Conheça a Afroflix, a Netflix do B, de black

Plataforma dedicada a difundir produtos audiovisuais que abram espaço para temáticas e artistas negros, oferece conteúdos gratuitos e já tem quase 100 títulos

por Ana Clara Brant 30/04/2017 09:56
Editoria de Arte/EM/DA Press
(foto: Editoria de Arte/EM/DA Press)
 

Em poucos anos de atividade, a Netflix – que entrou em operação no Brasil em 2011 – tornou-se um gigante mundial no negócio de distribuição de conteúdo audiovisual, com aproximados 100 milhões de assinantes, passou a produzir seu próprio conteúdo e hoje rivaliza com Hollywood para saber quem dá as cartas no negócio do consumo de filmes e séries.

A onda da Netflix impulsionou outras inciativas de difusão de produtos audiovisuais sob demanda. Foi assim que nasceu, há quase um ano, a Afroflix (www.afroflix.com.br), que se define como uma “plataforma brasileira colaborativa que disponibiliza conteúdos audiovisuais on-line”. O conteúdo é de acesso gratuito, mas as produções distribuídas devem preencher o requisito de contar com pelo menos um profissional negro nos créditos de suas áreas técnica e artística. O resultado são filmes, séries, webséries, programas diversos, vlogs e clipes produzidos, escritos, dirigidos ou protagonizados por pessoas negras.

A iniciativa é predominantemente feminina. Juntaram-se em torno da ideia a cineasta Yasmin Thayná, a jornalista Silvana Bahia, a desenvolvedora e UX (experiência de usuário) designer Steffania Paola, a designer Bruna Souza, as pesquisadoras e produtoras Monique Rocco e Erika Candido, com a colaboração do comunicador social Bruno F. Duarte. À exceção de Steffania, que é de Minas, todos são do Rio de Janeiro.     

“Durante a produção do curta-metragem KBELA (2015) a equipe se deparou com a questão da distribuição cinematográfica. O filme foi produzido de forma totalmente independente, com dinheiro de um crowdfunding na internet. Não é um caso isolado. Muita gente está na rua, produzindo audiovisual de forma independente. Esses filmes existem, mas estão dispersos na rede. No mercado do audiovisual, a divisão também acontece. Existem pouquíssimas obras com atores e atrizes negras em papéis de destaque ou mesmo por trás das câmeras. A Afroflix é uma ação nesse sentido, para afirmar o espaço do negro no audiovisual”, afirma Bruno.

Atualmente, a plataforma tem um acervo de aproximadamente 100 títulos. “Por termos uma equipe reduzida e trabalharmos de forma independente, a seleção está levando um tempo maior. A repercussão nas redes também foi muito boa. Estamos felizes que os filmes estejam sendo assistidos por mais pessoas e que os realizadores queiram exibir suas produções na plataforma”, diz.

O alcance e a visibilidade que as produções tiveram previamente à sua chegada na plataforma é diverso. “Temos desde os vídeos que viralizam nas redes em formatos não convencionais e inovadores, como os que alçaram o passinho do menor ao status de fenômeno cultural com visibilidade internacional passando por algumas produções independentes que chegam aos circuitos de festivais internacionais. Estamos cada vez mais nos enxergando enquanto um campo de disputa estético e político”, diz Bruno.

Em breve, a Afroflix pretende incluir material de realizadores indígenas, pois perceberam que as duas comunidades têm similaridades.

CONTAGEM


Entre os conteúdos disponíveis na Afroflix há trabalhos da Filmes de Plástico, produtora audiovisual de Contagem, na região metropolitana de BH. Gabriel Martins, um dos fundadores da empresa, ao lado de André Novais Oliveira, Maurílio Martins e Thiago Macêdo Correia, conta que eles fazem parte da plataforma afro desde que ela surgiu e que já até perderam as contas de quantas produções estão nesse projeto.         

 

“Temos curtas, documentários, ficção. Achei essa ideia sensacional, porque é uma forma de divulgar e também de dialogar com o público de uma maneira mais ampla. Sem contar que chama a atenção para um tipo de representatividade específica. A Afroflix é uma plataforma que valoriza e pensa essa questão”, diz Gabriel, cujo curta Nada foi selecionado para a edição 2017 da Quinzena dos Realizadores, paralela ao Festival de Cannes, no mês que vem.

O diretor acredita que, entre os motivos de a Filmes de Plástico ter sido selecionada para participar da Afroflix estão sua tradição de disponibilizar filmes na internet e a temática de seus curtas e longas-metragens. “A própria origem da produtora, que se formou numa região periférica de Contagem, se reflete nas nossas produções. Sempre procuramos buscar o elenco mais diverso possível e oferecer os mais variados tipos de personagens, já que, historicamente, o negro ficou em papéis mais subalternos. E, pelo fato de eu e um dos outros sócios, o André (Novais Oliveira) sermos negros, essa sempre foi uma questão importante”, diz.

Adyr Assumpção, diretor da T’AI Criação e Produção e fundador do Festival Imagem dos Povos, voltado para a diversidade cultural e o fortalecimento das redes de produção e distribuição audiovisual, acredita que a criação de serviços e plataformas como a Afroflix reflete uma necessidade de afirmação mundial por parte da comunidade negra que tem tido grande adesão por parte do público. “Essa questão da cor da pele foi colocada de forma universal e violenta ao logo de décadas. Tudo isso que está acontecendo é uma resposta muito potente a essas dezenas de anos de repressão e preconceito. Outros povos foram marginalizados, mas não de forma tão virulenta quanto os negros. A própria Afroflix foi fundada em sua maioria por mulheres que estavam envolvidas com atividades, movimentos e elementos afirmativos”, comenta.

Em 2009, o produtor e sua equipe criaram o canal de vídeo sob demanda Imagens dos Povos. Na época, a novidade teve boa adesão e dispunha de mecanismos que permitiam saber a origem de quem estava assistindo. Adyr afirma que chegaram a fazer parcerias com canais on-line de festivais americanos como Tribeca e Sundance e trocaram muito conteúdo e informação. “O pessoal da Ancine (Agência Nacional do Cinema) até brincava que a gente era a Netflix brasileira. Algumas produções eram gratuitas, mas a maior parte tinha que pagar para alugar. A manutenção era cara, buscamos financiamento, mas não conseguimos continuar da maneira que começou. É uma plataforma interessante, mas que, atualmente, funciona mais durante o festival. O mercado sob demanda está num momento de transição e estamos negociando com uma agregadora para integrar um aplicativo com assinaturas”, diz.

CINEBIO


Na edição deste ano do Rio Content Market, encontro de negócios da América Latina envolvendo produtores independentes e profissionais de TV e mídia digitais, realizado em março, uma dos canais participantes foi a Black Entertainment Television (BET), emissora norte-americana do Grupo Viacom, que tem uma grade especialmente voltada ao público afro-americano. Durante o evento carioca, a BET se interessou por um projeto da T’AI Criação e Produção, a série Beijo, sobre a trajetória do artista mineiro Benjamim de Oliveira (1870-1954). O roteiro é de Edmundo Novaes. Guilherme Fiúza Senha assina a direção e a produção.

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