Com produção da O2 e direção geral de pai e filho, Fernando e Quico Meirelles, Pico da Neblina, a nova produção nacional da HBO, trata de uma realidade paralela em que a maconha foi legalizada no Brasil. Essa questão, de acordo com os diretores, é uma alegoria para falar de temas atuais do país. “É o mundo contemporâneo, mas numa realidade paralela”, diz Quico.
Pico da Neblina segue Biriba (Luís Navarro), ex-traficante da periferia, na tentativa de se tornar bem-sucedido de forma legal, agora que a droga pode ser comercializada legalmente. Mas ele vai ter de enfrentar preconceitos em relação à sua origem e a concorrência de pessoas experientes no mundo dos negócios. “Nosso protagonista é um jovem negro, falamos muito sobre a questão do racismo. Tentamos criar um retrato fiel”, afirma Quico.
Fernando Meirelles diz que a série assume o ponto de vista de quem convive com o preconceito. “O tema da exclusão está muito presente. Biriba é negro, filho de ex-presidiário. Apesar de competente e sério, precisa se esforçar em dobro para fugir do estigma.”
Para ajudá-los a contar a história, Fernando e Quico resolveram trabalhar com novas caras, atores vindos da periferia de São Paulo. “A premissa da série é ter o maior frescor possível em tudo, em termos de linguagem, comportamento de câmera, narrativa e novos rostos”, explica Quico.
SURPRESA
A produtora O2 realizou uma convocatória on-line e recebeu cerca de 2,6 mil vídeos com testes de filmagens. Após uma longa seleção, 18 atores, todos pouco conhecidos, foram selecionados. O protagonista, Luís Navarro, mandou o seu vídeo, mas não foi chamado. Ao dar carona para o amigo Henrique Santana, escolhido para viver o coprotagonista Salim, Navarro acabou reconhecido pela produção e passou por um teste-surpresa.
“Apesar de ter feito alguns papéis, é o meu primeiro protagonista”, conta. Navarro defende Biriba, a quem se refere como um “herói brasileiro”. “Ele tem ambições, mas não quer ficar milionário. Pretende usar o dinheiro para dar tranquilidade à família”, relata. “Quer sair da vida de crime, na qual entrou por conta do pai. Tudo o que ocorre com ele é bem duro.”
Apesar de retratar um bairro periférico, a produção evitou repetir uma história sobre a violência nas favelas, como no longa Cidade de Deus, do próprio Fernando Meirelles. “É um bairro distante do centro, mas não chega a ser favela. Já vimos muitas vezes aquele filme de policial subindo o morro com arma na mão. A gente não queria fazer isso”, explica Quico.
A primeira temporada de Pico da Neblina terá 10 episódios, com cerca de uma hora de duração. Além de dois episódios comandados por Fernando, a série terá quatro dirigidos por Quico, três por Luis Carone e outro por Rodrigo Pesavento. “Juntos criamos linguagem, comportamento de câmera, dramaturgia”, conclui Quico. A data de estreia ainda não foi anunciada. (Estadão Conteúdo)
três perguntas para...
Fernando Meireles
Cineasta
A história se passa num Brasil em que a maconha foi legalizada...
Muitos países já legalizaram ou toleram o consumo. A descriminalização e posterior legalização estão a caminho, só entraram numa rota mais longa e obstruída. Mas é como as mudanças do clima, inexorável.
Há preocupação com protestos ou boicotes ao seriado?
O fato de haver gente conservadora no poder não fará desaparecer interessados no assunto. Quanto a mobilizações on-line e protestos, que Deus te ouça e faça acontecer. Ser relevante a esse ponto é tudo o que queremos.
A série apresenta cenários possíveis sobre a legalização da maconha no Brasil. Você é a favor dessa legalização?
A série começa quando a lei passou no Congresso, então não discute muito os prós e contras da legalização. Eu não fumo, mas sou favorável a legalizarem. Até onde sei, o dinheiro da venda ilegal de maconha é uma espécie de base na cadeia alimentar do crime. O dinheiro pingadinho e certo mantém a máquina funcionando. Cortar esse recurso ao legalizar a comercialização comprometeria outras operações criminosas. Outro argumento é que hoje ninguém deixa de fumar por ser ilegal. Ou seja, já que legalizar não aumentará consumo, que ao menos o governo ganhe o imposto dessa enorme indústria.