Nossas crianças usarão hologramas de emojis no rosto, os adolescentes tentarão se transformar em máquinas e adultos vão recorrer a robôs na hora do sexo. Antes de morrer, faremos download dos nossos cérebros e ficaremos na nuvem. Depois de mortos, teremos nossos corpos dissolvidos em água.
O ciclo da vida no futuro próximo mostrado na série Years and years, exibida pela HBO, é excitante e aterrorizante. Entre 2019 e 2034, a família Lyons – quatro irmãos, avó e agregados –, moradora de Manchester, na Inglaterra, vê robôs roubarem seus empregos, comidas produzidas por bactérias e doenças serem diagnosticadas a distância, com um prosaico escaneamento da íris.
Ao mesmo tempo, mãos viram celulares após o implante de nanochips de conexão nos dedos e corpos se transformam em máquinas de altíssima performance, com direito a conexão à internet e acesso a dados sigilosos quase que pela força do pensamento.
Tudo ficção? Mais ou menos. Especialistas em diversas áreas esclarecem a seguir o podemos esperar do futuro, tendo em conta essa invenção saída da mente de Russell T. Davies, o criador da série. A resposta surpreende. "Nada é impossível. Se alguém da raça humana pensou algo, alguém da raça humana pode executar", diz Walter Carnielli, professor do Centro de Lógica da Unicamp.
Junto à alta tecnologia, o mundo de Years and years enfrenta catástrofes ambientais – faltam bananas e as borboletas estão extintas –, acompanha atônito uma guerra nuclear entre China e EUA e segue uma crise de imigrantes.
Ainda há a ascensão de governos populistas ao redor do planeta, que defendem o fechamento de bairros com altos índices de criminalidade, discriminam minorias e querem que o direito ao voto seja concedido somente aos cidadãos "inteligentes". A primeira temporada completa está disponível no serviço de streaming HBO Go. Uma continuação não está descartada. (Agência Estado)
MÁQUINA HUMANA
A personagem Bethany convoca os pais para uma conversa séria: quer virar trans. Eles ensaiam um discurso de aceitação aos transgêneros, e a menina de 15 anos se impacienta. Não é nada disso, ela quer ser transumana, virar máquina, viver na "eternidade digital". Mais tarde, a mesma garota implanta um celular nos dedos. Basta um estalo e ela pode atender uma ligação. "Isso não é impossível em um futuro próximo", afirma Walter Carnielli, professor do Centro de Lógica da Unicamp. "Temos energia elétrica no corpo. Por que não usar essa energia com nanochips ligados ao batimento cardíaco, ao cérebro ou aos dedos?", diz. Esse caminho já começou a ser desbravado por cientistas das universidades Harvard e Surrey. Eles fabricaram nanossondas para medir a corrente elétrica que corre dentro dos neurônios. Isso, de acordo com artigo dos pesquisadores publicado em julho na revista Nature, pode ser um grande passo para a provável "interseção entre humanos e máquinas".
CARROS AUTOGUIADOS
Com gigantes da tecnologia como Google, Tesla e Uber de olho neles,
os carros autônomos são quase uma realidade. Mas, desde que um deles atropelou e matou um pedestre durante testes nos EUA, ainda há muita discussão sobre a tecnologia pela frente. "Há questões legais que precisam ser resolvidas", afirma Fernando Osório, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP. Para ele, poderemos ver os primeiros carros autônomos nas ruas em 10 anos, mas tudo vai depender das leis – no Brasil não é possível nem fazer testes nas ruas – e da aceitação dos usuários. "Se já foi complicado com os aplicativos de mobilidade, imagina a aceitação dos carros autônomos", diz. O professor faz ainda um alerta: os veículos não devem rodar sozinhos, precisam de um motorista capaz de tomar decisões ao volante. "Como acontece com um avião, que sempre tem um piloto por perto."
COMIDA ARTIFICIAL
"Essa é a comida do futuro, feita de água eletrificada, que produz hidrogênio, que alimenta bactérias, que produzem a comida"
A complicada equação dá vida, na série Years and years, a um risoto de cara bem pouco amistosa, que comeremos por volta de 2030. Será? Para a professora Priscilla Efraim, da Unicamp, é difícil saber com certeza. Mas não se trata da ideia mais maluca do mundo. "Hoje já temos alimentos produzidos biotecnologicamente, envolvendo microorganismos", afirma. A especialista, no entanto, acredita que o futuro "pé no chão" está nas pesquisas relativas a novas fontes proteicas produzidas de vegetais, como os hambúrgueres que começam a ganhar as geladeiras dos supermercados. "A carne cultivada em laboratório também vem ganhando espaço", diz ela, que vê ainda a popularização da produção em "fazendas urbanas", altamente tecnológicas e que dispensam o uso de agrotóxicos.
CREMAÇÃO LÍQUIDA
Está certo que é uma realidade muito pouco conhecida, mas já há empresas nos Estados Unidos oferecendo a hidrólise alcalina de corpos, o nome oficial da cremação líquida. Caso da Bradshaw Celebration of Life Centers, funerária com várias filiais no estado de Minnesota.
O processo é oferecido no site da empresa como uma alternativa ecológica à cremação tradicional, com preços que começam em US$ 2,4 mil (cerca de R$ 10 mil). A coisa toda usa água e hidróxido de potássio para reduzir o corpo a apenas ossos, que são transformados em pó e entregues aos familiares. Estima-se que pelo menos mais uma dúzia de empresas no mundo ofereçam a alternativa. A compostagem dos mortos – autorizada no Estado de Washington (EUA) – e a criomação, que é o congelamento dos corpos em nitrogênio líquido, são outras propostas que poderão ser usadas para os mortos do futuro.
Quem viver verá.
A VIDA É UM SOPRO
Por volta de 2030, falsificadores de passaporte e outros documentos terão algumas dificuldades adicionais. Eles precisarão driblar a tecnologia de identificação pessoal, que poderá ser feita por meio do... sopro! Apesar de totalmente plausível, a novidade não deve, no entanto, ganhar o espaço de tecnologias avançadas que temos hoje em dia, como a identificação facial.
"O sopro de uma pessoa tem, sim, componentes químicos que podem ser usados para identificação", afirma Antonio Mugica, CEO da Smartmatic, empresa que desenvolve soluções tecnológicas para processos eleitorais, como a votação por biometria. No entanto, segundo ele, como a identificação facial está muito avançada e tem probabilidadede acerto na casa dos 99%, dificilmente deve ser substituída.
Por enquanto. "Difícil imaginar que seria mais conveniente. Mas a identificação pelo sopro pode ser usada para diagnosticar doenças, por exemplo", diz.
SEXO ROBOTIZADO
Tratado em filmes e livros, o sexo com robôs é visto quase como uma inevitabilidade do futuro, ao lado da degradação do meio ambiente e do aumento dos impostos. Já há empresas, como a Abyss Creations e a Realbotix, dedicadas a fabricar bonecas eróticas (sex dolls). E, claro, interessados em comprá-las – os chamados digissexuais, considerados uma nova categoria de orientação sexual. Para o professor Walter Carnielli, do Centro de Lógica da Unicamp, a popularização desse tipo de relacionamento não é implausível.
"É uma coisa mental, nada impossível de acontecer, como naquele filme Ela (no qual o personagem de Joaquin Phoenix se apaixona pela voz do sistema operacional de seu computador)", diz. Mesmo no futuro de Years and years, porém, esse tipo de relacionamento ainda é visto com estranheza e motivo para uma paquera não seguir adiante. Conclusão: pode ser que demore, mas deve acontecer.
DIAGNÓSTICO DIGITAL
Hipocondríacos de todo o mundo, tremei. Pode ser que no futuro o diagnóstico de doenças seja feito pela internet, após o escaneamento da íris do paciente. Para Antonio Mugica, da Smartmatic, não há dúvidas de que isso acontecerá. "Atualmente, a tecnologia para a verificação eficaz e confiável da íris em dispositivos inteligentes está em sua ‘infância’, mas esperamos desenvolvimentos rápidos nessa área em um futuro próximo", diz. Será possível ainda que um simples exame de sangue traga estampada a nossa expectativa de vida. Essa possibilidade, no entanto, é um pouco mais difícil. "Conseguimos boa performance para predizer o risco de óbito de idosos, mas precisamos de outras informações sobre a vida dele, não só o sangue", afirma Alexandre Chiavegatto Filho, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, que completa: "A questão também é saber qual a qualidade dessa previsão e se a margem de erro é aceitável. Uma margem de erro de 20 anos certamente não é."
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