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Rolando Boldrin, o Sr. Brasil, declara seu amor pela cultura popular


Em 2005, Rolando Boldrin foi convidado pela TV Cultura de São Paulo a levar para lá o seu programa de divulgação da cultura regional. Tudo acertado, faltava um detalhe: o nome. "Sempre batizei meus programas, mas a gente não conseguia achar daquela vez. Deixei os diretores e produtores à vontade. Tendo a palavra Brasil ou brasileiro, podia ser qualquer título", conta. A inspiração faltava a todos. Rolando, então, lembrou-se do verso que havia feito para uma campanha publicitária, nunca usado. Procurou o presidente da emissora, Marcos Mendonça, e declamou: "Minha terra é uma grande pessoa/ Meu país é a criança pura, boa, inocente/ É também o sofrido adolescente/ Ou então o jovem combativo e sonhador/ E agora, em tempo novo redivivo/ Eis que meu país se prepara em tom definitivo/ Para ser tratado de Senhor/ Senhor Brasil".
Empolgado, o executivo decidiu: "É isso. Vai ser Sr. Brasil".
 
O amor pelas coisas do país vem de longe. Com apenas 7 anos, Rolando adaptava poemas de Catulo da Paixão Cearense na escola. Aos 11, quando formava uma duplinha caipira com o irmão – Boy (Rolando) e Formiga (Leili) –, que cantava em quermesses e feiras do interior de São Paulo, essa paixão foi praticamente imposta. "Como não havia muitos teatros, a gente se apresentava nos cinemas. Sugerimos exibir um filme antes de a gente cantar.
Mesmo com aquela pouca idade, exigi que passassem um filme nacional. Não queria saber de cinema norte-americano", recorda.
 
No fim de semana, Rolando veio a Belo Horizonte apresentar Vamos matutar ao lado de Saulo Laranjeira, espetáculo que mescla canções, causos e humor. Vir às Gerais é especial para o ator, cantor, compositor e apresentador de 83 anos. Ele é filho – o pai era de Cachoeira Alegre, distrito de Barão de Monte Alto, na Zona da Mata – e neto de mineiros (os avós maternos nasceram no estado). Sem contar que sua terra natal, São Joaquim da Barra (SP), fica perto da divisa com o Triângulo. "Minha cidade tem muita influência de Minas. Meu sotaque é mais parecido com o de vocês do que com o paulista. A coisa que mais gosto é contar causo, algo bem mineiro também", ressalta.
 

 
O começo da trajetória artística se deu no rádio, com o duo formado com o irmão.
Naquela época, ele começou a reparar nos mais variados tipos humanos, sobretudo, do interior. "Sempre fui um grande observador de todos os estilos de gente, do homem simples do interior, e é daí que vem o causo. Muitas pessoas têm ideia errada do que ele significa. Causo não é caso caipirado. A palavra, aliás, até existe no dicionário: é um incidente com desfecho engraçado", explica.
 
Ao longo do tempo, Rolando foi se aprimorando nas "pequenas histórias contadas". Já com a carreira de ator consolidada, decidiu fazer um projeto na televisão para divulgar a cultura brasileira, sobretudo a regional. "Tinha vontade de mostrar que a nossa música ia muito além do samba. A MPB sempre foi focada em sambistas, no morro. Os principais historiadores só falavam disso, mas a nossa cultura é muito mais rica. Quem quebrou um pouco essa história foi o Luiz Gonzaga, quando chegou com sua sanfona do Nordeste e gravou uma moda caipira paulista, Moda da mula preta", afirma.

VIDA
No início dos anos 1980, Boldrin levou sua proposta à TV Globo. "Era o meu projeto de vida.
Vendi a ideia para a Globo sem ela saber exatamente o que era. Costumo brincar que não vendi gato por lebre, mas eles compraram lebre por gato", diverte-se. A emissora queria uma atração voltada para o sertanejo. Sugeriram até o nome Som rural para vinculá-la a outro produto exibido nas manhãs de domingo, o Globo rural. "Bati o pé, disse que não faria programa sertanejo. A gente foi negociando, eles acabaram se rendendo. Em 11 de agosto de 1981, Dia dos Pais, estreou o Som Brasil. Sucesso de crítica e público, um estouro na audiência", lembra.
 
Rolando apresentava, criava o roteiro e produzia. Também impôs suas condições. Mexeu até nos créditos. Substituiu os termos “produzido por”, “editado por” e “dirigido por” pelas expressões interioranas “proseado por”, “arrematado por” e “alinhavado por”.
As gravações não ocorriam no Rio de Janeiro, sede da emissora, mas em São Paulo. Ele próprio escolhia os convidados. "Já estava no contrato, não deixei botarem a mão. Do contrário, iam colocar aqueles artistas da Globo, da gravadora Som Livre, e o programa perderia a essência. Até hoje é assim. Defino quem vai a meu programa. Para você ter ideia, o Sérgio Reis nunca foi e nem vai. Chegamos a ter uma certa rixa por conta disso, mas depois nos aproximamos. Não posso levar um artista vestido de country norte-americano. Não combina com o que faço", explica.
 

 
A postura independente criou animosidades nos bastidores globais. Boldrin quis abandonar a empreitada no primeiro ano, mas foi convencido por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então diretor-geral da emissora, a permanecer por mais um tempo. "Na verdade, não gosto da Globo. Nunca gostei. Nunca tinha feito nada lá, nem novela. Só trabalhei daquela vez – o programa era a minha cara e eles simplesmente botavam no ar. Não me sentia bem lá, pois eles tinham uma certa repulsa à coisa cultural, regional. Em 1984, saí", relembra.
 
Seis meses depois, foi chamado para apresentar seu programa, agora Empório brasileiro, na TV Bandeirantes. A atração mudou outras vezes de canal e de nome, mas manteve a essência. Há 14 anos, está na TV Cultura como Sr. Brasil, contando com belíssimo cenário de Patricia Maia Boldrin, mulher do artista, que divulga o artesanato de diversas regiões do país.
“Nunca me julguei apresentador de nada. Sou um contador de causos, de histórias. Apresentador é outra coisa, um animador. Não apresento ninguém, simplesmente conto um causo do gaúcho e aí entra um músico gaúcho. Conto a historinha do mineiro e aí o artista de Minas se apresenta. A fórmula deu certo, está aí há quase 40 anos", celebra.

ATOR
Apesar de ter registrado 174 canções de vários estilos – "nenhum artista neste país gravou tanto e um repertório tão diverso" –, de ser compositor e de comandar programa na TV, Rolando se define, mesmo, é como ator. "Sou um ator que canta e compõe. Sou um ator que toca viola", frisa. O primeiro papel veio em 1964 em Alma cigana, novela da TV Tupi adaptada por Ivani Ribeiro a partir do original mexicano. Ele atuou em mais de 30 folhetins, como as primeiras versões de O direito de nascer (1964), Mulheres de areia (1973), A viagem (1975) e O profeta (1977), além de Os inocentes (1974), O espantalho (1977) e Cavalo amarelo (1980). Sua última novela foi Os imigrantes (1981).
 
Também trabalhou no teatro, mas foram poucas as incursões na telona. O primeiro filme, Doramundo (1978), de João Batista de Andrade, rendeu-lhe o prêmio de melhor ator concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Vinte anos depois, voltou a trabalhar com Andrade em O tronco, como coronel Pedro Melo, e levou o troféu de melhor ator coadjuvante no Festival de Brasília. Tempos depois, Selton Mello o convidou para uma participação em O palhaço (2011). Rolando não achou interessante o papel, que acabou ficando com Moacyr Franco, mas Selton não desistiu dele.
 

 
 
"Selton disse que era meu fã, que os pais também me adoravam, que gostava muito do Doramundo. Ele já estava trabalhando em O filme da minha vida, e me convenceu ao dizer que criou um personagem exclusivo para mim", comenta. O longa estreou em 2017. Ele fez Giuseppe, um maquinista assim como o Pereira de Doramundo.
 
"A história é baseada no livro do chileno Antonio Skármeta, que, inclusive, faz uma ponta. O símbolo do filme do Selton Mello é o trem, que representa a vida. O maquinista seria o condutor de tudo aquilo. Não tive como recusar. Foi muito tocante", enfatiza.

FUTURO
Rolando Boldrin não para. Ele e o jornalista mineiro Willian Corrêa, um dos autores de sua biografia, planejam um espetáculo que vai relembrar causos e histórias. "A ideia é estarmos eu e o Willian no palco. Queremos viajar pelo país", adianta.
 
Nessas seis décadas de carreira, o maior orgulho de Boldrin é só fazer o que gosta. "Não só como ator e cantor, mas na vida pessoal. A única coisa que fiz contra a minha vontade foi novela mexicana (Alma cigana) e cubana (O direito de nascer). Achava meio absurdo buscar textos fora com tantos autores daqui precisando trabalhar. Pra você ver como sempre valorizei o Brasil e a cultura brasileira", conclui.
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