“A saída que existe para todo mundo, o divórcio, não é uma opção para nós. Jamais.” Os momentos iniciais da segunda temporada de The crown deixam claro que as turbulências que a Coroa britânica vai enfrentar entre 1956 e 1964, período retratado pelos 10 episódios que estreiam nesta sexta-feira (8) na Netflix, não são nada perto da crise conjugal entre a rainha Elizabeth II e o príncipe Philip.
A crise de Suez, em 1956 – que culminou com a renúncia do primeiro-ministro britânico Anthony Eden –, e o Caso Profumo, em 1961 – escândalo sexual que contribuiu para a derrocada do Partido Conservador nas eleições gerais, três anos mais tarde –, geraram muita instabilidade no Reino Unido no período. Mas para tirar a rainha do sério, só mesmo o marido escorregadio.
Não deixa de ser irônico que em uma semana o Reino Unido tenha celebrado as bodas de platina da rainha e do duque de Edimburgo, em 20 de novembro, e anunciado o casamento do príncipe Harry com Meghan Markle, no dia 27. Ela, atriz afro-americana, é três anos mais velha do que ele e divorciada.
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Os tempos mudaram e a rainha se viu obrigada a mudar com eles. Ainda que a narrativa de The crown seja ambientada 60 anos atrás, é também sobre as adaptações que Elizabeth – enquanto rainha e mulher – teve que fazer para se manter como tal que os novos episódios tratam.
Série criada por Peter Morgan – que recebeu sua primeira indicação ao Oscar pelo roteiro de A rainha (2006) –, The crown causou frisson em meio mundo quando foi lançada, no fim de 2016. A produção foi anunciada como a mais cara série da história – com orçamento em torno de US$ 150 milhões. Pelo segundo ano, o brasileiro Adriano Goldman assina a direção de fotografia dos episódios quatro e do sétimo ao décimo.
A boa notícia para quem acompanhou o primeiro ano é que o segundo é ainda melhor. O elenco atual – capitaneado pela irretocável Claire Foy – se despede nesta temporada. Na próxima, a terceira de um total de seis, a rainha será interpretada por Olivia Colman.
A principal diferença em relação ao primeiro ano é que, agora, há episódios independentes, que podem ser vistos em separado (veja no destaque). É, com certeza, uma opção arriscada. Mas um roteiro brilhante, superamarrado (apesar das idas e vindas no tempo), interpretações acima da média e cenários deslumbrantes fazem o espectador acompanhar esta segunda parte da saga como incansável voyeur.
A crise no casamento, que será tratada nos três primeiros episódios, coloca Elizabeth em xeque. A cena do diálogo do divórcio aparece também no fim do terceiro capítulo. Uma mulher que mal entrou na casa dos 30 tem que agir como uma pessoa de meia-idade. Esta mesma mulher se vê privada de uma vida comum, com marido e filhos. Ela tem consciência das armadilhas que a Coroa representa. Mas a partir do momento em que se dispõe a ser uma grande monarca, sabe abrir mão (e fazer vistas grossas) para os deslizes. Dos outros, já que ela é alvo constante de escrutínio público.
E é por amor – ao marido e à Coroa – que Elizabeth decide, no início da temporada, deixá-lo partir em visita oficial para abrir os Jogos Olímpicos de Verão da Austrália, em longa viagem de navio que o leva a rincões do globo, a Antártida incluída. As puladas de cerca do consorte, um tema desde sempre espinhoso para a Coroa, são tratadas com destaque na primeira parte da temporada. Matt Smith vê seu personagem crescer e vai, ao longo dos episódios, dando novas nuances a Philip.
The crown, nunca é demais repetir, é uma ficção histórica. Em meio aos fatos ocorridos – e de conhecimento público, como o envolvimento de Edward, o duque de Windsor, e Wallis Simpson com o nazismo, foco do quinto episódio –, os encontros privados ganham vida na interpretação de Peter Morgan.
Antes mesmo da estreia, um dos episódios já causou polêmica. O Caso Profumo – resumidamente, o escândalo que envolveu o secretário de Estado da Guerra John Profumo, a hostess Christine Keller e o espião soviético Eugene Ivanov – encerra a temporada. No episódio, a série faz uma ligação do príncipe Philip com as mesmas festas regadas a sexo que os três protagonistas do escândalo participaram. “Acho que o show cruzou uma linha e saiu da realidade para a ficção”, afirmou o biógrafo real Christopher Wilson ao jornal The Daily Mail. Esperemos, então, uma (improvável) manifestação do Palácio de Buckingham sobre a série.
Abaixo, confira o trailer da 2ª temporada de The Crown:
THE CROWN
A segunda temporada, com 10 episódios, estreia nesta sexta (8) na Netflix
Também protagonistas
• Princesa Margaret
(episódios 4 e 7)
Canelas finas e cara de manicure judia. Comentários mais depreciativos que esses não poderiam haver. Mas foi assim que o fotógrafo Antony Armstrong-Jones (Matthew Goode) se referiu à futura mulher, a princesa Margaret (Vanessa Kirby). Impedida de se casar com o capitão Peter Townsend (Ben Miles) por ele ser divorciado, Margaret, ao saber pelo próprio ex que ele iria se casar, decidiu sair na frente. Retratado como um playboy que despreza a nobreza, Armstrong-Jones contraria tudo o que a Casa de Windsor preza. Ideal para Margaret, que adora afrontar a Coroa. O primeiro episódio sobre Margaret mostra o encontro dela com Armstrong-Jones; o segundo, o casamento – que a princesa fez questão de que fosse muito maior do que o da rainha.
• John Grigg – Lorde Altrincham
(episódio 5)
John Grigg foi um jornalista e escritor, autor de uma das biografias mais brilhantes dos últimos tempos, como se referiu o The Telegraph a respeito dos três volumes que ele escreveu sobre o ex-primeiro ministro David Lloyd George. Mas, em 1957, Grigg não era muita coisa. Editor de um pequeno jornal, ele ousou criticar a rainha por causa de seus discursos. Escreveu que seu estilo de fala era muito chato e que sua personalidade era de uma garota de colegial. No episódio, tal história é tratada como uma pequena revolução na relação da rainha com seus súditos. Grigg (John Heffernan) se encontra com ela e dá sugestões de como modernizar seu estilo. É ao final de 1957 que a mensagem natalina da rainha é televisionada pela primeira vez. No episódio, Grigg é tratado por lorde Altrincham, título de nobreza que carregou até 1963, quando renunciou a ele.
• Jacqueline Kennedy
(episódio 8)
Elizabeth nunca foi a mais bonita e chique numa festa. Tampouco a mais inteligente. E era tudo isso que Jacqueline Kennedy representava em 1961, quando o casal Kennedy, em visita à Inglaterra, foi recebido pela rainha no Palácio de Buckingham. No episódio, uma rainha um tanto insegura diante do interesse de todos por Jackie (em especial, de Philip) se prepara para o evento. Dias mais tarde, em outro encontro em Londres, Jackie fez comentários nada lisonjeiros à rainha – das pernas grossas ao ambiente ultrapassado de Buckingham. A rainha deu um tapa de luva tempos mais tarde. A história é uma liberdade e tanto tomada pela série, pois JFK e Jackie teriam deixado a Inglaterra rumo aos EUA logo após o jantar no palácio.
• Príncipe Charles
(episódio 9)
Desde criança, o príncipe herdeiro demonstrou timidez, como também (e para decepção do pai) nenhuma inclinação para os esportes. Ao longo da nova temporada, Elizabeth tem mais dois filhos, Andrew e Edward. Filhos que poderiam ser amados como tal, já que não carregariam o peso de ser os herdeiros da Coroa. Philip se opõe que Charles (o ator Billy Jenkins) vá para o Eton College. Quer o filho como aluno de Gordonstoun, escola particular na Escócia que poderia endurecê-lo, na opinião do pai, ex-aluno mais célebre do local. O menino e suas “orelhas de Dumbo”, como os colegas o chamavam, sofreu um bocado. E mesmo com mais de uma tentativa de intervenção, Elizabeth não conseguiu tirar Charles do local. Foram cinco anos terríveis, como o próprio Charles afirmou depois de adulto. William e Harry foram alunos de Eton.