O mineiro, que nasceu como Tereza Cristina, apenas se aceitou como homem aos 21 anos. Hoje, com segurança, se define como homem trans. Ele, além de servir como inspiração, também atuou nos bastidores da novela como consultor de Glória Perez, na construção do papel da jogadora de vôlei.
Confira a entrevista completa de Tarso Brant ao Estado de Minas:
Quando começou a perceber que não se via como mulher e como foi o processo de aceitação da sua identidade masculina para você e sua família?
Sempre tive essa percepção. Desde criança, não me adequava ao gênero biológico. No meu processo de aceitação, passei por vários estágios de fugas psicológicas. O fato de me ver obrigado a assumir uma condição (feminina) para não ser julgado pela sociedade fazia com que eu tivesse uma constante rejeição interna, dificultando meu processo de autoaceitação e amadurecimento. Eu me aceitei aos 21, 22 anos, após passar por um processo de análise profunda, em contato com a doutrina espírita, em que escolhi fazer mudanças comportamentais para condizer com minha verdadeira essência. Meus pais, apesar de nem sempre entenderem o que se passava comigo, sempre dispunham do seu tempo para me apoiar e amparar no que fosse preciso.
Antes você dizia não se rotular.
Optei por não me definir enquanto não tive a consciência e compreensão necessária para fazer assertivamente minhas escolhas. Sempre me senti homem, mas não sabia como lidar de maneira a expor isso de alguma forma. Hoje me defino transgênero (homem trans), pois, na realidade, não alterei meu gênero biológico, ou seja, não fiz cirurgia para mudança de sexo, apenas realizei a retirada do excesso de pele dos seios, alterando somente minhas características físicas.
Definir-se assim é também uma tomada de posição pela afirmação dos direitos das pessoas trans? Você se considera ativista dessa causa?
Não vejo diferença entre pessoas trans. Somos todos iguais na condição de seres humanos, tendo em vista apenas algumas escolhas diferentes do padrão social atual. Aceitar-me certamente me deu a qualidade de lutar pelas pessoas que passam pelo mesmo processo que eu. Tendo vivenciado essa escolha, sei compreender o que precisam e como me posicionar a favor.
Você ainda pensa em fazer mais alguma mudança na sua aparência ou está satisfeito com quem se tornou?
No momento, estou satisfeito com minha estrutura física. Sempre me esforcei para manter hábitos saudáveis. Não pretendo passar por mais nenhum processo cirúrgico.
Já fez a mudança de nome no cartório oficialmente? Como se deu a escolha do nome Tarso?
Mesmo tendo feito a escolha de um novo nome, ainda aguardo a decisão judicial para retificação dos documentos. Contei com meus pais para essa escolha.
Como iniciou a parceria com Gloria Perez?
Através do meu assessor pude manter contato com a autora, assim como outros trans que também participaram da mesma pesquisa. Enviei relatos de minhas vivências pessoais para que ela pudesse compor a personagem (de Ivana) em sua trama.
Quanto de sua vida se reflete na de Ivana? Que experiências suas foram emprestadas a ela? Você participou da criação da personagem?
Não sei ao certo dizer o quanto. Temos bastante coisas em comum, principalmente o fato do desconforto ao se olhar no espelho. Fui um dos que contribuíram para a criação da Ivana.
Que impacto espera ter em sua vida e provocar no público com sua atuação na novela? Pretende seguir carreira na TV ou no teatro?
Estando de volta à mídia exercendo minha profissão, espero poder ajudar da melhor forma as pessoas que me veem como ponto de referência. Sim, pretendo prosseguir na carreira artística como ator.
Conte por favor como será o seu papel e que participação o personagem terá na trama.
A trama é baseada em personagens da vida real. Meu personagem vai se chamar Tereza, fazendo analogia à Tereza que por muito tempo viveu sua fase de transição sem se importar com a forma que as pessoas de fora a viam ou tratavam por isso. Ele (Tereza) vai conhecer Ivana em um momento crucial da trama, trazendo uma carga de esclarecimento e fazendo com que Ivana (Carol Duarte) finalmente se encontre.
Como avalia a maneira que a novela está tratando a questão de gênero?
No meu ponto de vista, a autora aborda tudo de uma forma muito humana, preocupando-se em dar ênfase aos detalhes essenciais (questões internas), o que faz as pessoas refletirem sobre o assunto sem criar uma barreira que as separe daqueles que escolhem passar por esse processo de mudanças.
Por que decidiu se mudar de Belo Horizonte? Pretende voltar a viver aqui?
A decisão de me mudar veio junto com a pretensão de investir em minha carreira artística. Vim para o Rio com um sonho em mente e muita força de vontade.
*Estagiária sob supervisão de Silvana Arantes
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