxina e do preparo do almoço. Amor e sorte transformou a casa dos artistas em cenário.
Mesmo encarando tanta novidade de uma vez só, Fabiula conta que o processo foi natural. “Eu tinha de saber de tudo o que ele (Emílio) pedia. Ele deveria saber onde estava tudo o que eu pedia. As funções foram acontecendo no set. Ninguém ficou responsável por nada, mas responsável por tudo. Essa foi a grande bagunça aqui em casa”, revela.
Emílio afirma que a experiência trouxe importante aprendizado. “Foi quase um pioneirismo. Não tem tutorial na internet ensinando como fazer uma série dentro de casa”, observa.
Durante a entrevista coletiva on-line que reuniu atores, autores e diretores, Jorge Furtado quis saber do casal como foram as descobertas do rosto e do corpo do outro. “Era lindo isso”, diz Fabiula, toda “derretida” ao falar do marido. “Foi bonito ver os olhos, os traços do rosto do Emílio. A doçura, as coisas que ele tem e conheço do dia a dia, mas não para olhar. Com a câmera na mão, aquilo dilata.”
Emílio adorou a experiência. “Como atores, só trocaríamos no âmbito ator-ator. Fiquei maravilhado quando vi o jogo dela com a câmera, o áudio, a relação dela com outros profissionais... Me deu um orgulho muito grande.”
O isolamento social pegou Emílio Dantas e Fabiula Nascimento praticamente de férias. No início, o casal pensou que seria apenas um tempo curto passado em casa. Mas lá se vão quase seis meses de confinamento. A atriz comenta que o lado menos doloroso foi a chance de ter tempo para “repensar, não pensar, pirar, não pirar, conversar sobre diversos temas, falar da gente, da vida, dos bichos, dos desejos e do futuro muito próximo”.
A nova relação com o tempo foi um aprendizado. “Não conseguimos pensar no futuro a longo prazo, o que nos enlouqueceu, mas já deixamos de pensar nisso. Ele está aí, não temos muito o que fazer, pois está nas nossas mãos”, observa Fabiula.
SAUDADES
Para Emílio Dantas, a parte mais complicada do novo processo de trabalho foram os momentos envolvendo a troca de pilhas do microfone, o ajuste de refletores e cabos e a troca de roupas, fazendo-o sentir saudades das dezenas de profissionais que deveriam trabalhar naquele set, mas não estavam ali por causa da pandemia.
“Estava sempre me lembrando do carinho de todo mundo com o ofício. Levei para a série todos os detalhes que aprendi com aquela galera do set, torcendo para voltarmos logo”, diz o ator.