Convidado para interpretar na TV o ex-pugilista baiano Luis Cláudio Freitas, o ator Rômulo Braga, de 42 anos, brasiliense radicado em Belo Horizonte desde os 16, correu para a internet. Queria encontrar o máximo de material sobre as lutas do antigo boxeador. “Não achei quase nada, só uma luta dele no YouTube, vídeo a que assisti 1 milhão de vezes. Nunca quis imitá-lo, mas entendê-lo.”
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'Passei até a ir pra boate gay', diz Popó sobre relação com filhoPopó promete a filho gay que subirá ao ringue com música de Pabllo VittarRúbia e o palhaço Popó abrem série especial de férias no TVX Novela global recorre à literatura para dar densidade a personagensA estratégia surtiu efeito. Durante as filmagens, em Salvador, a mulher e a filha assistiram a Braga em cena. “Ele parece com painho mesmo”, foi o que o ator ouviu da menina. Para ele, Luis Cláudio, hoje com 52 anos, é uma pessoa como “80% da população brasileira: tem talento, mas pouca oportunidade”.
Para o público leigo, Luis Claúdio é apenas uma nota de rodapé na biografia de seu irmão mais novo e mais famoso, Acelino “Popó” Freitas, de 44, tetracampeão mundial em duas categorias (pesos leves e superpenas) de boxe.
A partir deste domingo (20), a trajetória dos baianos terá igual peso. Irmãos Freitas, série em oito episódios que estreia nesta noite no canal Space, vai explorar a relação de amor e rivalidade entre dois irmãos da periferia soteropolitana que tentam mudar de vida por meio dos ringues.
Para além do nome de Popó (interpretado na série pelo ator Daniel Rocha, que teve destaque nas novelas Avenida Brasil e Império), chama a atenção na produção o time de cinema que compõe os créditos. Irmãos Freitas é um sonho antigo do cineasta Walter Salles (Central do Brasil, Terra estrangeira), que, além de criador, é o supervisor artístico da trama.
A direção é de Sérgio Machado (Cidade baixa, Onde a terra acaba), que assina também como cocriador, e Aly Muritiba (Para a minha amada morta). A produção é da Gullane Filmes (O ano em que meus pais saíram de férias, Bingo, Que horas ela volta?). A Videofilmes, dos irmãos Walter e João Moreira Salles, é coprodutora, ao lado do Space.
“Irmãos Freitas é uma história universal. Trata da relação de dois irmãos com um tom meio de tragédia grega, já que eles disputam o amor da mãe. É uma história que fala de desigualdade social, sobrevivência. E para quem é muito fodido, a única chance que existe é se juntar com o outro. Na minha cabeça, ela traz uma mensagem para o que estamos vivendo hoje. Além do mais, a série transcende a questão do boxe”, afirma Sérgio Machado.
O episódio de estreia tem início em 1999, em Cannes, no Sul da França, quando Popó se prepara para tentar seu primeiro título mundial. Deste momento, ela retrocede dois anos. Em Salvador, assistimos a um dos Freitas arrebentando nos ringues. No caso, Luis – Popó é um mero espectador.
Naquele período, o filho mais velho era visto como a salvação da família Freitas. Miserável, o casal Niljalma (Seu Babinha, papel de Cláudio Jaborandy, bêbado e jogador inveterado) e Zuleica (Edvana Carvalho, faxineira que vive um casamento desastroso e busca criar os filhos da melhor maneira possível) vive em um barraco na capital baiana.
EMPREGO
Luis, figura em ascensão no boxe local, deverá tirá-los daquela situação. Analfabeto e esquentado, ele não vê com bons olhos a vontade que o irmão mais novo tem de segui-lo. Popó estudou, então deve tentar trabalhar em um emprego normal. Boxe é para quem não tem nada, o irmão mais velho diz. Só que o garoto, que tem gana, mas ainda pouca técnica do esporte, acha que também deve lutar. Ainda no primeiro episódio, os dois Freitas vão fazer sua primeira luta internacional, em Miami.
A vontade de levar à tela a trajetória de Popó surgiu há pouco mais de 20 anos. Assistente de direção de Central do Brasil (1998), Sérgio Machado lembra que a primeira conversa sobre o assunto foi levantada por Walter Salles ainda na segunda metade dos anos 1990. “Na época em que o Popó estava surgindo, lembro do Waltinho falando que ele daria um filme incrível”, comenta Machado. A vontade ficou pairando no ar – de tempos em tempos, os dois falavam sobre o assunto.
Definido o formato, a ideia era que Salles e Machado dividissem a direção, o que não ocorreu por causa de um problema de saúde do primeiro. Para seu lugar foi chamado Aly Muritiba, cineasta baiano como Machado e que, assim como ele, deixou há muitos anos o estado natal. “O Waltinho teve um papel fundamental, principalmente na parte final, quando eu saí para rodar um longa, e ele ocupou meu lugar na montagem”, diz Sérgio Machado.
Desde o início do processo a equipe deixou claro para Popó que a série era uma ficção baseada na vida dele. “Ele cedeu todo o material que tinha, mas não participou da criação, não aprovou nada. Noventa por cento do que está na série é fruto de pesquisa, mas tivemos liberdades dramáticas”, afirma o diretor.
Irmãos Freitas foi inteiramente gravada em locações (sem estúdio) em São Paulo, Bahia, Cannes, Liverpool, Miami e Cidade do México. “Uma coisa que o Waltinho insistiu foi em levar a qualidade do cinema para a série”, diz Machado.
Para que isso fosse possível, Machado e Muritiba trabalharam com duas equipes em paralelo, e não separadamente, como é comum na produção de séries. Os dois diretores dirigiram todos os episódios, para que eles ficassem homogêneos. “A gente ia junto para o set, um filmava de um lado e o outro, de outro.”
Machado lança Irmãos Freitas depois de dirigir um documentário sobre pugilismo – A luta do século (2016). “Todo o mundo filmou boxe: Scorsese, Hitchcock, John Ford. Ao contrário do futebol, o boxe filmado é sempre melhor do que o real. Acho que é porque é um esporte em que você está sozinho, com um adversário que é concreto.”
“Foi um presente que caiu do céu”
Rômulo Braga vai acompanhar a estreia de Irmãos Freitas de longe. Ele está no interior da Bahia, rodando um filme. Cria do teatro – atuou em espetáculos dos grupos Intervalo, Cia. Lúdica dos Atores, Luna Lunera e Pigmalião, todos de BH – o ator estreou no cinema com Mutum (2007), de Sandra Kogut.
Desde então, somou uma série de papéis – filmes como Elon não acredita na morte (2016, de Ricardo Alves Jr., em papel que lhe valeu o prêmio de melhor ator no Festival de Brasília), Joaquim (2017, de Marcelo Gomes) e o ainda inédito Carcereiros (José Eduardo Belmonte).
Sérgio Machado testou inúmeros atores para o papel de Popó. Mas para o de Luis, ainda na fase de roteiro já tinha o nome de Braga na cabeça. “Foi um presente que caiu do céu”, comenta o ator, que há dois anos recebeu um telefonema do diretor. “A gente nunca tinha se falado direito quando ele me ligou com o convite.”
Braga fez uma preparação grande para interpretar Luis – ao contrário de Daniel Rocha, que luta boxe e kickboxing, nunca teve intimidade com as luvas. Foram dois meses fazendo aulas diárias de boxe. “Só conheci o Luis no final do processo, pois eu queria apenas me inspirar na história dele. Afinal de contas, a série é uma ficção.”
A experiência foi gratificante, ainda que Braga tenha saído muito cansado do processo. “É um papel diferente, primeiro porque tem uma fisicalidade a que eu não estava habituado. Além de ter que lidar com o boxe, o Luis é um personagem extremamente contraditório, cheio de nuances.” Depois dessa experiência, Braga voltou a trabalhar com Machado.
O cineasta o dirigiu em seu novo longa. Realizadas em Itacoatiara, no Amazonas, as filmagens de O adeus do comandante terminaram em agosto. No filme, três irmãos – papéis de Braga, Daniel de Oliveira e Gabriel Leone – se apaixonam pela mesma mulher – personagem de Sophie Charlotte. A história é inspirada no conto homônimo do livro A cidade ilhada (2009), de Milton Hatoum. O autor amazonense colaborou com Machado na confecção do roteiro do longa.