A endometriose parece estar cada vez mais prevalente (número de casos existentes de uma doença em um dado momento, antigos e novos) o que gera um questionamento se o seu aumento seria decorrente de fatores de risco (mulher moderna que menstrua cada vez mais, retarda a gestação, amamenta menos e tem menos filhos), se estamos fazendo mais diagnósticos devido a melhora dos métodos propedêuticos ou ambos.
A endometriose tem como padrão ouro para se fazer o diagnóstico o procedimento cirúrgico (Laparoscopia) através da visualização e do estudo histopatológico das biópsia realizadas, embora nos dias de hoje o papel da cirurgia seja de confirmar, estadiar e tratar a doença adequadamente em um mesmo tempo cirúrgico.
Na prática percebo que a incidência (frequência com que surgem novos casos de uma doença num intervalo de tempo) parece continuar a mesma, principalmente pela falta de trabalhos e meios diagnósticos não invasivos, baratos e reprodutíveis capazes de dizer o contrário.
Em contrapartida é visível no nosso dia a dia como a gravidade dos casos vêm aumentado com diagnósticos ainda tardios apesar de todas as tentativas em divulgar e conscientizar sobre a doença.
Se digitarmos hoje em um site de busca de artigos médicos (Pub med) a palavra endometriose e infertilidade, teremos mais de 1500 artigos disponíveis nos últimos 5 anos, pesquisas com objetivo de nos ajudar a dar novas respostas a velhas perguntas.
Endometriose provoca infertilidade? Sim.
Existe uma relação positiva entre endometriose e infertilidade primária (mulher que nunca engravidou) em 26 a 39% dos casos. Se considerarmos infertilidade secundária (mulher que já engravidou), os valores são de 12 a 25% dos casos segundo dados da literatura quando afastada outras causas.
As mulheres modernas estão tendo mais dificuldade para engravidar devido a endometriose? Sim.
A endometriose está mais prevalente e em estágios mais avançados associado ao fato de que as mulheres estão deixando para ter filhos mais velhas. A idade é o principal fator de risco para desenvolver endometriose e infertilidade.
A endometriose deve ser considerada como um problema sistêmico em relação as questões reprodutivas independente de onde esteja (doença peritoneal, infiltrativa retroperitônio, ovariana ou intestinal) estando presente em até 45% das mulheres inférteis no cenário atual.
Possíveis mecanismos de infertilidade provocado pela endometriose são a distorção anatômica, diminuição da reserva ovariana, baixa qualidade oocitária e embrionária, implantação deficiente, fluido peritonial com altas concentrações de citocinas, fatores de crescimento com macrófagos ativados, efeito tóxico na função dos espermatozoides e na sobrevivência do embrião, expressão aberrante de genes no endométrio eutópico e ectópico.
A fertilização in vitro (FIV) tem melhorado as taxas de gravidez nestas mulheres? Sim.
Vários estudos mostram que apesar das pacientes com endometriose submetidas a FIV apresentam piores taxas de fecundação, maior taxas de perdas gestacionais, menores taxas de implantação e taxa aumentada de complicações obstétricas (aumento nas taxas de trabalho de parto prematuro, ciur, pré-eclampsia,...) em relação as mulheres sem endometrioses, a FIV otimiza e muito a gestação sem provocar perda de tempo, fator prognóstico importante neste processo.
Apesar dos grandes avanços nas técnicas de reprodução assistida os resultados nestes grupos de pacientes com endometrioses continuam desafiadores com melhora apenas quando realizamos um bloqueio prolongado da doença por 3-6 meses com medicação (análogo do Gnrh) ou após a realização de uma cirurgia inicialmente ótima ou subótima.
O advento de novas tecnologias, a melhora das habilidades cirúrgicas tem ajudado as mulheres com endometriose a engravidar? Sim.
A cirurgia tem papel importante em tratar a endometriose, restabelecer a anatomia, aliviar a dor e diminuir a resposta inflamatória provocada pela endometriose, otimizando a gravidez.
O acesso laparoscópico (robótico opcional), a melhora do treinamento dos cirurgiões, a formação de equipes cirúrgicas multidisciplinares e o melhor planejamento cirúrgico tem contribuído para o maior sucesso reprodutivo destas pacientes tratadas em relação as não tratadas, otimizando a gravidez em ciclos naturais e induzidos com eventual ajuda da FIV.
Um artigo de revisão sistemática e metaanálise recentemente publicado por no JMIG no final de 2021 deixa claro que existem evidências suficientes para mostrar que a cirurgia da endometriose melhora os resultados antes da FIV, diferente do que vinha sendo difundido por especialistas.
Um dos segredos consiste em tentar não postergar a gravidez após realizar uma cirurgia, pois temos maior sucesso e menor recidiva em comparação às pacientes operadas que aguardaram alguns anos para engravidar.
O estadiamento da endometriose associado a fatores prognósticos como idade, reserva ovariana, paridade e fator masculino tem pesos diferentes mas ajudam na seleção daquelas pacientes que se beneficiariam mais rapidamente da reprodução assistida!
Publicada no D.O.U dia 19.11.92-seção I, página 16053, as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida tem como um dos principios gerais:
"As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade".
Importante ressaltar ainda que a FIV não é tratamento de endometriose!
Ela é uma ferramenta muito importante na abordagem da infertilidade em pacientes com endometriose!
Apesar do aumento do número de clínicas de reprodução assistida os valores ainda são elevados (decorrente dos custos altos e dolarizados de alguns materiais e equipamentos além das muitas exigências para se manter uma clínica segundo as normativas da Anvisa) e os procedimentos não são contemplados pelos planos de saúde e muito menos pelo SUS.
Da mesma forma precisamos pontuar que a gravidez também não é tratamento da endometrioses. Algumas mulheres têm a doença controlada durante a gestação mas com riscos obstétricos elevados.
Alguns desses riscos são a placentação anômala, abortos espontâneos, pré-eclâmpsia, retardo de crescimento intra-uterino, placenta prévia, descolamento prematuro de placenta, hemorrágias anteparto, parto prematuro, ruptura uterina, cesariana, recém-nascido de baixo peso, natimorto e hemorragias pós-parto.
A mulher moderna hoje tem mais conhecimento devido a globalização e é muito mais exigente que a mulher do passado, exigindo cada vez mais dos profissionais resultados melhores.
Nós profissionais da saúde não temos obrigação de fim e sim de meio, ou seja, oferecer a melhor assistência à paciente com informações relevantes para que ela possa decidir a melhor forma e de alcançar seus objetivos de acordo com as evidências.
No inicio tínhamos a medicina baseada em experiência que foi subtituida nos últimos 30 anos pela medicina baseada em evidência que gradativamente vem sendo substituída pela medicina baseada em inteligência (juntar experiência com evidência e individualização).
Em um futuro próximo, a inteligência artificial (computador) vai nos ajudar a analizar todas as variáveis de uma pessoa, selecionando não necessariamente o melhor estudo com as melhores evidências e sim o que melhor atende aquela paciente de forma individualizada.
*Gustavo Safe é diretor do grupo formado pelo Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Ovular fertilidade e menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados à saúde da mulher com enfoque na ginecologia integral e funcional, câncer, dor pélvica, infertilidade, preservação da fertilidade, endometriose, endoscopia ginecológica e cirurgias minimamente invasivas.
Se você tem dúvidas ou quer sugerir tema para a coluna, envie e-mail para gustavo_safe@yahoo.com