Antes do lançamento de O mecanismo, uma profecia já era certa. A série da Netflix, a segunda brasileira de ficção desenvolvida pelo serviço de streaming, dividiria o público, tal como a polarização da sociedade brasileira dos últimos anos. Com oito episódios, a produção de José Padilha (Tropa de elite 1 e 2, Narcos) estreou no catálogo na sexta-feira e, desde então, tem sido alvo de boicote de parte dos assinantes que acusa o seriado de criar e propagar "fake news (notícias falsas)". A trama é livremente - termo utilizado repetidas vezes por Padilha, roteirista, diretores e elenco em eventos para promover a obra - inspirada nos acontecimentos da operação Lava-Jato, a partir do livro Lava Jato: O juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil, do jornalista da Globo, Vladimir Netto.
Um dos problemas que impulsionou a polêmica se encontra no quinto episódio, cujo título é Olhos vermelhos. Uma cena reproduz o diálogo entre o senador Romero Jucá (PMDB) e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado ("Precisamos estancar a sangria" é a frase de autoria de Jucá para viabilizar um acordo e interromper a Lava-Jato), que se tornou conhecido em 2016, após vazamento para a imprensa de uma gravação. Mas a produção atribui a fala ao personagem de Lula, que, embora não leve o nome do petista na série, é facilmente associável ao ex-presidente. A cena rendeu comentários negativos na internet e provocou o cancelamento de algumas assinaturas.
Outro momento alvo de questionamento é que a série começa a partir do escândalo do Banestado, ocorrido durante o governo FHC. Contudo, a adaptação transpõe a falcatrua para 2003, primeiro ano do governo Lula, quando o doleiro Roberto Ibrahim (o "Alberto Yousseff" da ficção) foi investigado, firmou acordo de colaboração com o Ministério Público e ganhou liberdade. A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) se manifestou sobre o caso. "A propósito de contar a história da Lava-Jato, numa série 'baseada em fatos reais', o cineasta José Padilha incorre na distorção da realidade e na propagação de mentiras de toda sorte para atacar a mim e ao presidente Lula. A série O mecanismo, na Netflix, é mentirosa e dissimulada. O diretor inventa fatos. Não reproduz 'fake news'. Ele próprio tornou-se um criador de notícias falsas", criticou em artigo no Facebook.
saiba mais
Sérgio Moro será o entrevistado do último 'Roda Viva' com Augusto Nunes
Vídeo React: O Mecanismo, série da Netflix sobre a Lava-Jato é festival de frases de efeito
Marielle é tema da estreia da nova temporada de Greg news na HBO
Brasil está no 'top 3' de maiores mercados da Netflix
Embate entre realidade e ficção marca a série 'O mecanismo'
O cineasta José Padilha se posicionou sobre a onda de indignação contra a série e a decisão de imputar ao ex-presidente Lula uma fala de Romero Jucá, considerado por forças progressistas como um dos artífices do golpe parlamentar contra Dilma Rousseff. "É um debate boboca", disse ele em entrevista à Folha de S. Paulo. "Se a Dilma soubesse ler, não estaríamos com esse problema". A Netflix ainda não se pronunciou sobre o assunto.