Belo Horizonte é cenário de série oitentista do Canal Brasil

Com trama centrada nos bastidores da indústria fonográfica no Brasil dos anos 1980, a série 'Hit parade', escrita por André Barcinski e dirigida por Marcelo Caetano, tem gravações na capital mineira

por Ana Clara Brant 01/09/2019 10:20

Túlio Santos/EM/D.A Press
Os atores Odilon Esteves, Robert Frank, Nash Laila, Tulio Starling e o diretor Marcelo Caetano, em set de 'Hit parade' em BH (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)

Os estúdios Bemol e Acústico, a boate do PIC, a Casa Cultural Matriz, um casarão no Mangabeiras, uma residência na Serra, um sítio em Rio Acima e a TV Alterosa. Todos esses lugares de Belo Horizonte e região metropolitana se transformaram em cenários de Hit parade, série escrita pelo jornalista e roteirista André Barcinski e produzida pelo Canal Brasil, em parceria com a empresa paulista Kuarup. Autor de Pavões misteriosos, livro sobre a explosão da música pop entre 1974 e 1983, Barcinski foca a trama nesse universo.

As filmagens começaram no fim de julho e vão até o final deste mês. “Trazer um trabalho grande como esse para a nossa cidade é um estímulo, um fomento e um respiro, ainda mais num ano sem muitas expectativas para o audiovisual brasileiro”, diz a produtora-executiva Marcella Jacques.
 
Com carta branca para selecionar os profissionais, Marcella privilegiou gente daqui. “A grande maioria, não só do elenco, como também os técnicos, é de BH. Tem uma ou outra pessoa de fora”, conta.

Mineiro radicado em São Paulo desde 2002, foi o diretor Marcelo Caetano (Corpo elétrico) quem teve a ideia de trazer as filmagens para a capital mineira. Inicialmente, o roteiro era ambientado no Rio e, posteriormente, em São Paulo. Foi então que o cineasta sugeriu que a história se passasse numa metrópole não definida nos anos 1980.
 
“Por que não BH? E eles toparam. Não estou trabalhando a neutralização do sotaque, não vou esconder que é Belo Horizonte, mas não tem por quê a cidade em si ser uma questão”, comenta.

Até aqui, a carreira de Marcelo Caetano se deu em São Paulo e no Recife, mas ele sempre quis trabalhar em sua terra natal. “Morei aqui desde que nasci (em 1982) até 2002. Rodar na minha cidade tem muito a ver com uma questão afetiva, de estar próximo da minha família, e também com o interesse grande de trabalhar com atores mineiros.
 
Também faço produção de elenco e, sempre que posso, incluo algum ator mineiro nos filmes, como foi o caso da Bárbara Colen (Aquarius e Bacurau) e de Carlos Francisco (Bacurau)”, afirma. Nesse primeiro mês de filmagens em BH, o diretor tem percebido as diferenças de estilo de trabalho entre os mineiros e os paulistas.
 
“Comprovei uma intuição que tinha. Aqui são pessoas com um ritmo muito mais interessante. Um trabalho mais respeitoso, um clima bom. A gente consegue ao mesmo tempo se divertir e trabalhar. Muitas vezes, quando se está trabalhando em São Paulo, o envolvimento de uma parte da equipe técnica vai até um determinado ponto. Aqui, as pessoas são formadas dentro de uma estrutura de cinema muito horizontal, colaborativa. Todo mundo quer saber o que está sendo feito, quer criar, participar”, diz.

Com oito episódios de 45 minutos cada e ainda sem data de estreia definida, Hit parade tem um pé na comédia e outro no drama, centrado no conflito entre dois produtores musicais – Simão (Tulio Starling) e Missiê Jack (Robert Frank). Simão é um cantor idealista e talentoso, que enfrenta muitos desafios para se estabelecer no mercado fonográfico.

 

Ele é convidado por Missiê para criar uma composição para um cantor kitsch e vê sua criação estourar nas paradas musicais. Missiê ganha muito dinheiro com o sucesso, mas Simão não recebe nem os créditos. Humilhado, ele cria sua própria gravadora junto com sua companheira, Lídia (Bárbara Colen) para enfrentar o ex-colega e seus métodos antiéticos.


Entre personagens fixos e participações, a série terá 80 atores. Marcelo Caetano conta que convidou alguns profissionais, como os intérpretes dos protagonistas, mas coube ao diretor Ricardo Alves Jr. fazer todo o processo de seleção de elenco.
 
“Ele testou muita gente, fez um mapeamento da galera jovem de BH e por isso contamos com atores iniciantes, mas também com gente experiente que veio do teatro, como Odilon Esteves, Rodolfo Vaz e Eduardo Moreira.”

Para fazer seu papel, Bárbara Colen diz que mergulhou fundo na pesquisa sobre essa época, que ela considera emblemática. “A gente se reunia na casa do Marcelo em São Paulo para ver filmes, ler livros, debater o roteiro. Foi um trabalho intenso de ensaio e preparação, que durou dois meses, mas foi fundamental para a construção da personagem”, diz a atriz que está em cartaz nos cinemas com dois filmes (Bacurau e No coração do mundo) e vai ser vista em breve no Globoplay na série Onde está meu coração

Bárbara comemora a possibilidade de atuar em uma produção de alcance nacional feita no “quintal de casa” e, sobretudo, abordando uma época de tanta efervescência e liberdade. “Estranhamente, estamos numa onda muito conservadora em pleno 2019. E os anos 1980 foram um momento de muita libertação. Estávamos saindo da ditadura, e as pessoas tinham essa vontade de vida, de explodir.Trazer uma série agora com essa vitalidade e irreverência dos anos 1980 é importantíssimo”, avalia.

Odilon Esteves interpreta Lobinho, um apresentador de programa de auditório inspirado em figuras como Gugu, Bolinha e Chacrinha. O personagem fica tão imerso no trabalho que deixa de lado a vida pessoal. “Ele está muito envolvido com a indústria da música dos anos 1980 e ama a profissão. Tem uma sexualidade não muito bem resolvida e por ser bem popular em todo o Brasil, acaba não expondo realmente o que é. É o preço que paga para ser famoso, mas Lobinho acha que vale a pena”, afirma o ator.

Odilon já atuou em outras produções de projeção nacional rodadas em BH, como o longa Batismo de sangue, de Helvécio Ratton, e estima que a capital mineira tem todas as condições para abrigar esse tipo de iniciativa.
 
“A gente tem uma diversidade imensa de locações e, pelo fato de ser menor que Rio e São Paulo, os deslocamentos são mais fáceis. É muito importante essa decentralização. Isso gera movimento e prova que é possível produzir com qualidade usando os recursos que BH oferece.”

Intérprete de Missiê Jack, o antagonista da história, o ator Robert Frank se interessou pela trama e pela complexidade de seu papel, sobretudo porque também é músico. Robert é vocalista da Diplomattas, banda que surgiu durante o processo de criação da trilha sonora do filme No coração do mundo, dirigido por Gabriel Martins e Maurílio Martins.
 
“De uma forma simplista, ele poderia ser classificado como um vilão. Mas é um personagem bem mais complexo. Com defeitos e qualidades, assim como todo ser humano. Esse universo tem essas figuras um pouco controversas, que não medem muito as atitudes para conseguir o que querem. Construir esse personagem tem sido um desafio, mas muito enriquecedor também”, diz o ator, que faz com esse personagem seu primeiro trabalho para a TV.

 

A primeira imagem dos anos 1980 que vem à cabeça do ator Tulio Starling são as roupas e os cabelos daquela época. Nascido em 1990, ele não viveu aquele período, mas diz que certamente foi influenciado pelos ícones – sobretudo os da música – da chamada década perdida.


Natural de Belo Horizonte, mas desde os 15 morando fora (em Brasília ou São Paulo, onde reside atualmente), Tulio está de volta à sua terra natal desde julho, na pele de Simão, um dos protagonistas da série Hit parade. “Está sendo muito bacana esse resgate com minha cidade. A série dialoga com o passado, com as memórias, e eu também dialogando com as minhas memórias por meio desse trabalho”, diz.

Tulio tem gostado da experiência de trabalhar com Marcelo Caetano, um diretor que, segundo ele, preza mito pela criatividade e foca no ator. “Em BH eu fiz teatro só na escola. Minha formação teatral se deu principalmente em Brasília, onde me formei na UnB e trabalhei com diretores importantes, como Hugo Rodas. Esse retorno é uma oportunidade de vivência teatral nas minhas origens”, diz ele, que há dois anos e meio integra o Teatro Oficina, de São Paulo, onde participou das novas montagens de Roda viva e O rei da vela sob a direção de José Celso Martinez Corrêa.

Como parte do elenco do longa Faroeste caboclo (2013), o ator foi aos anos 1980 na ficção. A nova imersão nessa época e em seu personagem tem sido uma experiência rica para Túlio. “Ele é um músico idealista,  que não tem muito êxito e decide enveredar para um caminho, o dos bastidores, e abre uma gravadora. É interessante olhar para aquele momento da história sob a perspectiva de hoje, com o distanciamento que o tempo permite.”

A rotina de trabalho está puxada. Gravações de 12 horas durante 5 dias da semana. Nas folgas, Tulio Starling tem aproveitado para descansar, estudar o texto e encontrar a família. “Tenho muitos amigos aqui, mas, infelizmente não consegui revê-los ainda. Mas vamos tentar achar uma brecha.”

Colega de Túlio no Teatro Oficina, a pernambucana Nash Laila é uma das únicas integrantes do elenco de  Hit parade que não é de Minas. Mas nem por isso sua ligação com o estado deixa de ser intensa. Além de já ter trabalhado com o diretor mineiro Marcelo Caetano anteriormente – em Corpo elétrico e Tatuagem, longa do pernambucano Hilton Lacerda no qual Caetano foi assistente de direção – ela conta que sempre teve o desejo de trabalhar em BH.
 
“Sempre que venho é corrido. É evento, festival. Conheço e me afino muito com os filmes daqui, com os diretores. Estou adorando a experiência dessa imersão mineira”, diz a atriz, que, na conversa com o Estado de Minas até soltou alguns “uai”.

Na série, ela interpreta a cantora e dançarina Natasha, nome artístico da sonhadora Ludmila. Nash Laila, que estreou no cinema como a protagonista do longa Deserto feliz (2007), de Paulo Caldas, canta na vida real.
 
“É uma personagem que exige muito de mim. Fiz muita pesquisa, porque não queria criar algo clichê. E há também uma diferença entre a Ludmila e a Natasha. E isso é bem interessante.” 

 

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