“Na verdade, participei dos três projetos envolvendo Roque Santeiro. Na peça de teatro O berço do herói (1965), que inspirou as telenovelas e também foi proibida no dia da estreia, eu fazia uma das prostitutas. É muito curioso como a Mina ficou tão presente no imaginário das pessoas e nem considero esse o meu melhor trabalho. Mas a novela foi um sucesso. Tudo era de qualidade”, afirma.
Leia Mais
Thiago Gagliasso é nomeado para Secretaria de Cultura do Rio'Vingadores: Ultimato' é um marco que pode trazer novos heróis ao olimpoRomance sobre feminicídio no interior de Minas vence prêmio literárioApós sair da Globo, Fernando Rocha participa de programa no SBTEnsaios filosóficos sobre era digital encontram um lugar na internetNo lançamento de Ladrão, Djonga transforma o espetáculo em resistênciaNordeste
Os Roni é um novo sitcom do Multishow, com elenco exclusivamente formado por atores nordestinos. A primeira temporada, que vai ao ar até 15 de maio, acompanha as aventuras dos irmãos Roniclayson (Whindersson Nunes), Ronivaldo (Tirullipa) e Roniwelinton (Carlinhos Maia), que saem do Nordeste para tentar a vida na capital paulista. Lá, o trio se abriga na casa do cunhado (Oscar Magrini) e vai contar com a ajuda da avó Santinha (Ilva Niño) para se virar na cidade grande.
Na história, Roniclayson vive flertando com Jennyfer (Gkay), mas não consegue conquistar o coração da vendedora, porque Braguinha, interpretado pelo cantor Falcão, sempre aparece para atrapalhar. O elenco ainda tem Karla Karenina como a espevitada doméstica Severina. “É muito legal ver como o programa está sendo elogiado. Tanto que acredito que possa ter uma segunda temporada.
Ilva conta que, por causa do ritmo acelerado de gravações, durante o período em que os episódios foram feitos ela não se dedicou a mais nenhum projeto. “A gente ia para o Multishow de segunda a sexta, chegava cedo, passava o texto, aí já começavam os ensaios, depois gravava à noite, num teatro, já que o formato mescla TV com palco. É bem distinto da televisão convencional, de novela, onde tem uma preparação e a gente se aprofunda mais no personagem”, compara.
A atriz se diz impressionada com a garotada vinda da internet com quem está contracenando. Ela confessa que, por não ser uma pessoa conectada às novas tecnologias, não conhecia o trabalho dos youtubers Whindersson Nunes, Carlinhos Maia e Gkay. “Nem sabia que existia essa coisa de seguidor, de influenciador digital. Mas estou fascinada com o jeito de essa garotada trabalhar. São muito rápidos, têm tiradas bem inteligentes, o texto na ponta da língua. Sou uma atriz do teatro tradicional. Nem stand up eu fiz.
Respeito
Um aspecto de Os Roni que agrada à Ilva Niño é o fato de dar visibilidade ao Nordeste, sem mostrar a região de uma forma caricata, como costuma ocorrer com a maioria das produções. “O bacana desse programa é que tem gente de vários estados do Nordeste, justamente para mostrar a diversidade de lá. Sou de Pernambuco, Titina é do Rio Grande do Norte, Carlinhos é de Alagoas, Whindersson, do Piauí. Falcão, Tirullipa e a Karla representam o Ceará, e a Gkay, a Paraíba. Olha para você ver que beleza! Cada um desses lugares tem suas peculiaridades. Acho muito importante retratar os nordestinos de uma maneira respeitosa, leve e sem ficar mostrando só o lado ruim, a pobreza, as mazelas.”
O mineiro César Rodrigues, diretor de Os Roni, responsável por sucessos como Vai que cola e o longa Minha mãe é uma peça 2, também merece elogios de Ilva. Os dois também trabalharam juntos no filme estrelado por Paulo Gustavo, além das séries Planeta B (Multishow) e Um menino muito maluquinho (TVE Brasil), exibida em 2006 e baseada na obra de Ziraldo. “É uma lição trabalhar com o Cesinha (como o diretor é chamado entre os amigos).
Foi na época da escola normal (de formação de professoras), em Recife, que Ilva Niño descobriu o teatro. Ela ingressou no universo das artes cênicas pelas mãos de ninguém menos do que o dramaturgo, romancista e poeta Ariano Suassuna (1927-2014), que foi seu professor. “Fiz todas as peças dele, inclusive a primeira montagem de O auto da compadecida, em 1956. Aliás, fui eu quem criou o papel da mulher do padeiro. Ariano foi muito importante para a minha formação”, afirma.
Nesse período, ela começou a fazer parte do Movimento de Cultura Popular, uma sociedade civil sem fins lucrativos, mantida pela Prefeitura do Recife, e, posteriormente, pelo governo do estado de Pernambuco, nas gestões de Miguel Arraes. Os projetos desenvolvidos tinham por objetivo elevar o nível cultural do povo e, assim, conscientizá-lo acerca das opressões que sofria. A iniciativa contou com o apoio de parte significativa da intelectualidade e da classe artística pernambucana, como o próprio Ariano, Abelardo da Hora, Paulo Freire, Francisco Brennand, Ilva e o marido, o ator e diretor Luiz Mendonça, morto em 1995, e pai de seu único filho – o também diretor Luiz Carlos Niño, que faleceu em 2005.
“Foram momentos muito importantes na minha vida e de grande aprendizado”, diz. Com o golpe de 1964, ela e Luiz Mendonça, que eram filiados ao Partido Comunista, tiveram que fugir de Pernambuco e partiram para o Rio de Janeiro. A travessia até a Cidade Maravilhosa foi árdua e durou 18 dias. “A gente não tinha dinheiro direito para comida, para água. Foi bem complicado”, recorda.
O recomeço da vida no Rio também não foi fácil. As coisas começaram a melhorar quando Dias Gomes a convidou para fazer O pagador de promessas no teatro e, logo depois, a atriz estreou na televisão, na novela Verão vermelho (Globo, 1969), também do autor. “O Dias foi muito importante na minha carreira. Ele tinha me visto no Auto da compadecida e gostou do meu trabalho. Tanto que participei das três versões de Roque Santeiro (teatro e TV) e de outras obras dele, não só na telinha (Bandeira 2 e Saramandaia) como nos palcos.”
Com seis décadas de carreira e mais de 30 novelas no currículo, entre elas Cheias de charme, Senhora do destino, Bebê a bordo, Pedra sobre pedra, Terra nostra (que está sendo exibida no Viva) e Suave veneno, Ilva Niño não pretende parar. Além de A rua do sobe e desce, número que desaparece, série de Luiz Carlos Lacerda que deve ser exibida no Canal Brasil, a atriz está rodando um documentário sobre a sua trajetória. O projeto é encabeçado por ex-alunos seus no curso de teatro.
“Pela primeira vez, conheci a minha cidade, Floresta, no interior de Pernambuco, por causa desse trabalho. Saí de lá com 8 meses, e minha família se mudou para Recife. Nunca mais voltei. Foi muito emocionante. Mas não sei ainda quando vão lançar esse documentário”, diz.
Por estar há tantos anos longe de sua terra natal, a atriz teve certo receio de retornar a Pernambuco, em 2017, para encenar uma peça. “Tive medo de não ser bem recebida por causa da minha ligação com o Partido Comunista e de tudo que vivi lá no passado. Fazia mais de 50 anos que eu não encenava no Nordeste. Mas foi cisma minha. O povo e a imprensa me receberam de braços abertos”, conta Ilva, que ainda tem uma irmã moradora do Recife.
Depois de enfrentar dois cânceres, a perda do marido e do filho único, Ilva Niño se considera uma vencedora e tem orgulho de sua trajetória. No entanto, quer diminuir o ritmo. “A idade chega e a agilidade diminui. Mas trabalhar, ainda mais com essa moçada nova dos Roni, é um ótimo exercício para a cabeça. Trocar experiências é sempre positivo. Recebo ainda muitos convites para TV, mas não dou conta mais de uma novela inteira. Tenho feito muitas participações. Tenho muito orgulho de ter vencido na vida, conseguido chegar aonde cheguei e poder ensinar alguma coisa para as pessoas por meio da minha profissão, como atriz ou como professora.”
.