No dia a dia da clínica, oriento as pacientes que a fertilidade pode ser comparada a um sinal de trânsito. A partir dos 30 anos temos um sinal verde que significa seguir em frente, ou seja, liberado para engravidar. O sinal amarelo, que significa atenção, reduzir a velocidade, quando comparado à reprodução, está relacionado a uma diminuição da fertilidade após os 35 anos de idade, com chances de precisar de ajuda. Após os 40 anos de idade, temos o sinal vermelho, que significa parar, pois as elevadas taxas de aborto, associadas à baixa taxa de fertilidade, sinalizam a possibilidade de insucesso ou a necessidade de ajuda (reprodução assistida).
Neste caso, a idade está sendo a nossa referência, pois ela está relacionada a uma menor quantidade e qualidade do óvulo. Para avaliar a quantidade, utilizamos de forma objetiva o hormônio anti-mulleriano (AMH), a contagem de folículos antrais (CFA) e o FSH. O hormônio anti-mulleriano (AMH) pode ser dosado em qualquer época do ciclo, apesar de apresentar uma variação intra-ciclo de até 20%, com valores absolutos considerados baixos abaixo de 1, e altos acima de 4. Esta análise deve ser associada a uma análise da CFA no inicio do ciclo através do US, que não é invasiva, com resultado imediato que reflete o ver para crer, sendo considerados baixos valores abaixo de 5, e altos acima de 20 folículos.
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Postergar a menopausa: mito ou realidadeA Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) e suas contradiçõesMulher com cólon irritável, fibromialgia e fadiga crônica: corpo ou mente?A fertilidade e a sexualidade, bem como a qualidade de vida, são importantes aspectos a serem valorizados em sobreviventes de neoplasias malignas. Um dos mais importantes e, mesmo assim, um dos maiores problemas que começam a ser resolvidos na medicina reprodutiva, é o da preservação ovariana. As opções que temos hoje para preservar a fertilidade são o congelamento do embrião, do oócito maduro (M2 - mais sensível), do oócito imaturo (M1 - menos sensível) e do tecido ovariano.
Criobiologia é o estudo dos efeitos de temperaturas ultra-baixas em sistemas biológicos, tais como células ou organismos, que apresentou um grande avanço nos últimos anos com a vitrificação de óvulos e embriões. A técnica de vitrificação foi criada pelo doutor Masashige Kwayama, da Clínica Kato, em Tóquio, no Japão, e chama atenção pela rapidez com que atinge baixa temperatura (-196º), produzindo um estado vítreo no embrião ou óvulo, e impedindo a formação de cristais de gelo e os consequentes danos celulares.
A velocidade da diminuição de temperatura no congelamento por vitrificação é de 23ºC por minuto, ou seja, 70 vezes mais rápido. Os óvulos congelados ficam então armazenados em um cilindro de nitrogênio líquido mantido a -196º. Para congelar o embrião, é preciso ter um parceiro e utilizar-se de uma técnica de reprodução assistida com taxa de sucesso no descongelamento superior a 80%. Para congelar oócitos, é preciso que eles sejam maduros, mas as taxas de sobrevida após descongelamento não são boas, com índice de 60%. Embora seja possível fazer a maturação in vitro de oócitos imaturos, este ainda é um procedimento experimental, apesar de termos nascimentos neste formato já registrados.
Os avanços da preservação da fertilidade em pacientes com câncer impulsionou a perspectiva de uma preservação da fertilidade social. Neste caso, a mulher pode postergar a maternidade e realizar todos os seus projetos. Na rede social, percebemos a #trintou, congelou. O processo para congelar óvulos não é complicado e sim delicado, sem cobertura por planos de saúde, com custos ainda elevados, dificultando a sua popularização.
Inicialmente, é importante deixar o ovário parado, geralmente com uso de um anticoncepcional. Após a interrupção do anticoncepcional, a menstruação chega e, então, inicia-se o uso de uma medicação para estimular os ovários a produzir folículos que irão crescer até um tamanho pré-ovulatório. Neste momento, realiza-se o uso de uma medicação para amadurecer o óvulo. 36 horas depois, a paciente é submetida a uma punção guiada por US, com sedação, para retirada dos óvulos que serão congelados em laboratório (BCTG- banco de célula, tecido e gametas).
Qual é o número ideal de óvulos para garantir um embrião no futuro? Valoreli et al no Cur Opin, em 2018, mostrou que 16 oócitos maduros em uma paciente com 35 anos tem 100% de chance de gerar 1 blastocisto euplóide. Paciente entre 35 e 37 anos precisaria de 25 oócitos e entre 38 e 40 precisaria de 50 oócitos maduros.
Para congelar o tecido ovariano, é preciso uma cirurgia e utilizar congelamento lento, também em pacientes jovens com menos de 37 anos, para, no futuro, após descongelar, reimplantar de forma ortotópica (mesmo local original). O desafio é a viabilização deste implante sem perda da reserva.
A preservação do tecido ovariano teve início com o isolamento de folículos em tecido criopreservado em 1995 e com a realização de eventos, em 1997, na Bélgica. Algumas publicações, em 1998, pelo professor Jacques Donnez na Human Reproduction Update, já com banco de ovário funcionante na UCL- Clinique Saint Luc, Bruxelas.
O nascimento do primeiro bebê, em 2004, a partir desta técnica, desencadeou todo um processo, até que em 2019 o comitê da ASRM definiu que esta tecnologia não seria mais experimental, assim como a ESHRE, na Europa. Para viabilizar este procedimento, já disponível no Brasil em algumas capitais, como Belo Horizonte, se faz necessário seguir protocolos já bem estabelecidos, como uma boa avaliação psicológica, individualizar riscos e benefícios para a mulher, afastar a possibilidade de transmissão de problemas genéticos e de reimplante de células cancerosas.
Indicações na mulher pré-púbere são o risco de falência prematura e ausência de ativação genética ovariana. Indicação em casos de câncer pélvico ou extra-pélvico, é devido à gonadotoxidade que depende da idade da paciente, da reserva folicular, da dose e do tipo do quimioterápico, sendo piores os agentes alquilantes. A radioterapia com irradiação total, abdominal e pélvica, com dose acima de 24 gy, determina risco de dano moderado a alto, principalmente se associado à quimioterapia. Nos grandes centros mundiais, as maiores indicações têm sido os linfomas, a leucemia e o câncer de mama.
Existem três opções em relação à preservação do tecido ovariano/ovário nos dias atuais. Uma opção é o retransplante vascular de todo o ovário; outra é a de transplante avascular de fragmentos congelados, e a terceira é o isolamento de folículos deste tecido que seriam reimplantados em um ovário artificial, no caso de existir risco de transplantar células de câncer na paciente.
Inaugurado recentemente na Espanha o IVI Regenera Ovário, centro de excelência em rejuvenescimento ovárico, traz duas novas opções: a injeção de células tronco na artéria ovariana e a ativação oocitária com plasma enriquecido com fatores de crescimento (ASCOT-1 e OFFa).
A preservação da fertilidade é hoje uma realidade que, se bem planejada, deve fazer parte do planejamento de todas as mulheres que desejam proteger a sua fertilidade. O sucesso depende de vários fatores prognósticos, como a idade, a reserva ovariana, o tipo de tratamento para câncer, a técnica de reimplante, alem de uma correta seleção dos casos e com o aval de uma equipe multidiciplinar, composta por oncologistas, ginecologistas, biologistas, psicologistas, entre outros.
*Gustavo Safe é diretor do grupo formado pelo Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Ovular fertilidade e menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados à saúde da mulher com enfoque na dor pélvica, infertilidade, preservação da fertilidade, endometriose, endoscopia ginecológica e cirurgias minimamente invasivas.
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