Apesar da endometriose ter sido descrita por Hipócrates há 400 anos A.C., ser a primeira doença a ter um congresso mundial e possuir um dos maiores números de publicações cientificas na atualidade, ela ainda é considerada por muitos uma doença enigmática.
Realmente é desafiadora no diagnóstico, devido ao atraso de até 10 anos no controle dos seus sintomas e efeitos colaterais dos tratamentos, na complexidade do tratamento cirúrgico e na dificuldade reprodutiva que provoca.
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Por isso é preciso trabalhar em equipe. Unir os melhores exames diagnósticos, os melhores medicamentos, os melhores equipamentos cirúrgicos e os melhores profissionais. Juntos somos mais fortes!
A medicina baseada em evidência coloca claramente a importância de uma equipe multidisciplinar para o sucesso do tratamento da endometriose (Evidência A).
A multidisciplinaridade corresponde à busca da integração de conhecimentos por meio do estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina ou por várias delas ao mesmo tempo.
Infelizmente não é isso o que acontece em muitos lugares do Brasil e do mundo.
O atendimento adequado à portadora de endometriose não é accessível a todas as mulheres, pela escassez de bons profissionais e centros especializados, seja nas capitais do Brasil ou no interior. Encontrar profissionais especialistas que atendam pelo SUS ou plano de saúde é complicado.
Foi pensando nisso que participei da fundação, em 1998, do primeiro Centro de Endometriose do Brasil em Belo Horizonte, o CENDO, com o objetivo de oferecer em um só lugar um tratamento de excelência na abordagem da endometriose.
Naquele momento oferecemos atendimento especializado para as portadoras de endometriose através de planos de saúde, particular e até sem ônus. O não reconhecimento pelos planos, a péssima remuneração e as condições inadequadas de se realizar cirurgia com excelência inviabilizaram o projeto após alguns anos.
O mundo científico só começou a perceber os reais benefícios de uma equipe multidisciplinar a partir de 2008, na época do Congresso Mundial de Endometriose, em Melbourne, na Austrália. Durante o evento foram lançadas propostas para desenvolvimento de abordagens de excelência em três diferentes níveis.
No primeiro nível um ginecologista estudioso da endometriose deveria ser capaz de entender, diagnosticar, abordar e tratar a doença adequadamente, inclusive realizando cirurgias de alta complexidade de forma minimamente invasiva.
Um especialista da endometriose
O cirurgião ginecologista especialista da endometriose precisa ser um cirurgião pélvico e ter conhecimento da anatomia, da fisiologia, das técnicas cirúrgicas e das diferentes vias de acesso para tratar não só o útero e os anexos.
No segundo nível, o especialista coordenaria uma equipe multidisciplinar na abordagem da endometriose com interação e trocas de conhecimento. Teríamos assim um atendimento centralizado com um funcionamento coordenado e harmônico.
Um centro de endometriose
Esse cirurgião da endometriose, por melhor formado que seja e por mais experiência que tenha, precisa contar com apoio de especialistas em cirurgias do aparelho intestinal (cirurgião geral, coloproctológico, oncológico), cirurgia do aparelho urinário (urologista), cirurgia do aparelho vascular e torácico, não só para dividir responsabilidades, mas para aprimorar os conhecimentos, as técnicas e cuidados que vão garantir a segurança e o sucesso do tratamento cirúrgico da endometriose.
No terceiro nível, a preocupação seria a de ensinar e divulgar essa abordagem especializada através de cursos e publicações com parcerias com hospitais, clínicas e faculdades.
Foi com esse intuito que fundamos em 2014, em Belo Horizonte, o Centro Avançado de Endometriose e preservação da fertilidade (CAE) e, logo em seguida, o curso para formação do médico especialista em endometriose.
Um dos pilares tem sido gerar crescimento e aprendizado entre os membros de forma contínua e saudável com um grupo unido e fraterno, capaz de seguir esse legado iniciado pelo meu pai, doutor Jorge Safe, por muitos e muitos anos.
Uma equipe multidiciplinar amadurece e melhora cada vez mais a sua abordagem, diminuindo as taxas de complicação e aumentando o sucesso nos tratamentos, sempre com o objetivo comum de individualizar a portadora de endometriose na busca pela cura.
Esse sucesso começa com cuidados importantes no atendimento da paciente pelas secretárias, administradoras que entendem a dor e o peso que elas carregam. No tratamento temos a ajuda de médicos (anestesista, cardiologista, clínico, infertileuta), fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista, acupunturista, técnicos e enfermeiros.
É preciso mobilização para que esses profissionais sejam reconhecidos e valorizados por todos, em especial pelos planos de saúde e pacientes. Assim como o cirurgião especialista da endometriose precisa entender também de dor e infertilidade, o mesmo acontece com a nutricionista, a fisioterapeuta, a acupunturista e a psicóloga que precisam ampliar o conhecimento adquirido na faculdade através de congressos, cursos e pós-graduações.
O dia da luta contra a endometriose no Brasil é o dia 13 de março, mês amarelo, mês da concientização. Neste ano de 2022, o objetivo do CAE será divulgar e valorizar a importância dos tratamentos multidiciplinares, ajudando as mulheres a ter acesso a eles. Contamos com a ajuda de todos.
*Gustavo Safe é diretor do grupo formado pelo Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Ovular fertilidade e menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados à saúde da mulher com enfoque na ginecologia integral e funcional, câncer, dor pélvica, infertilidade, preservação da fertilidade, endometriose, endoscopia ginecológica e cirurgias minimamente invasivas.