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ESTRADA DA VIDA

Séries sobre o cotidiano de pessoas idosas caem no gosto do público

“Eles não podem estar pensando em mim para essa parte”, foi o que pensou Michael Douglas ao ler o roteiro da série O método Kominsky. Até que parou e se olhou no espelho: “Ah sim, entendi”, contou o ator à revista People.

Com seus 74 anos cravados nas rugas profundas que carrega no rosto, Douglas emociona e faz rir como Sandy Kominsky. Personagem-título da série O método Kominsky, uma das melhores produções que a Netflix disponibilizou no apagar das luzes de 2018, ele faz piadas sobre a passagem dos anos com graça e leveza.

Tem a seu lado o maior parceiro que poderia encontrar: Alan Arkin, de 84, outro veterano do primeiro time, que interpreta seu melhor amigo (e agente), o rabugento Norman Newlander.

Criada por Chuck Lorre, que fez fama e dinheiro com a misógina Two and a half men e com a comédia nerd The big bang theory, O método Kominsky está indicado a três Globos de Ouro: melhor ator em comédia (para Douglas), coadjuvante (para Arkin) e melhor série de comédia. Será uma injustiça se sair sem troféus da premiação do próximo domingo.

A produção é como um peixe fora d’água na avalanche de séries com histórias rocambolescas que assolam a TV e as plataformas de streaming. Sensível e delicada, acompanha, em oito episódios curtos, o ator de carreira pífia que se tornou um importante professor de teatro (ensina o tal “método Kominsky” do título) para aspirantes a estrelas na Los Angeles dos dias atuais.

Amor, doença, morte, sexo, dinheiro e questões por que todos passamos ao longo da vida, em que idade for, são o norte da série. O timing da dupla de atores, junto a piadas ácidas e um bom time de apoio – de Nancy Travis, a aluna coroa no time de alunos jovens de Sandy, a Danny DeVito, como um hilário urologista – fazem a narrativa fluir rapidamente (e fazer com que a gente queira mais).



OSCAR

Douglas dedicou boa parte de sua extensa carreira a personagens dúbios – seu grande momento no cinema foi com o tubarão capitalista Gordon Gekko, de Wall Street (1987), que lhe rendeu um Oscar. No auge da popularidade, viveu personagens que se envolveram com mulheres dominadoras. Foi o adúltero que se tornou vítima em Atração fatal (1987); o detetive que se envolveu com a vítima em Instinto selvagem (1992); e a vítima de uma colega de trabalho em Assédio sexual (1994).

Pois foi agora, mostrando fragilidade, que ele conseguiu seu melhor papel em muitos anos.
A velhice não é um terreno fácil para se tratar na seara do entretenimento. Pois O método Kominsky não está sozinho. Duas outras séries, também protagonizadas por septuagenários e octogenários, vêm encantando as audiências.

Em 18 de janeiro, a Netflix lança a quinta temporada de Grace and Frankie, comédia com Jane Fonda, de 81, e Lily Tomlin, de 79. A história tem início quando as duas personagens, que nunca se bicaram muito, têm que se unir quando os respectivos maridos anunciam que vão deixá-las para viver um romance. Faz tanto sucesso que é uma das poucas produções originais da plataforma de streaming a chegar a cinco temporadas.

Com bons diálogos – uma das criadoras é Marta Kauffman, que esteve à frente de Friends –, elenco de peso – Martin Sheen e Sam Waterston são os maridos que se apaixonam –, Grace and Frankie faz mais o gênero comédia rasgada – mas procura fugir dos estereótipos. Até brinquedos sexuais para maiores de 60 estiveram nos episódios.

Mais radical é Transparent, da Amazon Prime Video. Com quatro temporadas, a série sobre uma família judia de Los Angeles que tem sérios problemas de relacionamento começa quando seu protagonista, Mort (Jeffrey Tambor), um senhor de idade, já avô, anuncia para toda a família que se tornou Marta, uma mulher trans.

Uma das primeiras produções de TV a tratar de diversidade de gênero, Transparent é uma dramédia calcada na vida real – a inspiração de sua criadora, Jill Soloway, foi o próprio pai, um psiquiatra, que há alguns anos iniciou sua transição de gênero.

Colecionando bons e importantes prêmios nestes quatro anos (incluindo um Globo de Ouro e dois Emmy ao protagonista), Transparent terá em 2019 sua última temporada.
Pouco se sabe o que virá, já que a produção sofreu um baque. Tambor, 74, caiu em desgraça em Hollywood desde que uma antiga assistente o acusou de assédio sexual. O ator foi demitido da Amazon no início de 2018 – não se sabe, portanto, qual será o mote da nova leva de episódios.

Outras produções, que não são propriamente centradas no envelhecimento, vêm colocando atores veteranos em destaque. Susan Sarandon, de 72, está mais do que sensual nas temporadas mais recentes da série Ray Donovan (HBO), drama centrado em um fixer (um resolvedor de problemas) dos ricos e poderosos.

ELENCO

Interpretando uma influente empresária, Sarandon acabou entrando para o elenco regular da série estrelada por Liev Schreiber – neste ano será lançada a sétima temporada. Outra femme fatale que está saindo de sua zona de conforto é Kim Cattrall. A mais velha das inseparáveis amigas de Sex and the city, hoje com 62 anos, é nada menos do que uma vovó na recém-estreada Tell me a story.

Inédita no Brasil, a produção é ambientada na mesma Nova York que a impagável Samantha Jones devorou. Só que o mote é absolutamente outro. A série subverte os clássicos contos de fadas, dando um tom de thriller contemporâneo.
A primeira temporada, que terminou esta semana nos EUA, uniu três histórias: Os três porquinhos, Chapeuzinho Vermelho e João e Maria. Kim Cattrall interpretou a avó da Chapeuzinho – a personagem clássica de inocente não tem nada; estudante de high school, tem um caso com seu professor.

Bons atores não devem temer a idade, ensina o mestre Michael Caine. Lançado em outubro e ainda inédito no Brasil, seu livro de memórias, Blowing the bloody doors off: And other lessons in life traz, com humor e muita franqueza, grandes momentos do ator britânico, que em março alcança os 86 anos.

“Sei que sou velho, mas não me sinto como tal. Não na minha cabeça, que é o que importa. Continuo jovem me recusando a envelhecer”, escreveu Caine. Para ele, o século 21 fez o envelhecimento entrar na moda. “Em 2012, o filme O exótico Hotel Marigold, uma produção britânica de US$ 10 milhões sobre um grupo de velhos vivendo num hotel na Índia, teve uma bilheteria de US$ 150 milhões. Isto provou que a geração que despontou nos anos 1960 está viva e chutando e quer se ver refletida na tela grande.”

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