Mocinha: heroína de histórias e filmes de aventura.
Vilã: mulher que usa métodos perversos, desumanos ou antiéticos para atingir seus objetivos.
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“Acredito que Bibi vai longe demais em ultrapassar limites. Talvez venha daí a ideia dessa imagem de ‘força da natureza’”, comenta Glória Perez, autora da novela. A personagem de Juliana Paes comprova que as clássicas mocinhas – bobas, ingênuas e boazinhas demais – estão ficando ultrapassadas. “O brasileiro se cansou, faz tempo, daquele padrão. Esse tipo de personagem irrita, despertando logo a justa antipatia do público. Hoje em dia, todos querem mocinhas ativas, que não dão a outra face e enfrentam os vilões. Tanto que os autores têm procurado evitar clichês”, acredita Sérgio Santos, blogueiro apaixonado por TV.
Bibi, aliás, tem provocado todo tipo de reação nas redes sociais. A internet bombou quando foi ao ar a surra que a moça leva da mãe, Aurora. A maior parte dos comentários apoiou a atitude da personagem de Elisângela. “O perfil da Bibi é bem delineado pela autora, desperta simpatia em uns momentos e ódio em outros, além de estar no horário nobre. Um papel tão bom quanto esse foi a Carol Castilho, em Totalmente demais, também interpretada por Juliana Paes. Parecia uma vilã arrogante e rica, mas era complexa e muito humana. A atriz deu um show. Se não existisse a Bibi, seria o melhor papel dela”, acrescenta Sérgio Santos.
A força do querer traz outras duas “mocinhas” nada convencionais: Jeiza (Paolla Oliveira) e Ritinha (Ísis Valverde), que fogem ao estereótipo tradicional. Doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de A Hollywood brasileira – Panorama da telenovela no Brasil, Mauro Alencar explica que os personagens sempre acompanham a evolução da sociedade. São criados a partir de um estrato social, fruto de determinado tempo e espaço. Isso vale para teatro, literatura e TV.
MÃE SOLTEIRA Alencar cita o exemplo de Selva de pedra (1972): mulher independente, a artista plástica Simone (Regina Duarte) fumava. Em Pai herói (1979), recorda, a mocinha Carina (Elizabeth Savalla) se casa e, na noite de núpcias, revela ao marido que é mãe solteira.
“Desde que o Brasil entrou na era moderna e industrial de nossa telenovela, no início da década de 1970, as mocinhas têm sido apresentadas em grande sintonia com a realidade. Porém, sem abandonar exemplos românticos, claro. Sem isso perde-se o encanto da vida”, diz Alencar.
Para ele, Bibi, Jeiza e Ritinha estão perfeitamente alinhadas com a realidade do país. “As três são a representação máxima do empoderamento feminino, tão em voga. No futuro, qualquer cientista social que queira saber como estava o Brasil em 2017 deve passar, obrigatoriamente, por A força do querer – um documento artístico contemporâneo – e suas protagonistas”, ressalta.
ATITUDE Glória Perez diz que mocinhas boazinhas e ingênuas nunca fizeram parte de suas novelas, cujas protagonistas sempre foram mulheres de atitude, transgressoras. Seja a Clara de Barriga de aluguel (1990), a Dara de Explode coração (1995), a Jade de O clone (2001), a Sol de América (2005), a Maya de Caminho das Índias (2009) ou a Morena de Salve Jorge (2012).
“Elas enfrentavam todos os desafios para buscar o que queriam para si. Jeiza, Bibi e Ritinha são como foram todas as minhas protagonistas. Impetuosas, fortes, transgressoras. Nada politicamente corretas”, defende a novelista.
Das três, só Jeiza tem o perfil padrão de mocinha, acredita o blogueiro Sérgio Santos. “Heroína clássica, ela é quase a Mulher-Maravilha: 100% honesta, marrenta, corajosa, policial e lutadora de MMA. Já Ritinha é uma sonsa carismática, algo bem típico das sereias manipuladoras das lendas, enquanto Bibi é a figura dúbia que jogou os princípios no lixo pela paixão obsessiva. No começo, houve simpatia pelo amor do passado que a humaniza, além do filho e da mãe. Porém, muitos torcem para Bibi se ferrar – e com razão. Pelo menos antes do final feliz, regenerada. Além disso, a bandida sensual sempre encanta. Mas a Bibi não tem nada de mocinha”, analisa. Alguns sites já especulam que Perigosa terá um desfecho feliz ao lado de Caio e do filho.
GLAMOUR Há quem acredite que a grande evidência dada a Bibi glamouriza o mundo do crime ao retratar a vida de luxo dos bandidos e, sobretudo, festas regadas a funk e muita ostentação. Mauro Alencar discorda. Na verdade, A força do querer serve de alerta à sociedade, acredita. Ele considera falta de conhecimento social, estético e artístico considerar que a trama glamouriza o crime.
“Como bem lembrava o poeta Ferreira Gullar, a arte tem a capacidade de transformar a dor em prazer estético. Caso contrário, estaríamos diante de um documentário ou matéria jornalística. Certamente, Picasso não glamourizou os bombardeios a Guernica durante a Segunda Guerra Mundial em sua magistral criação artística”, afirma o especialista.
“Do mesmo modo, basta lermos em sua origem as fábulas de Esopo e os contos de Hans Christian Andersen ou dos irmãos Grimm para atestarmos o quanto essas belíssimas histórias foram reelaboradas com todo o aparato artístico, ao longo dos tempos, a fim de encantar as plateias do mundo todo. Muitas vezes cruéis na essência, ao se transformar em produto de consumo artístico, elas conseguiam transmitir o principal objetivo do autor que as recontava: alertar a massa de leitores sobre as mazelas humanas. Afinal, como bem nos lembrava Vinicius de Moraes, são demais os perigos desta vida.”
Três perguntas para...
JULIANA PAES
ATRIZ
Bibi é a mocinha que virou bandida? Como você a classificaria?
Bibi é muito passional. Não é mulher de má índole, mas tem uma ética muito flexível.
Por que Bibi ganhou tanta repercussão?
A personalidade dela é muito ambígua, por isso acredito que a repercussão nas ruas é grande e muito variada. Se estou junto às classes mais abastadas, escuto: “Que absurdo! Vontade de dar uns tabefes nessa Bibi! Larga logo esse homem!”. Mas se estou numa comunidade, e já gravei em algumas, o feedback é totalmente diferente. Dizem: “Entendo a Bibi, já tive uma tia, uma prima ou uma mãe que passou por isso”; “Já passei por isso, fiz loucuras por amor e me arrependi”; ou “Já deixei de fazer muita coisa na minha vida por causa de homem.”
Sua personagem glamouriza o mundo do crime?
De forma alguma, pois Bibi está sofrendo muito por conta das escolhas erradas que fez. Torço para que ela aprenda com os próprios erros. Essa é uma boa mensagem a passar.