Coberto do sangue do porco em que havia dado cabo, Pablo Escobar tem uma conversa definitiva com o pai. Sonha com um pedacinho de terra ao lado da dele, para que os filhos possam conhecer o avô.
O velho não fala nada. O jovem se irrita e o chama de ignorante. Também diz a ele que o presidente dos Estados Unidos sabe o seu nome – e que ele, Pablo Escobar, foi um dos homens mais ricos do mundo. Abel de Jesús Escobar Echeverri pouco se abala. Encerra a conversa falando da vergonha em tê-lo como filho.
A segunda temporada de Narcos estreia hoje, na Netflix, com a seguinte missão: manter o interesse na história de um personagem que todos sabem como termina e fazer com que a narrativa sobreviva a ele.
José Padilha criou a série para mostrar a origem do narcotráfico e como ele se espalhou pelo mundo. Produtor-executivo da produção da Netflix, o brasileiro já vem falando do terceiro ano (não confirmado) da atração, que pode ser ambientada fora da Colômbia (muito provavelmente no México).
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A temporada tem início dando sequência ao encerramento da anterior, quando Escobar foge de La Catedral, a prisão de luxo que ele próprio criou para si. Do lado de fora, corre de um lugar para outro. E de novos inimigos.
O acerto de contas surge de todos os lados. A vendeta pessoal vem de Judy Moncada, a viúva de Kiko, o ex-sócio do traficante que ele matou de forma absurda. Com a fuga de Escobar, o Cartel de Cáli enxerga ali sua chance de ascender.
Juntos, eles ainda se unem aos irmãos Castaño. Líderes de um grupo paramilitar de extrema-direita, ajudam a fundar o Los Pepes (sigla para Pessoas Perseguidas por Escobar), grupo que se vale da mesma crueldade do “Patrón” para ir atrás daqueles que atuaram com ele.
Há ainda o lado oficial: o presidente da Colômbia, Cesar Gaviria, aumenta o cerco, colaborando diretamente com os Estados Unidos. Além dos dois agentes da DEA (agência americana para combate ao tráfico), Steve Murphy e Javier Peña, há um novo embaixador dos EUA e até mesmo uma figura da CIA.
Ou seja: não há como fugir. A questão é como o cerco é apresentado ao público. Narcos se vale dos mesmos artifícios da temporada anterior, quase uma assinatura das produções de Padilha.
Entremeia cenas de ação com muitos cortes e violência explícita, narração em off e muitas imagens de época (por vezes, uma cena ficcional ganha sua correspondente real).
O que é explicitado aqui, mais do que na temporada de 2015, são os próprios personagens. O Escobar de Wagner Moura (que novamente engordou para o papel e passou por novas aulas de espanhol, depois da enxurrada de críticas no primeiro ano) foi humanizado.
A mudança, que vai se intensificando na segunda parte da temporada, é enorme. Moura, com seu personagem cada vez mais encurralado e sozinho, vai se transformando: o olhar é sempre tristonho, o corpo pesado e o andar de gente que já viu dias melhores.
Escobar acaba se tornando alguém que faz tudo apenas em nome da família. Esse lado privado do personagem é enfatizado pela relação familiar, com mais nuances do que na temporada anterior.
Tata – mulher submissa que aguentou os desmandos da amante do marido – surge forte e mais dona de si, ainda que sob as nuvens que pesam sobre ela e os filhos. Uma cena do sexto episódio exemplifica essa situação.
Saindo às pressas do esconderijo nos arredores de Medellín, Escobar chega com a família a um sítio com uma casa bastante simples. É madrugada, véspera de Natal, e os filhos estão traumatizados com a troca de tiros que presenciaram. Manuela, a caçula, sente frio.
Sem pensar duas vezes, o pai pega milhares de notas no esconderijo e as joga na lareira para esquentar a criança – diz a lenda que Escobar teria queimado US$ 2 milhões em prol do bem-estar da filha.
A mudança do protagonista afeta também os outros. Os agentes Murphy e Peña (este, principalmente) começam a agir ao largo da lei. O que, de certa forma, procura tirar o maniqueísmo da situação. Ninguém é totalmente bom ou ruim. E os interesses são muitos maiores do que apenas tirar um homem do trono de rei do narcotráfico.
Sabendo que Escobar vai morrer, resta ao telespectador descobrir como (já que as biografias dele apresentam mais de uma versão da emboscada) e quando (se no último episódio ou não) isso ocorrerá.
A série segue à risca a cartilha de Padilha até os dois últimos episódios. O tom claustrofóbico de ambientes fechados dá lugar a cenários abertos (uma pastagem de fazenda, uma praça em Medellín).
Tampouco há cortes bruscos, mas sequências mais extensas, como que ilustrando a liberdade que o personagem sabe que não poderá mais ter. É nesse cenário que ocorre o embate de Escobar com o pai. Abel, ao contrário da mãe e dos irmãos do traficante, sempre foi uma nota de rodapé nas biografias de Escobar.
No momento em que a ficção sobrepõe-se à realidade – pouco se sabe o que realmente ocorreu com Escobar em seus últimos meses –, Narcos cresce como produto televisivo.
O poder
Cesar Gaviria (Raúl Méndez), presidente da Colômbia. A caça a Escobar é a principal meta. Vivo ou morto, ele precisa eliminar o traficante para continuar a governar
A perua
Judy Moncada (Cristina Umaña), viúva de Kiko Moncada, assassinado por Escobar. A morte do traficante é uma questão pessoal, pois Judy acredita que, sem ele, pode ascender no Cartel de Medellín
Os cães de caça
Steve Murphy (Boyd Holbrook) e Javier Peña (Pedro Pascal), agentes especialistas em Escobar. A captura do colombiano se tornou a única razão de suas vidas
O rival
Gilberto Orejuela (Damián Alcázar), líder do Cartel de Cáli. A eliminação de Escobar e o desmoronamento do Cartel de Medellín vão beneficiá-lo no tráfico com os EUA
NA TELONA
Depois de Narcos, Pablo Escobar continua rendendo. No dia 15, estreia Conexão Escobar, filme de Brad Furman estrelado por Bryan Cranston, Diane Kruger e John Leguizamo. Em 1985, um oficial da alfândega americana recebe a missão de trabalhar infiltrado para tentar eliminar um cartel de drogas cuja origem está em Medellín.