Você pode não associar o nome à pessoa. Mas se gostou do filme Parasita, vale a pena conferir séries sul-coreanas em que se destacam os atores Sun-kyun Lee, So-dam Park e Jeong-eun Lee – respectivamente, o chefe do milionário clã Park, a caçula trambiqueira da família Kim e a governanta demitida da mansão dos ricaços retratada no premiado filme do diretor Bong Joon-ho.
Em Meu senhor, o ator Sun-kyun Lee, de 44 anos, dá show no papel do engenheiro de meia-idade às voltas com a guerra de poder na empresa onde trabalha, a infidelidade da mulher e a rotina de chefe de família dedicado, mas profundamente infeliz. Com 16 episódios, a série está disponível na plataforma Viki, especializada em produções do Leste Asiático. Legendados em português, todos eles podem ser assistidos gratuitamente.
Assim como Parasita, Meu senhor mostra que há algo de (muito) podre no paraíso capitalista da Coreia do Sul, integrante do famoso time dos Tigres Asiáticos. Na construtora que emprega o engenheiro, a luta por ascensão social é feroz. Posto à prova quando seu nome surge como candidato a diretor, esse gerente de classe média é vítima de armações, telefones grampeados, chantagem e hackers.
Arrimo de família, o protagonista vive dando dinheiro aos irmãos – um executivo falido e um cineasta fracassado, agora fa- xineiros. Funcionário exemplar, chega a vacilar quando lhe entregam um pacote amarelo, sem remetente, com uma fortuna lá dentro. Quase cai na armadilha da propina “plantada” para desmoralizá-lo.
Em sua equipe trabalha Lee Ji An (papel da ótima atriz Ji-eun Lee). Mão de obra temporária, a garota mal consegue alimentar a si própria e à avó inválida. Inteligente, “safa” e à beira da miséria, a moça participa ativamente das armações contra o engenheiro. Lee tem tudo a ver com os Kim proletários de Parasita: mente, manipula, engana para sobreviver. Porém, assim como eles, não é vilã.
Bons atores, Sun-kyun Lee e Ji-eun Lee defendem personagens tocantes em sua tristeza, desalento e resiliência. A dupla tem química. O coroa e a garota formam um casal pra lá de improvável nesta série, que foge à regra dos k-dramas românticos e bobinhos que a Coreia do Sul vem exportando para plataformas de streaming ocidentais como a Netflix.
Meu senhor é inteligente ao usar recursos do melodrama – maldade, culpa, ódio, vingança, amor e redenção – para abordar a complexidade das relações humanas neste mundo competitivo, marcado pelo apartheid social. Com olhar agudo sobre o “lado B” da sociedade sul-coreana, obcecada pelo mito da prosperidade, a série mostra o preço que aquela gente paga para figurar entre as 15 maiores economias do mundo.
No bairro onde vivem a família remediada do engenheiro Park Dong Hoon e a miserável garota do escritório, ex-diretores de banco, ex-empresários e ex-prósperos comerciantes – humilhados e envergonhados – tentam se virar em novos “negócios”, seguindo a cartilha da tão propalada “economia uberizada”.
O fracasso é o grande protagonista desta história. Porém, os laços de solidariedade resistem à degradação das relações pessoais e sociais – seja no divertido bar do bairro, na quadra de futebol ou até mesmo na antessala de uma funerária.
Órfã
Bem diferente de Meu senhor, Cinderela e os quatros cavaleiros (Netflix) é um k-drama “sessão da tarde” sobre uma garota órfã, vítima de sua família disfuncional, que aceita o emprego de tutora de jovens herdeiros para poder pagar a faculdade. Netos de um milionário que destruiu a vida dos próprios filhos, os bonitões resistem à ditadura do avô hiperconservador.
A atriz So-dam Park, a caçula pobretona e trambiqueira de Parasita, faz o papel da “domadora” dos bad boys. Aqui, ela é a boa moça que conquista o coração dos herdeiros – afinal de contas, estamos falando de Cinderela.
“Água com açúcar”, o k-drama revela a hipocrisia das rígidas convenções sociais coreanas, com casamentos acertados entre famílias, jovens obrigados a seguir a profissão determinada pelos pais, garotas sufocadas pelo machismo. A Cinderela da vez vai à luta, é dona do próprio nariz e convence, graças ao talento da carismática So-dam Park.
Coadjuvante de luxo
Sempre coadjuvante, mas atriz de primeiro quilate, Jeong-eun Lee, a governanta de Parasita, é uma espécie de matriarca onipresente nos k-dramas da Netflix. Está em Holo, meu amor, que acabou de estrear no Brasil, Amanhã a gente se vê, Mr. Sunshine – Um raio de sol, Hey ghost, let's fight e Oh my ghost, entre outras produções coreanas.
Em Para sempre Camélia, a atriz, de 50 anos, defende com louvor o papel da mulher que retoma o relacionamento com a filha anos depois de abandoná-la ainda criança. Traumatizada e sem autoestima, a moça é dona de um bar e mãe solteira, humilhada por todo mundo – ganhou dos blogueiros o apelido de “Maria do Bairro coreana”.
A matriarca arrependida de Jeong-eun Lee nada tem de caricatural, como se poderia esperar num melodrama. Misteriosa e praticamente muda, conquista aos poucos a filha e o neto, tornando-se o esteio da família que ela própria destroçou.
Versátil, a governanta de Parasita merece aplausos também por seu trabalho como a xamã maluca de Oh my ghost, encarregada de despachar para o além o espírito de uma garota espevitada, que teima em adiar a passagem e “apronta” no corpo de uma jovem terrivelmente tímida.
Na saga histórica Mr. Sunshine, superprodução passada no século 19, que conta a história da luta dos sul-coreanos contra o domínio japonês, Jeong-eun Lee interpreta, com a habitual competência, a serva fiel empregada de uma jovem da elite que se torna líder dos rebeldes.