A jornalista e cineasta Susanna Lira cursava pós-graduação em direitos humanos, em 2013, quando ficou sabendo que existia em São Paulo a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). Logo na primeira visita às instalações acanhadas no Centro da cidade, a delegada responsável, Margareth Barreto, lhe apresentou um mapa com 23 grupos organizados de ódio que agiam de forma sistemática nas ruas de São Paulo.
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Seis anos depois, a reportagem visitou o galpão desativado de uma transportadora de valores na Barra Funda, que foi transformado em réplica perfeita da delegacia para as filmagens da terceira (que estreia no segundo semestre) e quarta temporadas da série Rotas do ódio, da Universal TV.
Umas das grandes apostas nacionais do canal, a série, a primeira ficção de Susanna, foi inspirada na norte-americana The Wire, da HBO, que foi criada por um ex-repórter policial e roteirizada por ex-policiais.
Antes de incorporar a delegada Margareth, a atriz Mayana Neiva, que atuou na novela O outro lado do paraíso, da Globo, como Leandra, também fez uma imersão no ambiente visceral da Decradi, que não só acolheu a equipe como deu suporte para a empreitada e ajudou na construção do roteiro.
“Esse debate me interessa como ser humano: descobrir as vozes cada vez mais silenciadas na nossa cultura. A primeira temporada estreou na semana em que Marielle (Franco) morreu, e justamente falava da morte de uma mulher negra na periferia nas mesmas condições de um crime de ódio. (A série) tem uma consonância impressionante com a realidade”, disse a atriz. O fio narrativo é uma organização neonazista, a Falange, que sintetiza as 23 gangues mapeadas na vida real.
ESCRAVIDÃO Na terceira temporada, o grupo continua à frente da trama após ser contratado para manter cidadãos bolivianos trabalhando em condições análogas à escravidão em confecções ilegais em São Paulo. “Eles usam a ideologia do preconceito para ganhar dinheiro. Há um discurso sem vergonha de ser racista e misógino”, afirma.
Na preparação para a terceira temporada, Mayana entrou em contato com o universo subterrâneo do binômio moda e escravidão. “Conheci uma boliviana que trabalhava 12 horas por dia e ganhava R$ 140 por mês. Ia das 6h30 às 23h. A gente não percebe o mercado que está movimentando. Esses temas precisam ser discutidos”, contou a atriz.
Na quarta temporada – que já está sendo gravada, mas ainda não tem previsão de estreia –, a homofobia institucionalizada na vida de muitos imigrantes vai para o centro da investigação. Em países como Nigéria e Angola, é crime ser gay. “Quando essas pessoas migram para o Brasil, eles tentam repelir quando tem algum gay na comunidade. Tentam viver da maneira como viviam lá”, disse Susanna.
A atriz transexual Renata Peron, que é ativista dos direitos LGBT, está no elenco desde a primeira temporada, mas ganhou protagonismo na quarta. A história dela se funde com o roteiro. Ela perdeu um rim antes de buscar ajuda na Decradi da vida real. Em tempo: parte do elenco é formado por atores que são imigrantes.
MUSSUM E DILMA Além de Rotas do ódio, Susanna Lira prepara o lançamento nacional de dois documentários dirigidos por ela. Torre das donzelas mostra relatos inéditos da ex-presidente Dilma Rousseff e de suas ex-companheiras de cela do Presídio Tiradentes em São Paulo, e Mussum – Um filme do cacildis. “Não sou engajada politicamente, mas com minhas inquietações e nas causas que acredito. Tento cutucar as feridas da sociedade. Fazer pensar”, disse Susanna. Torre das donzelas estreia em maio.
Já Mussum – Um filme do cacildis tem lançamento previsto para 4 de abril em circuito nacional. O documentário sobre a vida do humorista e sambista Antonio Carlos Bernardo Gomes mostra o outro lado do personagem escrachado que encarnava um malandro beberrão nos filmes e episódios de Os Trapalhões. (Estadão Conteúdo)
“Não sou engajada politicamente, mas com minhas inquietações e nas causas que acredito. Tento cutucar as feridas da sociedade. Fazer pensar”
Susanna Lira, cineasta e jornalista
Susanna Lira, cineasta e jornalista