Hemofilia: conheça os desafios de tratar pacientes de uma doença sem cura

Doença hemorrágica ocorre pela falta de um fator coagulante no sangue; medicina no Brasil tem tido avanços no tratamento

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No dia 4 de janeiro, foi celebrado o Dia do Hemofílico no Brasil, com o objetivo de conscientizar a população sobre essa doença rara (foto: tOrange.biz)

As doenças raras não são menos importantes. O desafio da medicina é entender e atender a necessidade de todos. No dia 4 de janeiro, foi celebrado o Dia do Hemofílico no Brasil, com o objetivo de conscientizar a população sobre essa doença rara. Os irmãos Betinho, Henfil e Chico Mário ficaram famosos por suas ações de sociólogo e ativista dos direitos humanos, cartunista e músico, mas também compartilharam a luta contra essa doença e suas repercussões. Betinho contraiu HIV através de uma das transfusões (eventos que inclusive impulsionaram o maior controle dos bancos de sangue).

Para que essa doença tão conhecida na década de 80 não caia no esquecimento, abri  esse espaço para Suely Rezende, médica hematologista e professora da Faculdade de Medicina da UFMG, falar um pouco mais sobre o tema.

“Esta data é uma oportunidade para melhorar o conhecimento sobre a hemofilia, seu tratamento e celebrar novos avanços alcançados recentemente no Brasil. A hemofilia congênita, responsável pela maior parte dos casos de hemofilia, é uma doença hemorrágica decorrente da falta do fator VIII (hemofilia A) ou IX (hemofilia B) da coagulação. Os sangramentos nas articulações (hemartroses) e musculares (hematomas) são os principais sinais da doença. 

A hemofilia é transmitida geneticamente quase que exclusivamente aos homens por mãe portadora do gene da doença. É uma doença que não tem cura e, para sua sobrevivência, os pacientes precisam de infusões venosas frequentes (1 a 3 vezes por semana) de concentrados de fator VIII e fator IX, itens necessários para a coagulação sanguínea. Esses fatores são necessários para conter sangramentos e manter a integridade do corpo.

Pacientes com as formas grave e moderada da doença, quando não tratados adequadamente, podem desenvolver alterações nas articulações (artropatia hemofílica) que podem levar à invalidez permanente.

No Brasil, praticamente a totalidade dos pacientes com hemofilia são tratados no Sistema Único de Sáude (SUS) – o que é uma grande conquista para um país, levando em conta os altos custos do tratamento. A condução da política de assistência aos pacientes com hemofilia é de responsabilidade da Coordenação Geral de Sangue e Hemoderivados (CGSH) do Ministério da Saúde (MS). 

Em 2019, a CGSH/MS investiu aproximadamente R$ 1,3 bilhão na aquisição de medicamentos para o tratamento das hemofilias e doenças afins. O MS compra os medicamentos e esses são distribuídos nos centros estaduais de hemofilia, onde os pacientes são atendidos por equipes multiprofissionais

A população de pacientes com hemofilia no Brasil é de aproximadamente 13.000, sendo esta a quarta maior população mundial de pacientes com a doença, de acordo com dados da World Federation of Hemophilia.

Nos últimos 10 anos houve um investimento importante no programa de assistência aos pacientes com hemofilia, o que possibilitou a implantação de diversas ações de melhoria no diagnóstico através de treinamento de recursos humanos e inclusão de mais procedimentos realizados pelo SUS; no cadastro e monitoramento através da criação de um registro informatizado de pacientes via internet e do incremento da aquisição de medicamentos o que possibilitou a implantação de tratamento domiciliar pleno, profilaxia, tratamento de imunotolerância para pacientes que desenvolveram defesa ou alergias contra o fator infundido e incorporação de novos fármacos. 

O Brasil foi reconhecido internacionalmente por meio de duas premiações recentes, da World Federation of Hemophilia em 2015 e da American Society of Hematology em 2019. Esses prêmios são devido as ações que proporcionaram a redução da mortalidade em pacientes com hemofilia no Brasil desde 2009.

Apesar desses avanços, é preciso seguir inovando e incorporando novas tecnologias. Em 2019,  a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS recomendou a incorporação do medicamento emicizumabe para pacientes com hemofilia e aloanticorpos contra o fator VIII que não responderam ao tratamento de imunotolerância. Essa incorporação, que é custo-efetiva, proporcionará o melhor tratamento disponível para esses pacientes.

Nos próximos 5-10 anos, com o advento de novos medicamentos que se encontram em estudo clínico (tais como fitusiran, concizumabe e outros) e da terapia gênica, vamos vivenciar uma revolução no tratamento das hemofilias. Assim, o elenco de opções terapêuticas para os pacientes com hemofilia será ainda mais extenso e completo."

* Suely Meireles Rezende é médica hematologista e professora associada do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. É PhD pelo Imperial College London, Reino Unido e pós-doutora pela Leiden University Medical Center, Holanda. É colaboradora do Ministério da Saúde

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