'Black mirror' chega ao quarto ano mais otimista e com histórias de um futuro não tão distante

Seis novos episódios trazem tramas surpreendentes sobre a relação do homem com a tecnologia

por Mariana Peixoto 29/12/2017 08:10

Jonathan Prime/Divulgação
'USS Callister', episódio ambientado na Terra e no espaço sideral, remete ao clássico 'Star Trek'. (foto: Jonathan Prime/Divulgação)
 

“Quanto mais horrível, mais me divirto”, afirmou certa vez o roteirista britânico Charlie Brooker. Dono de humor controverso e bastante pessimista, ele é o criador de uma das mais cultuadas séries da atualidade. Lançada em 2011 pelo Channel 4, a antológica (com episódios independentes) Black mirror teve duas temporadas produzidas no Reino Unido. Com grande respaldo da crítica, mas longe de figurar entre as mais populares, correu o risco de terminar.


Só que quando as duas temporadas iniciais (2011 e 2013) chegaram ao catálogo da Netflix, ela se tornou um fenômeno mundial. A gigante do streaming, percebendo o potencial, encomendou mais 12 episódios, divididos em duas temporadas. Seis estrearam em outubro de 2016. A outra metade entra no ar nesta sexta-feira (29).


Apresentada como ficção científica, Black mirror traz, num contexto geral, a influência que a tecnologia tem sobre a vida humana. Boa parte dos episódios já apresentados mostram os pontos negativos dos avanços tecnológicos. Mas não se engane. Charlie Brooker não é contra a tecnologia, muito pelo contrário. Conta histórias sobre vida e morte, amor e desamor, muitas delas retratadas em um futuro não tão distante assim. O mal-estar geral não é causado pelos avanços tecnológicos, mas pela maneira com que as pessoas lidam com eles.

 

 

Como os seis episódios são independentes, fica a critério do freguês por onde começar. Quem quiser narrativas que dialogam com o que já foi apresentado deve dar início à imersão com Arkangel. Dirigido por Jodie Foster, mostra, em suma, a relação de uma mãe solteira e sua filha ao longo de 15 anos.


Em um futuro próximo, Rosemarie DeWitt (de La la land e Mad men) faz de tudo para criar sua filha. Quando a menina, aos 3 anos, desaparece por momentos num parque, a mãe toma uma resolução: usar um sofisticado sistema de vigilância na filha. Seu intento é que nada de mal atinja a criança. Se formos mais a fundo, veremos que o medo real é o de perdê-la, de não querer que ela se torne independente. Não é difícil imaginar que o sistema não vai dar certo quando a menina cresce, torna-se adolescente e passa a ter contato com o mundo tal qual ele é.

VIOLÊNCIA Com uma trama típica de Black mirror, Arkangel dialoga com Crocodile. Filmado na Islândia e protagonizado por Andrea Riseborough (de Birdman), o episódio, um dos mais violentos desta temporada, é um thriller sobre uma mulher que enfrenta um acontecimento do passado. Ele volta a persegui-la, graças ao lançamento de um novo dispositivo.

 

É também um dispositivo o ponto de partida de Hang the DJ (o título foi tirado do refrão da canção oitentista Panic, do The Smiths). Espécie de Tinder ultramoderno, ele traça, antecipadamente, uma série de relacionamentos. Um casal – interpretado pelos atores Georgina Campbell e Joe Cole – se conhece por meio dele. Ambos o utilizam pela primeira vez.


A ideia do dispositivo é encontrar o par perfeito – à medida que a pessoa troca de parceiro, o algoritmo vai definindo o parceiro ideal. Ou seja, mesmo que se queira (ou não), a pessoa que usar o sistema deve permanecer fiel à máquina. “Tudo acontece por uma razão”, não se cansa de repetir a máquina todas as vezes que suas escolhas são contestadas. Só que os sentimentos não podem ser ditados por um dispositivo, é o que a história mostra. O final do episódio, como nas boas histórias de Black mirror, dá um nó na cabeça do espectador, surpreendendo até o último minuto.


As três narrativas restantes são menos típicas do universo da série. A exemplo de White Christmas, especial natalino protagonizado por Jon Hamm em 2014, Black Museum traz três histórias que se conectam. Tudo começa quando uma jovem entra num museu que fica no meio de lugar nenhum. Não há nem sequer um visitante até que chega o proprietário, que faz uma visita guiada – objetos expostos o levam a contar histórias.

Christos Kalohoridis/Divulgação
'Arkangel', dirigido por Jodie Foster, questiona os limites da vigilância. (foto: Christos Kalohoridis/Divulgação)

Primeira incursão da série no universo preto e branco, Metalhead é um pequeno conto de terror (o episódio mais curto desta temporada), ambientado num futuro distópico. O diretor David Slade (de American gods e Hannibal) criou uma história de perseguição com poucos personagens, raros diálogos, longos planos e fotografia marcante. Uma mulher é perseguida por uma máquina. Decidida a sobreviver – e a ser mais inteligente do que a máquina –, a personagem faz de tudo para chegar a seu objetivo. O final é típico da série: absolutamente inesperado e inteligente.

ESTRELA Por fim, a cereja do bolo. USS Callister é o episódio com vocação para ser a estrela desta temporada. Com elenco facilmente reconhecível entre fãs de séries, traz como protagonistas os atores Jesse Plemons e Cristin Milioti (ambos estiveram na segunda temporada de Fargo, em 2015) e Jimmi Simpson (de West world e House of cards).


O prólogo, em 4:3 (a chamada janela clássica, utilizada na televisão tradicional, de tela quadrada), vai ser um deleite para os trekkers. A bordo de uma nave espacial, assistimos à tripulação da USS Callister comandada pelo capitão Daley (Plemons). As cores dos uniformes, a parte interna da nave, a maneira como a tripulação interage, tudo nos leva a crer que o episódio será uma grande homenagem a Star Trek.


Esqueça, pois isso aqui é Black mirror. A narrativa, em formato de longa-metragem, é ambientada em dois universos: um na Terra e outro no espaço. Super nerd na vida real, Daley se transforma no mundo paralelo. Não contar mais é quase regra quando se trata de Black mirror. Dá para dizer, sem estragar a festa de ninguém, que USS Callister foge um pouco do tom tradicional da série.


É bem-humorada, solar (ainda que a maior parte ocorra no espaço), com elementos um tanto kitsch. E, contrariando a imensa maioria dos episódios da série, tem um final feliz. Mas felicidade, aqui, é um conceito bem amplo, que foge dos lugares-comuns. Para conquistá-la, a série faz questão de nos lembrar, é preciso fazer por onde.

 

Abaixo, confira o trailer da nova temporada de Black mirror

 

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