COVID-19 aumenta o risco de trombose?

Tendência pró-trombótica presente nos casos graves da COVID-19 foi apresentada em trabalhos chineses e depois confirmada em diversos estudos mundo afora

Narupon Promvichai/Pixabay
(foto: Narupon Promvichai/Pixabay)

A relação entre COVID-19 e trombose é complexa e ainda pouco compreendida. Sabe-se que, em pacientes graves, ocorre um processo inflamatório sistêmico e uma "tempestade de citocinas", que são substâncias responsáveis pela inflamação, desencadeando e ativando a cascata de coagulação e, por conseguinte, os fenômenos trombóticos.

Alguns pacientes com coronavírus apresentam baixas taxas de oxigênio no sangue, porém não tem falta de ar. Isso ocorre porque os pulmões estão funcionando normalmente, porém o vírus causa trombose nos pequenos vasos dos alvéolos pulmonares, dificultando a oxigenação do sangue.

Essa descoberta foi possível graças à identificação de altos níveis de dímero-D nos pacientes graves com COVID-19. A substância é produto da degradação da fibrina e sua dosagem laboratorial pode indicar processos como trombose venosa, embolia pulmonar ou sépsis em atividade.

A tendência pró-trombótica presente nos casos mais graves da COVID-19 foi inicialmente apresentada em trabalhos chineses e depois documentada e confirmada em diversos trabalhos mundo afora, sendo que uma brasileira, a pneumologista Elnara Márcia Negri, foi uma das primeiras a publicar um trabalho na revista Science.

Ao atender sua primeira paciente grave com a doença, a doutora Elnara observou, além dos problemas respiratórios, que os dedos do pé da paciente estavam arroxeados (cianose), com falta de circulação. À medida que a circulação do pé piorava, havia também uma queda da oxigenação no sangue, ou seja, havia uma relação entre a complicação respiratória e a presença da trombose na circulação.

A paciente foi tratada com heparina, um medicamento anticoagulante. Em pouco tempo, a respiração da paciente melhorou e os dedos dos pés voltaram à circulação normal.

Recentemente, porém, a atenção tem se voltado para pacientes com casos moderados da doença e que, alguns dias após a recuperação, apresentam quadros de tromboses. Esses eventos podem ser nas artérias (tromboses arteriais) ou nas veias (tromboses venosas).

Uma paciente de 71 anos, portadora de varizes em membros inferiores, compareceu ao meu consultório com relato de ter apresentado coronavírus com sintomas respiratórios, que poderiam ser classificados como moderados, e já estava plenamente recuperada há cerca de 15 dias.

Iniciou com dor e vermelhidão em varizes de ambos os membros inferiores. O exame de Doppler constatou quadro de tromboflebite superficial, sendo então iniciada terapia anticoagulante.

Outra paciente, com quadro semelhante de coronavírus, também já recuperada há cerca de 15 dias, iniciou com dor súbita em membro superior esquerdo e em membro inferior direito. Exame de Doppler constatou trombose arterial no membro superior e no membro inferior. Foi submetida a cirurgia para retirada dos trombos, e depois instituída anticoagulação adequada, tendo também uma evolução favorável.

A angiologia e cirurgia vascular apresenta-se como uma especialidade que está assumindo também um papel importante na assistência aos pacientes com coronavírus, ao lado da pneumologia e da infectologia.

Com o avanço nas pesquisas e no tratamento dos casos de COVID-19, desenvolve um papel importante tanto na prevenção, quanto no tratamento dos quadros de tromboses e suas complicações.

Não há indicação para uso de anticoagulantes de forma indiscriminada em pacientes com coronavírus, pois esses medicamentos têm efeitos colaterais graves. Somente o médico assistente pode prescrever esse medicamento.

Como em toda doença, e principalmente nessa nova, é sempre importante procurar o auxílio de médicos qualificados e bem preparados. Muito já se avançou no manejo dos pacientes com coronavírus nesse um ano de pandemia, porém há muito a se estudar e evoluir.

Há em torno dessa doença um embate político muito intenso e sobram fake news sobre o assunto. Enquanto a vacinação em larga escala ainda caminha a passos lentos, o melhor a se fazer é buscar a prevenção, em primeiro lugar, e um tratamento baseado na ciência e nos trabalhos científicos de instituições sérias. Do contrário, corre-se o risco de se tomar uma conduta errada, e até prejudicial, para a evolução do caso.