A Netflix ainda não fala português, mas está quase lá. No início da próxima semana, o gigante mundial do streaming (83 milhões de assinantes em 190 países são os números oficiais) anuncia data de lançamento e maiores detalhes de sua primeira série brasileira. '3%', que chega mundo afora em novembro, é uma série em oito episódios filmada em São Paulo. Seu foco é o chamado jovem adulto, o mesmo que fez das franquias Jogos vorazes e Divergente hits mundiais.
Este, na verdade, é somente o ponto de partida. No início de setembro terminaram as filmagens do longa-metragem 'O matador', outra produção original da Netflix. Dirigido por Marcelo Galvão (Colegas), o filme é um western ambientado no cangaço – as filmagens foram em São Paulo e Pesqueira, no interior de Pernambuco.
O filme será lançado somente no ano que vem, a exemplo de duas séries de stand up comedy: 'Minha vida não faz sentido', com Felipe Neto, e 'Tamo junto', com Marco Luque.
saiba mais
Beijo gay e história de concorrente cubano chamam a atenção na estreia do The Voice Brasil
Xuxa e Netflix negociam talk show inspirado em Chelsea Handler
TV Cultura irá exibir primeiro o episódio de 'Mundo da lua' ao vivo pelo Facebook
'MasterChef: Profissionais' tem desacato a Paola Carosella e erros amadores
'3%' e 'Gilmore Girls': confira estes e mais 24 lançamentos da Netflix em novembro
As duas produções independentes concorreram com outras oito na segunda edição do prêmio (a primeira, em 2013, teve como vencedor 'Apenas o fim', de Matheus Souza). Os longas serão licenciados globalmente pela Netflix por um período de, no mínimo, um ano – estarão disponíveis no catálogo a partir de 2017.
'Ventos de agosto', por sinal, será o segundo filme de Mascaro a entrar no catálogo. Os dois longas brasileiros mais celebrados em 2016, os pernambucanos 'Boi neon', de Mascaro, e 'Aquarius', de Kleber Mendonça Filho, também fecharam acordo com a Netflix. 'Aquariu's será lançado ainda neste ano; 'Boi neon' ainda não tem data.
A Netflix chegou ao Brasil em 2011, época em que o país começava a ser apresentado aos smartphones e que as smart TVs praticamente não existiam. O Brasil foi, depois do Canadá, o primeiro mercado do hoje gigante do streaming fora dos Estados Unidos. “E ele é atualmente um de nossos maiores mercados”, garante o chefe de comunicação global da Netflix, Jonathan Friedland.
MÉXICO E FRANÇA Por que, então, países como o México e a França saíram na frente com produções locais (as séries Club de cuervos e Marseille, respectivamente)? “No começo, experimentamos com coisas pequenas de stand up, com Felipe Neto e Porta dos Fundos. O primeiro investimento maior que tivemos foi com a série documental Fearless (lançada mês passado), sobre rodeio (foi filmada nos EUA e no Brasil, na Festa de Barretos, mas seu diretor é o norte-americano Michael John Warren). A questão é que tivemos que encontrar um projeto, gente para fazê-lo. 3%, por exemplo, é uma série grande, e como é ambientado no futuro tem muitos efeitos especiais”, explica Friedland.
E foi a internet que apresentou '3%' à Netflix. A história nasceu em 2011, com um piloto de mesmo título lançado em três partes no YouTube. Na narrativa de Pedro Aguilera (que também assina a série), o que está em foco é o drama de jovens de um mundo distópico que só tem dois lados: o bom e o mau.
Quando os que vivem do “lado de cá” completam 20 anos, têm uma única chance de conseguir passar para o “lado de lá”, um lugar mais justo. Só 3% da população consegue fazer a “travessia”. O primeiro dos três episódios, o de maior repercussão, teve 620 mil visualizações no YouTube.
César Charlone ('O banheiro do papa'), uruguaio radicado no Brasil, é o diretor-geral de '3%'. “Imagina carregar nas costas o peso de dirigir a primeira produção sul-americana da Netflix”, comenta o diretor, que afirmou ter sido uma experiência bem distinta da que teve com os episódios da série global Cidade dos homens.
“Como foi a primeira experiência, foi puxado. Acredito que os próximos serão mais fáceis”, acrescentou o diretor. '3%' utilizou o estádio do Corinthians, o Itaquerão, e muitas locações na região central de São Paulo.
Protagonista da trama, Bianca Comparato afirmou que só o mote da trama é o mesmo do piloto que está no YouTube. “Mudou tudo. Os personagens são outros, e o que posso adiantar é que a história não é nada cinza (como a da internet).” Na trama, ela vive Michele, uma das candidatas a entrar na elite dos 3%. Outro nome de peso do elenco é João Miguel.
O restante é pouco conhecido. A atriz Vaneza Oliveira, baiana radicada em São Paulo que interpreta Joana, uma jovem que busca, mais do que chegar à elite, a própria sobrevivência, foi descoberta há um ano pelo Facebook. “Me acharam lá, me chamaram para um teste e três meses depois chegou o resultado”, disse ela, que até então havia participado apenas de uma websérie e um curta.
Já o elenco de O matador traz atores de diferentes nacionalidades. A história foi inspirada no livro O Cabeleira (1876), de Franklin Távora. No romance, o cangaceiro aterroriza povoados ao lado do pai, Joaquim Gomes.
Na adaptação para o site de streaming, a narrativa foi transposta para o início do século 20. Cabeleira (o ator português Diogo Morgado) é um matador que cresceu completamente isolado da civilização – abandonado quando era bebê, foi criado pelo cangaceiro Sete Orelhas (Deto Montenegro).
Quando este some, vai procurá-lo até chegar a uma cidade sem lei, governada por Monsieur Blanchard (o francês Etienne Chicot). “É lá que a história acontece”, comenta Paulo Gorgulho, que interpreta o Tenente Sobral. Ainda que o romance seja pernambucano, o filme não localiza o lugar. É apenas o sertão. O elenco ainda conta com Marat Descartes, Thais Cabral, Mel Lisboa e a portuguesa Maria de Medeiros.
Uma produção global, “só possível graças à internet”, afirma Friedland, é o que a Netflix pretende fixar como marca. Além das produções já citadas, a empresa está com três séries japonesas, e projetos em curso na Itália, Espanha, Alemanha, Argentina, Coreia do Sul e Índia. A intenção da empresa, para os próximos dois anos, é chegar a uma oferta de 50% de produções originais.
Não custa lembrar que o investimento em produções próprias teve início em 2013, com House of cards. “A língua sempre foi vista como um empecilho para a produção televisiva. O que provamos com Narcos é que a língua não é tão importante se o produto for bom. É um diretor brasileiro (José Padilha), um ator brasileiro (Wagner Moura), uma produtora francesa (Gaumont), um cenário colombiano e a língua é o espanhol”, afirma Friedland. E Narcos, segundo ele, é a maior série da Netflix. Mais até do que House of cards? “Mais, porque lá você tem os políticos, mas também os traficantes”, conclui.
A repórter viajou ao Rio de Janeiro a convite da Netflix