Poluição do ar como um fator de risco cardiovascular emergente

A poluição do ar é um fator de risco cardiovascular tão importante quanto a hipertensão arterial, o colesterol elevado e o tabagismo

11/12/2022 06:00
Evandro Guimarães 
Membro titular Soc.Bras.de Cardiologia e Fellow da Soc.Europeia de Cardiologia

Marcin Jozwiak/Pexels
(foto: Marcin Jozwiak/Pexels)


Um parecer conjunto da WHF (Federação Mundial do Coração), do ACC (Colégio Americano de Cardiologia), da AHA ( Associação Americana do Coração) e da ESC (Sociedade Européia de Cardiologia ) nos mostram nesse artigo a importância de se preocupar com a poluição atmosférica e considerá-la como um fator de risco cardiovascular.

Estima -se que a poluição do ar é um importante contribuinte global para a carga de doenças, sendo responsável por 12% de todos os óbitos em 2019. A poluição do ar intradomiciliar é principalmente preocupante em países de baixa renda, onde combustíveis poluentes (carvão, madeira, resíduos agrícolas, esterco de animais) são usados para cozinhar e aquecer. Em 2019, em todo mundo, quase 20% das mortes por doenças cardiovasculares foram atribuídas à poluição do ar, que foi considerada o quarto maior fator de risco para mortalidade, com mais óbitos atribuíveis a ela do que ao LDL colesterol elevado, e à inatividade física ou consumo de álcool.

O reconhecimento da poluição do ar como fator de risco modificável, ainda no momento, é baixa entre os profissionais de saúde. O objetivo desse grupo é gerar conscientização sobre o impacto da poluição do ar nas doenças cardiovasculares como uma maneira de atingir a meta estabelecida pela World Heart Federation de reduzir em 25% as mortes cardiovasculares prematuras em 2025.

A poluição do ar é uma mistura complexa e dinâmica, de vários compostos em forma de vapores e partículas sólidas, originados de fontes diversas, sujeitos à transformação atmosférica e a variação no espaço e no tempo. Três poluentes comuns do ar - micropartículas (MP), ozônio e dióxido de nitrogênio (NO2) - são o foco da maioria dos programas de monitoramento, iniciativas de comunicação, avaliações do impacto na saúde e esforços regulatórios.

A evidência do impacto nas doenças cardiovasculares é mais consistente para as micropartículas (MP), responsáveis pela grande maioria da carga de doenças por seu impacto na cardiopatia isquêmica (Infarto, angina) e no derrame cerebral, bem como em câncer de pulmão e enfisema. A poluição do ar pelas MP tem sido associada à progressão da aterosclerose. O ozônio está associado principalmente à exacerbação de doenças respiratórias , principalmente enfisema pulmonar.

Uma declaração científica da Associação Americana do Coração (AHA) forneceu uma descrição detalhada dos mecanismos fisiopatológicos pelos quais as MP deflagram eventos cardiovasculares. Complexamente, isso inclui a ativação do estresse oxidativo e inflamação e desequilíbrio autonômico, bem como a translocação de componentes da mistura de MP (partículas ultra finas ou componentes específicos), para a circulação sistêmica.

Essas alterações, por sua vez, promovem doença cardiovascular subclínica, como o remodelamento miocárdico, progressão da aterosclerose, hipertensão sistêmica e pulmonar, aumento da vasoconstricção e da coagulação. Posteriormente, inicia-se a fase de eventos cardiovasculares trombóticos e não trombóticos agudos (Infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca descompensada, derrame cerebral, arritmias graves). Tudo isso muito semelhante ao efeito do LDL colesterol e da glicose elevada nos vasos sanguíneos.

Por tudo isso a redução da poluição do ar oferece uma grande oportunidade para reduzir equitativamente as doenças cardiovasculares. A experiencia também indica um claro caminho a seguir. Nos Estados Unidos , as reduções nas concentrações de MP resultantes de várias ações regulatórias e tecnológicas foram responsáveis por um aumento observado de até 15% na expectativa de vida nas últimas décadas.

Todas essas entidades citadas acima trabalharão no sentido de que se chegue através de congressos, ou através de diretrizes, orientações aos profissionais de saúde, como lidar com os poluentes do ar.

Acreditamos que, em muito breve, haverá um consenso das nossas associações de saúde de todo o mundo, considerando a poluição do ar como um fator de risco cardiovascular, tão importante quanto a hipertensão arterial, o colesterol elevado e o tabagismo.

Referência: European Heart Journal. Volume 4 No 2.Junho 2021. 1460-1463 doi 101093/eurheartj/ehaa1025