São Paulo – De certa maneira, a franquia de cinema Jogos vorazes, as séries Divergente e Lost, os livros 1984 (de George Orwell) e Admirável mundo novo (de Aldous Huxley) estão presentes em 3%, primeira série original brasileira da Netflix, disponível a partir de hoje para 190 países na plataforma de streaming. Boa parte dessas produções inspirou o roteirista Pedro Aguilera, que começou a desenhar a ideia em 2009.
"Estava com o tema da distopia (lugar ou estado imaginário em que se vive sob extrema opressão, desespero ou privação) na cabeça. Já era hora de o Brasil ter algo nesse sentido. Cheguei a ganhar edital e fiz a websérie que originou tudo, mas ficou só nisso. Porém, muita gente chegou a assisti-la. Anos depois, o Erik Barmack (vice-presidente de séries internacionais da Netflix) entrou em contato comigo e agora 3% está aí", comemora.
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"Já que é produção nacional, com profissionais daqui, a série teria de se passar no Brasil e tratar de temas universais, mas muito nossos também, como segregação e desigualdade. De certa maneira, tudo isso está cristalizado em 3%”, explica o roteirista. Inicialmente, será apenas uma temporada com oito episódios, mas a história demonstra fôlego para continuar.
O elenco tem atores conhecidos: João Miguel (Ezequiel, o chefe do Processo), Bianca Comparato (Michelle, candidata ao Mar Alto) e Mel Fronckowiak (Júlia, mulher de Ezequiel e funcionária do Processo). Sérgio Mamberti faz participação especial. Quatro artistas negros têm papéis importantes: Viviane Porto, Michel Gomes, Vaneza Oliveira e Zezé Motta.
Os atores brincam, dizendo que o processo de seleção foi similar ao do Processo. "Até perdi a conta de quantos testes fiz. Sou espectadora voraz da Netflix e estar agora do outro lado é o máximo", conta a estreante Vaneza Oliveira. Ela faz o papel de Joana, que luta para ter acesso ao Mar Alto.
João Miguel gostou de fazer algo desafiador e diferente. O ator destaca o padrão das produções da Netflix. Seu personagem e boa parte dos protagonistas são figuras ambíguas, complexas e multifacetadas. "Ezequiel é um cara estranho que tem ligação com o poder, bem contundente e sistemático. Não há ninguém totalmente mau ou bom. Todos os personagens têm muitas contradições, isso é muito rico para o ator e para o público", opina.
Bianca Comparato diz que 3% é uma alegoria, metáfora da sociedade atual. "A segregação, o desigual e esse teor político são temas muito interessantes e fortes. Brinco que o Brasil já é uma grande distopia. Nem precisava inventar muito. O conceito faz muito sentido, sem contar que o Charlone dá um tom bem brasileiro e latino ao produto", conclui.
Três perguntas para
Bianca Comparato
Atriz
As séries estão ganhando espaço e audiência enormes no Brasil. O investimento da Netflix no segmento é sinal claro disso. As séries são as novelas do futuro?
É muito cedo para dizer, é um processo novo. A telenovela ainda é a maior potência de dramaturgia no Brasil. Os números mostram isso. Você olha grandes audiências nos Estados Unidos, tipo Homeland, e compara com uma novela brasileira das 21h ou das 19h, a série americana está bem atrás. A TV Globo é ainda muito forte e, inclusive, está lançando uma plataforma tipo Netflix. Não tem essa coisa de que um vai acabar com o outro. Quando surgiu a TV, disseram que ela acabaria com o rádio. Tem espaço pra todo mundo.
Sua personagem, uma das protagonistas, passa por reviravoltas. Ela vai prender o público até os últimos episódios e até a possível segunda temporada? Ela vai caminhar com o público?
Não dá muito para falar ainda, mas todos os personagens têm seu caminho e esses caminhos são contados. Todos são protagonistas no sentido de levar a história adiante. Michelle é, sim, uma figura muito forte, envolvente e instigante.
3% destaca especialmente a questão da meritocracia. O que você pensa sobre isso?
A sociedade é construída em cima disso. As escolas e o ensino, sobretudo, são muito pensados dessa forma. Será que esses padrões que a gente tem para organizar a sociedade a organizam mesmo? É mais justo? Questiono muito isso. Desde cedo, a gente é doutrinado a passar em provas, a ser melhor do que o outro. Sempre que penso em meritocracia, penso no ensino. Se a gente mudasse algo nesse sentido, talvez teríamos algo melhor no futuro.
* A repórter viajou a convite da Netflix