O mais recente estudo da Demografia Médica no Brasil, realizado em parceria da Universidade de São Paulo (USP) e com a colaboração entre o Conselho Federal de Medicina (CFM), trouxe informações detalhadas sobre a população de médicos e seu exercício profissional.
Dados de 2020 mostram o Brasil com 2,4 médicos por mil habitantes, a mesma taxa do Japão, México e Polônia e muito perto do Chile (2,5), Estados Unidos (2,6), Canadá (2,7) e Reino Unido (2,8), embora abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que é de 3,4 por mil habitantes.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) não possui um parâmetro específico e o governo federal utiliza como referência a proporção encontrada no Reino Unido (2,8) que, depois do Brasil, tem o maior sistema de saúde público de caráter universal orientado pela atenção básica.
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Muito desse aumento se deu por causa da política de abertura deliberada de escolas médicas e pela expansão de vagas de graduação acentuada a partir de 2013 pela Lei Mais Médicos.
Em 2018, em Belo Horizonte, tínhamos 17.906 médicos para 2,5 milhões de habitantes, o que dá uma razão de 7,09 profissionais por mil habitantes.
Esse dado mostra que precisamos que haja uma correção da distorção na distribuição dos profissionais entre interior e capital em Minas Gerais e em todo o Brasil.
Em janeiro de 2020, de todos os 478.010 médicos em atividade no Brasil, 61,3% deles possuíam um ou mais títulos de especialista, enquanto os outros 38,7% não tinham título em nenhuma especialidade.
Considerando apenas as 55 especialidades médicas oficialmente reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina e pela Associação Médica Brasileira, tínhamos 11,3% em clínica médica, 10,1% em pediatria, 8,9% em cirurgia geral, 5,9% em anestesiologia, 4,6% em medicina do trabalho, 4,1% em ortopedia e traumatologia, 4,1% em cardiologia, 3,6% em oftalmologia e 3,3% em radiologia e diagnóstico por imagem.
Quando se avalia a evolução do trabalho médico do Brasil, houve um aumento no número de horas trabalhadas por semana que geram um impacto negativo na qualidade de vida e na qualidade dos serviços e da assistência, segundos dados de 2014 e 2019.
O percentual de médicos com quatro ou mais vínculos passou de 24% para 44% em cinco anos, com 32% trabalhando mais de 60 horas por semana em 2014 e 46%, em 2019, mantendo-se os mesmos índices de trabalho em consultório próprio e plantão.
Na realidade, esse aumento da carga horária de trabalho foi visando uma manutenção de renda, pois, segundo o estudo, a percepção foi de que em anos anteriores à pesquisa, eles tiveram remuneração reduzida, condições de trabalho pioradas e carga horária aumentada.
Vale lembrar que são dados de antes da pandemia da COVID-19, que com certeza agravou este cenário.
O futuro da medicina tem sido determinado pelos rumos do sistema de saúde, pelas escolhas individuais dos médicos, pelo mercado, pelas políticas públicas e atualmente pela inteligência artificial que pode melhorar a qualificação e a sobrecarga existente.
Um médico artificial conceitualmente seria um médico que não é natural, um médico dotado de inteligência artificial, um robô.
O conceito de inteligência artificial (I.A.) refere-se a um conjunto de métodos voltados a construir um intelecto similar ao humano, isto é, capaz de aprender e realizar intervenções práticas.
Tudo acontece graças ao suporte de tecnologias como big data, machine learning e algoritmos sofisticados.
Estamos diante de um período da história em que as revoluções ocorrem com uma frequência quase que diária, os avanços são cada vez mais rápidos e o que é moderno hoje pode se tornar ultrapassado semana que vem e obsoleto daqui a alguns meses.
Há centenas de anos, a humanidade sonha com objetos dotados de certa inteligência, capazes de executar ações complexas e de pensar.
Surgida em meados dos anos 1960, a popularmente chamada I.A. consistia em equipamentos, máquinas e robôs com capacidade de entender, processar e executar funções automatizadas, antes feitas apenas por pessoas.
O ser humano apresenta uma capacidade de raciocinar com base nas suas percepções e sensações, assimilar esse pensamento, conectar com experiências anteriores e, por fim, executar uma tarefa.
A ideia seria integrar essas capacidades em máquinas que ajudariam as pessoas em funções específicas ou até mesmo substituiriam pessoas em suas funções, liberando essa pessoa para outra tarefa mais complexa.
Os especialistas afirmam que não vêem as máquinas substituindo os médicos, nem agora e nem no futuro, e que essa não é a meta das aplicações de inteligência artificial na área da saúde, pois a inteligência artificial não substitui seres humanos em tarefas que exigem tomada de decisão.
O que vai ocorrer é a substituição da forma de realizar as tarefas, mudando o jeito como elas são feitas e desempenhadas. A inteligência artificial vai ser tornar, assim, o novo estetoscópio dos médicos que precisam se reinventar, aprimorar e evoluir mais do que nunca.
Do smartwatch que registra os batimentos cardíacos e pode salvar vidas até um complexo algoritmo capaz de diagnosticar pacientes através da análise de exames, a tecnologia está cada vez mais presente no setor da saúde.
Mais do que só tecnologia, a inteligência artificial vem sendo cada vez mais discutida e implementada na área, trazendo ganhos significativos. Segundo dados do CB Insights, há centenas de startups de inteligência artificial que atuam no setor de saúde e movimentam bilhões desde 2013.
A palavra que define hoje a I.A. na medicina é suporte. Tal qual todos os exames que temos à disposição na prática clínica diária, os sistemas já conseguem ser precisos em avaliações.
Hoje, softwares são capazes de diagnosticar pacientes em tempo recorde e com uma precisão maior do que a alcançada por médicos humanos - o que não significa que as máquinas estão substituindo os homens.
As máquinas têm uma capacidade de processamento muito maior e não contam com o fator cansaço, o que faz com que os erros de diagnóstico sejam menores, ao mesmo tempo que apenas o ser humano tem uma sutileza na condução do diagnóstico que algoritmo nenhum consegue ter.
Um ponto muito importante é que a inteligência artificial precisa da inteligência médica para ser assertiva e, de fato, inteligente.
Para atingir feitos como o rápido e preciso diagnóstico, as máquinas precisam de uma grande base de dados para aprender e serem treinadas.
Dentre esse dados, estão exames e prontuários médicos que pertencem ao paciente. Qualquer uso sem autorização prévia pode gerar punições na esfera legal.
De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que entrou em vigor em agosto de 2021, informações relacionadas à saúde dos cidadãos são consideradas dados pessoais sensíveis, o que exige um maior cuidado por parte dos coletores e tratadores de informações.
O uso compartilhado desse tipo de informação com objetivo de obter vantagem econômica, por exemplo, é vedado pela lei.
Em um cenário futuro, especialistas acreditam que as pessoas farão uma espécie de doação de dados como fazem doação de sangue hoje em dia.
No Brasil, foi criado o projeto de lei 21/2020 para regular o uso da inteligência artificial na medicina. O texto visava definir os direitos e deveres de empresas, pessoas físicas, poder público e clínicas que têm a intenção de utilizar essa tecnologia.
Entre os fundamentos abordados na lei estão os direitos humanos, a pluralidade, a igualdade, a não discriminação, a livre iniciativa e a privacidade.
Apesar da I.A. ter o potencial de melhorar quase todos os aspectos do setor de atendimento em saúde, muitos médicos ainda são céticos sobre o que vai acontecer.
O ceticismo tem origem de preocupações que esses tipos de mudança podem resultar no fim da relação médico-paciente e na perda da vocação da medicina como nós conhecemos.
Teoricamente, a partir do momento que as tarefas repetitivas forem automatizadas por soluções baseadas em IA, os médico teriam mais tempo para atividades de mais alto valor agregado, como falar com pacientes sobre seu diagnóstico e discutir a diversas opções de tratamento com mais calma.
Infelizmente os planos de saúde, os consórcios, hospitais e empresas de saúde não parecem estar preocupados com a vocação e valorização do médico.
Claro que ainda não existem robôs capazes de substituir o trabalho médico em sua totalidade, mas é inegável que isso irá acontecer. Porém, a questão ainda é mais ética e menos tecnológica.
Quando você vai ao médico, você está colocando sua vida sob responsabilidade de outra pessoa. Os softwares não têm esse comprometimento e nem são capazes de responder por isso.
Humanos são muito bons em estabelecer conexões emocionais, expressar empatia, e dar diagnóstico centrado no paciente e estratégias de tratamento adequadas.
A inteligência artificial vai nos ajudar cada vez mais a individualizar os tratamentos. O que a medicina precisa é que a inteligência artificial e a inteligência médica andem lado a lado, de mãos dadas com o médico como um verdadeiro maestro dessas novas tecnologias.
*Gustavo Safe é diretor do grupo formado pelo Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Ovular fertilidade e menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados à saúde da mulher com enfoque na ginecologia integral e funcional, no câncer, na dor pélvica, infertilidade, preservação da fertilidade, endometriose, endoscopia ginecológica e cirurgias minimamente invasivas.
Se você tem dúvidas ou quer sugerir tema para a coluna, envie e-mail para gustavo_safe@yahoo.com.