“Não sou o tipo de pessoa que olha pro chão.” A frase é da Marilu, perua vivida por Betty Faria em Infratores, quadro do Fantástico (Globo) sobre responsabilidade no trânsito. É com essa cara de pau que a grisalha condutora, obrigada a frequentar o famigerado curso de reciclagem, após estourar o limite de pontos da carteira de motorista, justifica para a professora da autoescola (Cláudia Jimenez) o fato de não notar as faixas duplas de sinalização nas vias.
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Foi disposta ao diálogo, “pero no mucho”, que a carioca de 78 iniciou a conversa com o Estado de Minas. “Tenho um compromisso dentro de 20 minutos. Você acha que é suficiente?”, indagou, antes do início da conversa. Mas Betty Faria, felizmente, não é do tipo que aciona os freios da língua, e a entrevista durou mais que o dobro do tempo previsto, o suficiente para uma boa volta por diversos assuntos: política (“O candidato vem falar do PIB pra mim? Não quero saber do PIB”), assédio (“‘Mexeu com uma, mexeu com todas’ não, né? Eu não sou igual a todas”), envelhecimento (“Não tenho esse queixume de velha chata”) e internet (“Virou essa doença, né?”).
O bate-papo só derrapa quando o assunto é o ex-marido, o diretor Daniel Filho. “Não falo sobre minha vida familiar”. E fim de papo.
Você costumava ser bem ativa no Twitter. Desde a polêmica suscitada pela foto que postou ao lado de Ciro Gomes em junho, você sumiu. Saiu para sempre da rede?
Aquilo me aborreceu seriamente. Simplesmente tirei uma foto com um político na casa de uns amigos. Não fiz campanha para ele ou para qualquer candidato. Nem poderia, pois meu contrato com a Globo não permite que eu faça isso. Mas a internet virou uma doença, né? Não demorou para começarem a me xingar, inventar mentiras sobre mim, a tentar me desmoralizar. Principalmente os homens. Por fim, invadiram minha conta e começaram a postar pornografia. Então fechei meu perfil. Depois disso, criei um outro, mas só para acompanhar os acontecimentos. Sigo a Globo News, a revista Time, o New York Times. Evito me manifestar ou opinar sobre qualquer coisa. Definitivamente, não sou unanimidade, não sou politicamente correta. E hoje ninguém pode falar mais nada, tá um Fla X Flu danado. Todo mundo tem o direito de discordar ou concordar com o que digo. O problema é que as pessoas não discordam, elas atacam. Quando quero postar qualquer coisa, uso meu instagranzinho. Mas só coloco coisas “bonitinhas”, tipo foto de personagem que interpreto. E só.
Na legenda da fotografia com Ciro, você chegou a escrever “ele é o cara”. O candidato do PDT terá seu voto nessa eleição?
Como te disse, tenho um contrato com a TV Globo que me impede de manifestar apoio político a quem quer que seja. E respeito esse acordo. Mas te digo que só apoiaria alguém que assinasse um projeto, um compromisso de pôr fim a essa guerra que vivemos no Rio de Janeiro. Pelo fim dos tiroteios. Acompanho aquele site “Onde tem tiroteio” no Rio (www.ondetemtiroteio.com.br), e é uma coisa absurda. São muitas crianças assassinadas, até em pátio de colégio. Outro dia, uma senhora tomou uma bala perdida no rosto. Ficou cega. Até agora, ninguém se comprometeu, de verdade, a acabar com isso. Então, me diga, sinceramente: você acha que tem alguém merecendo meu apoio, minha atenção, meu carinho? Os candidatos aparecem para falar de PIB (Produto Interno Bruto). Não quero saber do PIB. Quero saber, primeiro, do fim dessa guerra.
Na internet, seu jeito polêmico e despudorado de dizer o que pensa atraiu haters. E na vida real? A personalidade forte chegou a render inimigos?
Ah, não sei dizer. Também não estou preocupada com isso. Melhor você fazer uma enquete com as pessoas do meu círculo social! (risos)
Poderia perguntar para o diretor Daniel Filho, seu ex-marido, por exemplo? Você foi ouvida para a biografia dele escrita por Regina Zappa que a editora Best Seller planeja lançar em outubro?
Não estou sabendo dessa biografia. Mas tenho certeza de que o Daniel vai falar muito bem de mim. Se eu tivesse sido consultada, diria o mesmo dele. É o avô dos meus netos e um grande amigo. E pronto. Você sabe que sou muito cuidadosa com a minha vida familiar, não gosto de ficar falando muito sobre esse assunto.
Vamos falar então da sua carreira. Você permaneceu mais de 30 anos como artista da Globo, até ser demitida, em 2001. Já ouvi você dizer que foi “um tranco”. Está superado?
Ah, eu estou feliz da vida. Não parei de trabalhar mesmo. Para você ter uma ideia, estou desde janeiro emendando um trabalho no outro. Comecei o ano fazendo um episódio da série Experientes, do Fernando Meirelles. Gravei recentemente uma participação numa série de 10 capítulos maravilhosa, dirigida pelo Manguinha (Carlos Manga Filho), do Ricardo Linhares, baseada no romance do Edney Silvestre. O nome é Se eu fechar os olhos agora. Ano passado fiz (a novela global) A força do querer. Você quer mais o quê? Estou feliz da vida. Adoro meu metiê. E também não tenho esse queixume de velha chata. Não tenho do que me queixar. Sou uma atriz, gosto de interpretar e tenho recebido muitos convites, todos, felizmente, muito adequados para mim. Não tenho a coisa da primeira dama, da diva. Não encarnei esse personagem. Imagina se eu tivesse que fazer protagonistas a essa altura do campeonato. Eu ia trabalhar demais, ficaria muito cansada. Não tenho muita paciência para esse mimimi de ator velho que diz que “não tem trabalho pra mim”. Quando a história tem personagens velhos, os atores velhos vão ter papéis.
Você diria então que está confortável na pele de uma senhora de 78 anos?
Não sou uma pessoa que esconde a idade. Esse assunto só é desagradável para a mulher que diz amém ao machismo e fica querendo parecer jovenzinha. Você não está falando com uma dessas. Fui levando muito bem a vida. Tanto profissional, quanto particular. Tive filhos, netos, então lido com o tempo de uma forma muito normal, muito saudável.
Mas você foi símbolo sexual até os anos 1990, quando fez Tieta, um dos papéis mais significativos de sua carreira. Encarar a maturidade sempre foi uma coisa tranquila?
Quando fiz Tieta eu não era nenhuma jovenzinha, beirava os 50 anos, mas era adequada para o papel. Tive, inclusive, que me preparar para isso. Fisicamente, até. A Tieta não podia ser nem uma menininha, nem uma mulher caída. Trabalhei a cabeça, sabe? Inclusive não entendo essas mulheres que pregam feminismo, mas ficam querendo ser sexies a vida inteira.
Você se identifica como feminista?
Na minha época nem tinha isso aí.
Como você lidava com o assédio?
A gente se virava. Dava um jeito de sobreviver, de sair fora. Ou ceder. Ou saía fora, ou cedia. Felizmente, tenho dignidade para dizer a você que não, eu não cedi. Posso ter feito inimigos, posso ter sido bruta com muita gente, mas me defendi. Essa história de as mulheres irem para o Oscar, todas depois de 10 anos de terem feito o papel, isso não engoli não, sinto muito. Não digo que tudo é oportunismo ou fingimento. Cada caso é um caso também, né? A gente não pode generalizar. Mas acho muito perigoso isso. Acho até patético. ‘Mexeu com uma, mexeu com todas’? Não, né? Eu não sou igual a todas. Outra história muito mal contada pra mim é a dessa moça que denunciou o Zé Mayer. Porque eu conheço ele…. Enfim, não vou falar mais sobre isso. Só acho que, mais eficaz que o discurso, seria uma medida concreta. Política pública mesmo. Por exemplo, a implantação, na educação física das escolas, de aulas de defesa pessoal para as alunas. Deveria ser obrigatório.
"Não sou uma pessoa que esconde a idade. Esse assunto só é desagradável para a mulher que diz amém ao machismo e fica querendo parecer jovenzinha. Você não está falando com uma dessas”
“Não digo que tudo é oportunismo ou fingimento. Cada caso é um caso também, né? A gente não pode generalizar. Mas acho muito perigoso isso (as denúncias de assédio). Acho até patético. ‘Mexeu com uma, mexeu com todas’? Não, né? Eu não sou igual a todas”
“Hoje, ninguém pode falar mais nada, tá um Fla X Flu danado. Todo mundo tem o direito de discordar ou concordar com o que digo. O problema é que as pessoas não discordam, elas atacam”
. Betty Faria, atriz