'Rock Brasília - Era de ouro' (2011), de Vladimir Carvalho, estreia na TV

Filme que faz parte de uma trilogia clássica do cineasta terá exibição nesta segunda-feira (1º/6) no Canal Brasil

Lucas Batista* 01/06/2020 07:24
Divulgação
(foto: Divulgação)
Um retrato diferente, com entrevistas exclusivas e imagens repletas de memórias sobre o melhor momento do rock brasiliense. Tudo isso poderá ser acompanhado nesta segunda-feira (1º/6), às 22h, no canal Curta!, com o filme Rock Brasília — Era de ouro (2011), do documentarista Vladimir Carvalho.

O documentário faz parte de uma trilogia realizada pelo cineasta, contando sobre a história, política e cultura da capital federal. “Eu fiz o Conterrâneos velhos de guerra (1991), longa que marcou minha filmografia, que é a história da cidade que não tinha sido contada até ali, a história de quem construiu Brasília com as próprias mãos: os candangos. Depois, fiz o Barra 68 (2000), que é um filme totalmente político, mostrando a invasão da polícia militar e do exército à Universidade de Brasília (UnB). E, por fim, me voltei para a cultura, que foi uma coisa que transpôs as fronteiras de Brasília, ganhou a mídia e foi até a televisão, justamente o Rock Brasília — Era de ouro (2011)”, conta Vladimir em entrevista ao Correio.

O filme retrata a geração de 1980 do rock brasiliense, com as bandas Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude. “Nesse ano, completam 40 anos que essa geração surgiu, são bandas que extrapolaram fronteiras e fizeram o rock de Brasília ser conhecido. Eles surgem justamente quando o Brasil está deixando a ditadura e começando a amadurecer a democracia. É muito interessante porque hoje lutamos para manter a democracia, e, naquela época, eles tinham esse entendimento. Não eram propriamente militantes, mas eram pessoas que sabiam o que estava acontecendo”, declara.

As primeiras filmagens de Rock Brasília foram feitas 23 anos antes de o filme ser divulgado. Tudo se iniciou em um trabalho que Vladimir Carvalho, que também foi professor da UnB, passou para um roteiro sobre o rock na capital para a disciplina de documentário. “Com esse material, tomei um conhecimento mais próximo sobre o movimento que estava acontecendo na cidade.”

No entanto, foi o show da Legião Urbana em 18 de junho de 1988, no Mané Garrincha, que teve papel fundamental para o início das gravações. “O evento foi um marco, porque era o reencontro de Renato Russo com o público de Brasília. Ao mesmo tempo, a plateia queria mostrar que não tinha mais quem segurasse, porque, em 1988, era a afirmação da democracia, eles eram propriamente livres. O show foi muito significativo para a história do rock, pois muitos não concordavam com a postura de Renato, e um cara chega a invadir o palco para pular nas costas e dar uma gravata no cantor. Tudo isso eu filmei e tinha durante esses anos”, relembra Vladimir.

O produtor do filme, Marcus Ligocki, não participou do mesmo show que Vladimir, mas se envolveu com a história após a leitura da biografia Renato Russo — O filho da revolução. “Foi muito especial. Eu e Vladimir nos conhecíamos, e eu tinha admiração por ele. Quando eu terminei de ler a biografia de Renato Russo, logo liguei para Vladimir como primeiro reflexo e propus de fazermos o filme. Ele disse que tinha algumas filmagens em arquivo, que poderiam ser utilizadas em um filme, mas foi só o primeiro contato. Tempos depois, demos início, eu tentava achar parcerias com produtoras, mas que acabavam não dando certo, até que o próprio Vladimir propôs de fazermos juntos o filme. Aceitei e foi muito gratificante”, conta.

Parceria

Ligocki conta que, ao lado de Vladimir, cresceu como profissional, e até participou da primeira parte da edição do filme. “Lembro que precisei aprender a mexer em programas de computador e, no início, fomos apenas eu e Vladimir trancados na ilha de edição. Depois, passamos para o montador, mas esse momento me marcou muito”, recorda.

O trabalho do produtor também é elogiado por Vladimir Carvalho: “Eu fiz esse filme graças ao esforço dele. Nunca tive um filme tão bem produzido como Rock Brasília. Tive recursos para pagar contas da realização do filme, tudo isso por conta do Ligocki. Eu tenho nove e estou fazendo o décimo longa-metragem, mas nenhum deles com uma produção tão bem realizada como essa”, diz o diretor.
Ligocki-Z Entretenimento/Divulgação/D.A Press
Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial, dá entrevista para o cineasta (foto: Ligocki-Z Entretenimento/Divulgação/D.A Press)

Uma produção bem-feita e com histórias tão fortes, traz memórias inusitadas. Ligocki lembra que a entrevista com Briquet de Lemos, pai dos artistas Fê Lemos e Flávio Lemos, do Capital Inicial, que encerra o filme, foi feita durante a final da Copa do Mundo de 2010. “Tínhamos marcado essa entrevista, que acabou sendo muito importante para o filme. Por isso, iniciamos a entrevista bem mais cedo que o jogo, mas ela foi fluindo, Vladimir estava tão envolvido que o jogo rolou. Ao decorrer da conversa, havia fogos na rua por conta da partida, gritos dos vizinhos, mas a entrevista seguiu plenamente, relembra”.
Ana Rayssa/CB/D.A.Press
(foto: Ana Rayssa/CB/D.A.Press)
» Três perguntas / Vladimir Carvalho

Como o senhor avalia o atual cenário do audiovisual de Brasília e do Brasil?
Eu encaro esse momento com muita preocupação e até uma certa angústia. Uma angústia que é de todo um conjunto de pessoas, profissionais e trabalhadores da indústria cinematográfica que está à mercê do desemprego e do desinteresse desse governo. Há muita gente sofrendo, porque foram suspensos praticamente todos os atendimentos. Como exemplo, posso citar a Ancine, que estão quase parada. Hoje, o cinema brasileiro se sustenta justamente porque ele produz recursos para isso. Ele tem uma arrecadação e paga imposto, então, é como se o cinema fosse autossuficiente, ele produz capital e reservas para se autofinanciar. A Ancine é a agência que promove isso, mas está parada, graças a essa guerra que o governo de Bolsonaro faz contra a cultura. Ele enxerga na cultura um bando de esquerdistas e comunistas, é uma visão completamente deformada da realidade, quando, na verdade, o que existe é a cultura brasileira e neste momento, ela padece. Mas nós vamos resistir, já estamos resistindo e vamos sair dessa.

Acredita que se houvesse um investimento maior, teríamos mais produção de qualidade?
Claro. O problema é que isso está estacionado. É muito difícil você manter uma comunidade, como a cinematográfica, com o desemprego e pessoas que estão passando necessidade, porque que não tinham recursos e vivem do salário, quando em atividade. Quando o cinema brasileiro estava organizado, fazendo face ao prestígio que angariou anteriormente, veio essa perseguição e destruição do que estava estabelecido. É claro que, havendo a possibilidade de retomada do processo econômico e financeiro, restabelecendo o fluxo dos projetos que estavam aprovados na Ancine, conquistaríamos tudo de volta com tranquilidade.

Quais os efeitos mais danosos que a pandemia pode trazer para o cinema brasileiro?
Acredito que o principal será a retomada do público que vai ao cinema. É uma coisa que preocupa, porque hoje os exibidores estão pagando um preço altíssimo, por causa das salas fechadas. Os filmes estão passando, como Rock Brasília, na televisão e em recursos digitais, mas as salas estão fechadas e o hábito de ir ao cinema é saudável, as pessoas sentem falta. Assim que passar a pandemia, o mercado exibidor terá que se mostrar mais uma vez e restaurar esse vínculo com o público.

*Estagiário sob a supervisão de Igor Silveira

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