Durante 36 anos, diferentes gerações brasileiras ficaram “atentas, olhando para a TV”. Mas as “historinhas bem gostosas de se ver” de Chaves e sua turma saíram do ar há duas semanas, encerrando uma era no entretenimento infantojuvenil.
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O desentendimento é entre a família de Bolaños, a quem pertence a propriedade intelectual da obra administrada via grupo Chespirito, e a Televisa, que exibe e negocia esse direito com outras emissoras pelo mundo. O impasse tirou Chaves do ar em todos os países onde era transmitido.
Por aqui, o SBT/Alterosa informou que “a exibição dos seriados Chaves, Chapolin e Chespirito estaria garantida até 31 de julho deste ano, com possibilidade de renovação entre as partes, o que verbalmente havida sido confirmado. No entanto, a negativa em relação ao acordo com o grupo detentor de direitos intelectuais sobre as histórias chegou a apenas poucos dias do fim do contrato”.
Público
Em nota oficial, a emissora brasileira afirmou que “lamenta a decisão, principalmente em respeito ao seu público, que acompanha fielmente os seriados há tantos anos na emissora”, e ainda que “continua na torcida para um acordo entre as duas empresas mexicanas o mais rapidamente possível e, se isso acontecer, teremos o prazer de informar aos fãs de Chaves, Chapolin e Chespirito imediatamente”.
Segundo o SBT/Alterosa, até essa segunda-feira (10) não havia nenhuma novidade sobre as possibilidades de acordo e retomada das transmissões. O produtor Roberto Gómez Fernández, filho de Bolaños, usou um tom brando em relação ao conflito e otimista sobre sua solução, no Twitter. "Embora estejamos tristes pela decisão, minha família e eu esperamos que Chaves esteja em breve nas telas do mundo. Continuaremos insistindo e estou certo de que conseguiremos", escreveu.
Riqueza Na mesma rede social, sua irmã Graciela Gómez foi menos comedida na referência ao desacordo com a Televisa. "É uma pena que quem mais se beneficiou dos programas de Chaves afirme hoje que não valem mais nada. Aos seus filhos nos deixou sua cultura, seu amor, seu exemplo, seu estilo. Essa riqueza não pode ser quantificada. Os interesses econômicos não estão na família", afirmou.
Florinda Meza, intérprete da personagem Dona Florinda e com quem Roberto Bolaños foi casado, também lamentou a situação e colocou mais lenha na fogueira. “O que eu acho da suspensão da transmissão de Chaves? Embora eu não tenha nada a ver (com a decisão), porque, inexplicavelmente, não fui convocada para as negociações, acho que, justo agora, quando o mundo mais precisa de diversão, fazer isso é uma agressão às pessoas", escreveu no Twitter.
Ela argumentou: “Além disso, vai contra seus próprios interesses comerciais, porque, neste momento, queremos ver tudo que nos faça lembrar de um mundo que foi melhor. Chespirito já é um programa cultuado. É parte do DNA dos latinos, que levamos em nossa memória genética. Pretender eliminá-lo do nada é uma medida pouco inteligente”.
Em entrevista à rádio Formula, do México, o ator Edgar Vivar, o Sr. Barriga do seriado, revelou que o estabelecimento de um prazo de cessão de direitos à Televisa, vencido em 31 de julho, foi uma boa sacada de Roberto Bolaños.
"Não renovaram esses direitos, a Televisa não quis pagar. Não chegaram a um acordo”, disse Vivar. Ele classificou como “visão e inteligência” do ex-colega ter estabelecido um prazo depois do qual os direitos de exibição retornariam à sua família.
Na opinião de Vivar, "isso é bom, porque vai dar a oportunidade para negociar um acordo que já deu muitos milhões de dólares para a Televisa”. Ele também disse: “Eu e grande parte do elenco não vimos grande parte dessa grana”. Segundo a Forbes, Chaves rendeu à Televisa cerca de US$ 1,7 bilhão até 2014, ano da morte de Bolaños.
Na mesma entrevista, Vivar levantou a hipótese de Chaves ser ser hoje um produto demodê para a Televisa, que, por isso, não se dispôs a pagar o valor pedido pelo grupo Chespirito. Contudo, o ator de 71 anos ressalta que a família de Roberto Bolaños pode agora negociar livremente o seriado Chaves e produtos derivados. Ele usou o termo “plataforma global” como uma possibilidade, fazendo pensar em serviços de streaming, como a Netflix.
Chaves chegou a figurar no catálogo da Amazon Prime Video, do qual também foi retirado no último dia 31. No México, especula-se que agora o caminho esteja livre para uma negociação com a Netflix, sob termos mais vantajosos do que o acerto com a Televisa.
Os episódios de Chaves foram gravados entre 1973 e 1980. Um plano dos herdeiros de Roberto Bolaños seria inovar e ampliar esse universo, com novas versões e até mesmo uma plataforma própria.
No ano passado, na Mipcom, um dos principais eventos televisivos do mundo, Roberto Gómez Fernández revelou ter planos de desenvolver o UMC (Universo de Mídia do Chespirito), que reuniria diversas produções, como filmes, animações e novas séries relacionadas aos personagens criados pelo pai.
Sucesso
A trajetória de Chaves na TV brasileira é de uma longevidade rara, especialmente entre as atrações infantis. O grande sucesso de Chaves, que em 2012 superou os Jogos Olímpicos em audiência na TV aberta durante uma tarde, coroa a simplicidade da produção, gravada em um cenário único e com adultos interpretando papéis de crianças – Bolaños como Chaves, Carlos Villagrán como Quico, e María Antonieta de las Nieves como Chiquinha.
O segredo desse sucesso está no humor leve, com piadas e bordões repetitivos, conhecidos até mesmo por quem nunca assistiu a um episódio. A trama é estruturada em uma vila residencial, onde há um menino órfão extremamente atrapalhado, ao mesmo tempo querido e odiado por todos, com outros personagens carismáticos e caricatos, como o mimado Quico e a geniosa Chiquinha.
A linguagem é objetiva, bem dublada e adaptada ao português. Os elementos populares na narrativa são facilmente compreensíveis para gente de toda idade e bem assimilados nos países latino-americanos.
Chaves tem também a vantagem de contar histórias em capítulos independentes, o que dispensa o espectador de seguir uma determinada sequência para compreender a trama. Essa característica foi especialmente importante para manter a audiência do seriado, mesmo com diversas mudanças de horário na grade de programação ao longo das décadas.
Depois da fama
Confira o destino dos principais atores de Chaves
» Roberto Bolaños (Chaves)
Criador do Chaves, aproveitou outras possibilidades do personagem nos programas Chespirito e o Chapolin. Sua família criou o grupo Chespirito para administrar e expandir seu legado. Morreu em 2014, aos 85 anos.
» Carlos Villagrán(Quico)
Após se desentender com Bolaños no fim dos anos 1970, deixou o Chaves para se dedicar à carreira solo com seu personagem, que ele alegava ter criado. Isso foi motivo de disputa judicial com o ex-colega. Com decisão desfavorável, ele só podia usar seu personagem fora do México, e passou décadas fazendo turnês com o Circo do Quico por diversos países. Está atualmente com 76 anos e segue na ativa como ator, mas já aposentou o carismático personagem.
» Florinda Meza (Dona Florinda)
Ainda nos anos 1970, ela e Roberto Bolaños começaram uma relação estável, embora só tenham se casado oficialmente em 2004. Após o fim de Chaves, ela seguiu como parceira artística do companheiro. Chegou a lançar um canal no YouTube há três anos, dedicado à personagem La Chimoltrufia, que pertencia ao programa Los Caquitos, também criado por Bolaños. Está com 67 anos.
» María Antonieta de las Nieves (Chiquinha)
Embora tenha seguido com Bolaños após o fim de Chaves, atuando no programa Chespirito, também se desentendeu com ele nos anos 1990. Assim como Villagrán, reivindicou a autoria e posse intelectual de sua personagem. Ganhou a disputa e pôde fazer várias turnês solo, inclusive pelo México. Na série animada do Chaves, lançada em 2006, Chiquinha não foi incluída por essa razão, o que motivou problemas também com Roberto Fernández, filho de Bolaños. Atualmente com 69 anos, ela coleciona vários papéis na TV e no cinema, como atriz e dubladora. Em 2019, ainda estava em uma turnê anunciada como “de despedida” de Chiquinha.
» Édgar Vivar (Sr. Barriga/Nhonho)
Permaneceu com Roberto Gómez Bolaños até o fim do programa Chespirito, em 1995, e conciliou outros trabalhos na carreira. Atualmente, tem 71 anos e uma relação destacada de admiração pelo Brasil, onde costuma vir com frequência.
» Ramón Valdés (Seu Madruga)
Ele também deixou o Chaves no fim dos anos 1970, mas não chegou a romper totalmente com Bolaños, retornando para outras colaborações no Chapolin e no Chespirito. Morreu em 1988, aos 64 anos.
» Rubén Aguirre (Professor Girafales)
Permaneceu com Roberto Bolaños até o fim do programa Chespirito, em 1995. Morreu em 2016, aos 86 anos.