Com a pandemia, a atriz Fernanda Torres viu a estreia da peça com o diretor Felipe Hirsch, inspirada em Adão e Eva no paraíso, de Eça de Queiroz, ser adiada e as gravações da série Fim, baseada em seu livro, suspensas. Enquanto não for possível retomá-los, os projetos presenciais foram substituídos pelas produções do confinamento. Além de interpretar uma terapeuta na série Diário de um confinado (Globoplay), ela gravou com a mãe, Fernanda Montenegro, e sob direção do marido, Andrucha Waddington, um dos episódios do seriado Amor e sorte (Globo), no sítio onde estava confinada com a família.

A estreia será em setembro. Também por causa da pandemia, a Globo reexibe Tapas & Beijos, de Claudio Paiva, sitcom protagonizado por ela e Andréa Beltrão, que arrasam como Fátima e Sueli. A reprise vai ao ar às terças-feiras, na faixa das 23h. Nesta entrevista concedida por videoconferência, Fernanda Torres fala da volta de Fátima, de seus novos projetos e da crise mundial.

 

Como vê Fátima e Sueli hoje?

São personagens muito atuais ainda, duas mulheres trabalhadoras. Elas não tiveram filhos, não se casaram. É uma série sobre gente que trabalha, que passa mais tempo no trabalho do que com a própria família. Então, todos os problemas pessoais, as relações afetivas acabam passando pelo trabalho, que é a realidade de grande parte da população brasileira. Fátima e Sueli foram criadas na época da ascensão da classe C. Era uma época em que o Brasil estava empregando muito. O Claudio Paiva falou: hoje elas estariam na fila dos R$ 600. E aquela rua inteira estaria fechada: Djalma Noivas estaria falida, o restaurante do seu Chalita estaria fechado, primeiro porque não temos mais o seu Chalita, infelizmente (o ator Flávio Migliaccio morreu em maio), e depois porque os restaurantes fecharam. A La Conga, a boate, estaria fechada. Talvez só o Armane, com aquela lojinha de produtos chineses, estaria vendendo on-line.

Além de Diário de um confinado, você gravou Amor e sorte, outra série da quarentena.

Foi uma loucura. O diretor Jorge Furtado me ligou e disse que tinha criado uma série para duplas de atores “quarentenados”. O Silvio de Abreu falou: a Nanda está na Serra (Fluminense) com o Andrucha. A gente filmava horas por dia, noturnas. Foi uma experiência incrível com a família.

 

Como será o seu episódio com Fernanda Montenegro?

Foi tudo escrito rápido. Entre o Jorge falar e a gente começar, foram 10 dias. A princípio, ele me chamou para escrever. Eu disse: vai ser esquisito escrever para mim e para minha mãe. Falei: vamos chamar o Antônio Prata. E o Prata, com o Chico Mattoso, desenvolveu algo muito legal, uma espécie de inversão. A mãe que foi jovem nos anos 1960/70, uma mulher que foi livre, e com 90 anos está danada da vida. Era um pouco falar dessa questão da terceira idade que, de repente, tem que ser confinada, tem risco de vida, não pode fazer nada. Aí a gente fez a filha em home office, do mercado financeiro, que atualmente está tendo de demitir pessoas. Essa filha pega o carro, pega a mãe na praia tomando caipirinha, põe no carro e sequestra a mãe para isolá-la no mato. Acaba que a quarentena aproxima as duas.

 

Que lição vai ficar da pandemia?

Lição eu não sei, acho que a pandemia vai interferir no mundo. O negacionismo do Trump talvez custe a ele a eleição. Então, todo esse posicionamento anticiência que a gente viu crescer de maneira tão assombrosa nos últimos anos, terraplanista, fundamentalista, isso talvez sofra um revés por causa da pandemia. Não estou dizendo que o mundo será melhor ou pior, mas o que está acontecendo com o Trump nos EUA diz alguma coisa sobre essa visão anticientífica. Agora, assim que sair uma vacina, rapidamente o mundo voltará a poluir como nunca, a devastar como nunca. Não vejo mudança profunda.