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Coronavírus tirou o sustento dos trabalhadores do setor cultural

O operador de áudio Emerson Silva preocupa-se com colegas arrimo de família - Foto: Acervo pessoal
O cancelamento e o adiamento de shows não afetam apenas as estrelas que brilham no palco. A quarentena imposta pelo coronavírus impõe sacrifícios às equipes do backstage – roadies, iluminadores, técnicos de som, cenógrafos, figurinistas, montadores e carregadores. Vários deles se veem obrigados a recorrer às reservas para sobreviver. Outros passam necessidades, pois não possuem economias.



Roadie há 21 anos, Davidson Souza trabalha com diversas bandas e cantores. Preocupado, revela que jamais enfrentou uma crise como a atual. “Desde o início de março, não tenho trabalho. Somos uma classe literalmente, no limbo, pois não temos como fazer home office”, lamenta.

O pior de tudo, afirma Davidson, é a sensação de impotência. “Consegui reduzir ao máximo as minhas despesas. Segurei a grana que ganhei trabalhando durante o carnaval para tentar sobreviver por um ou dois meses. A maioria de nós, infelizmente, está num perrengue danado.”

O roadie conta que vários colegas não têm o que comer. “O legal é que uma galera disposta a ajudar criou uma campanha no Instagram (@salveagraxa) para arrecadar alimentos. Cestas básicas estão sendo distribuídas para quem precisa”, diz.





CADEIA

Operador de áudio há 36 anos, Emerson Silva trabalha em mesas de som, que também aluga para artistas e eventos. “Formada por empresas e técnicos de som e luz, transportadores, carregadores, montadores de palco e de telões, nossa cadeia produtiva foi muito prejudicada, principalmente a mão de obra dedicada exclusivamente a eventos”, afirma.

De acordo com Emerson, grande parte dos trabalhadores é arrimo de família, com baixo poder aquisitivo e sem reservas financeiras. “Geralmente, eles trabalham por diária, são freelancers e ganham cachê, dependendo de eventos e shows. A maioria não tem carteira assinada”, observa.

O coronavírus, constata, provocou um grave problema social no showbusiness. “Numa previsão otimista, o cenário aponta retorno a partir de junho ou julho. Até lá, o pessoal não tem nenhuma garantia de faturamento pra se manter”, adverte.



Marco Antônio Ratho é roadie desde a década de 1980. “Comecei com uma banda me ensinou a trocar, montar, afinar e guardar instrumentos. Depois de trabalhar com vários grupos, cheguei ao Skank em 1993, com o qual fiquei por 12 anos”, conta.

Ao deixar a banda de Samuel Rosa, Ratho montou a Parceria Produz, que aluga instrumentos, praticáveis e amplificadores, entre outros equipamentos. Paralelamente, continua atuando como roadie. “Com o confinamento, fechamos a empresa por tempo indeterminado. Não estou trabalhando em nada neste momento. Meu sustento vem das economias geradas pela empresa”, revela.


FLUXO

Freddy Mozart iniciou a carreira de ator aos 15 anos, em 1978. Atualmente, é cenógrafo, figurinista, aderecista, diretor, ator e produtor. “Dependemos de público, mas os teatros estão fechados. Poucos em nossa área têm algum fluxo de caixa para se manter durante este período de incerteza. Estou nos palcos há 42 anos, sempre me segurando na corda bamba. Mas agora chegamos ao caos.”

De acordo com ele, 2019 já foi um ano difícil para a classe. “Fizemos dívidas. O que ganhei no início de 2020 pagou as contas do ano passado. Sempre guardamos alguma sobra, mas, de repente, vem algo e fecha as portas. O jeito é esperar. Ainda consigo segurar, mas não sei por quanto tempo.”



Há cinco anos Thiago Félix é técnico de som e iluminação. “Comecei em festas particulares, até chegar ao teatro. Hoje, sou também contra-regras, monto cenários e cuido dos figurinos.”

A quarentena mudou a vida dele. “Estou totalmente parado, vivo com algumas economias. Pelas notícias, vamos ficar assim até o fim de abril. Porém, mesmo que os eventos voltem ao normal, ainda levará algum tempo de adaptação”, pondera.




Ação solidária
e cestas básicas


O coordenador técnico Felipe Amaral está há 21 anos à frente da empresa ZBM Som & Luz. “Coordenei vários eventos, como o Festival Internacional de Teatro (FIT) e o Festival de Arte Negra (FAN). A sorte é que finalizei alguns trabalhos no ano passado e no início deste, como o carnaval de BH. Isso me deu suporte para respirar um pouco. Ainda consigo sobreviver com o que ganhei naqueles eventos”, diz.



As perspectivas são sombrias, pois, de acordo com Felipe, as pessoas não colocam o lazer em primeiro lugar. “Num cenário otimista, se retomarmos as atividades do mercado cultural no fim de junho, ele só vai se reativar uns dois meses depois. Ou seja, no segundo semestre. Por outro lado, teremos o problema do acúmulo de eventos. Como trabalhamos presencialmente, não poderemos estar em dois lugares ao mesmo tempo”, preocupa-se.

Amaral é um dos apoiadores da ação @salveagraxa, voltada para trabalhadores do setor cultural. Como a ZBM fica num galpão, ele guardou espaço para armazenar as cestas básicas arrecadadas pelo projeto. Doações podem ser feitas por meio de conta bancária (077-Inter; agência 001; c/c 1808163-0; Felipe Amaral Praxedes; CPF: 056.253.146-75) ou levando produtos até a ZBM, na Rua Atenas, 30, Bairro Ana Lúcia, perto do Trevo de Sabará.

Para receber as cestas, o interessado deve preencher um formulário, encaminhado a um banco de dados. “A partir dele, definimos quem está trabalhando na área, como roadies, técnicos de som, carregadores, produtores, montadores e cenotécnicos, entre outros, para que consigamos atender a galera que está precisando”, diz Felipe Amaral.

O cantor e compositor Wilson Sideral apoia a iniciativa. “A hora é de vibrar amor e solidariedade, acatando o pedido das autoridades competentes e ficando em casa o máximo que pudermos. Vamos cuidar da família, dos amigos, de produzir, escrever música e, sempre que possível, manter contato com o nosso público com sinceridade e afeto. Vai passar, logo estaremos juntos novamente”, diz.