O diagnóstico de um câncer possui uma carga de medo e expectativa de sofrimento, o que coloca o paciente frente a frente com sua espiritualidade, fazendo-o experimentar emoções novas e, por vezes, confusas. Nesta semana, a acadêmica de medicina Ana Paula Alves Amaral vem trazer reflexões sobre esse tema.
De fato, espera-se que o câncer vá além da esfera física e comprometa também o bem-estar psíquico do indivíduo frente a tantas incertezas e mudanças importantes que requerem adaptações. Nesse contexto, é importante a estruturação de um copyng, isso é, um conjunto de estratégias de enfrentamento para lidar com situações estressantes. Uma das maneiras de copyng é voltar à busca pela força de enfrentamento a partir do exercício da espiritualidade. Mas você sabe o que é espiritualidade?
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Em uma pesquisa realizada com 31 sobreviventes do câncer no Canadá, a espiritualidade foi expressa como um fenômeno que se conectou com raízes e culturas tradicionais, fundiu o corpo e a mente, e deu significado, força e fé na jornada do câncer. Isso seria um exemplo claro do chamado copying religioso-espiritual, que envolve a capacidade da pessoa encontrar significado na vida e para a vida a partir de uma conexão mais profunda com algo que acredita.
Nesse cenário, diversas pesquisas estudam a relação entre espiritualidade e a doença. Uma revisão de literatura, feita em 2018, constatou que a espiritualidade, além de interferir na qualidade de vida, auxilia na redução da depressão e da ansiedade geradas pelo câncer. Outro estudo, de 2014, demonstrou que a prece é uma estratégia eficiente para reduzir a ansiedade em pacientes oncológicos. Além disso, em uma pesquisa transversal feita com indivíduos em quimioterapia, os pacientes citaram o apego a um ser superior e disseram que a fé em Deus é o que dá condições de enfrentamento da doença.
Dentro dessa narrativa, observa-se duas ações muito presentes que permeiam o diagnóstico de câncer. A primeira delas consiste em ressignificar, ou seja, trazer um novo significado ao que lhe acontece, buscar maneiras de enxergar que vão além do que aparentam. Para melhor lidar com o processo de diagnóstico e tratamento, é imprescindível amplificar os olhares e dar um novo sentido aos acontecimentos.
A segunda ação é a obtenção da consciência sobre a finitude da vida. De acordo com a médica Ana Cláudia Quintana Arantes, "a consciência da morte é a maior realizadora de sonhos que existe". Nesse sentido, podemos notar que a brevidade da vida é relembrada frente a uma doença desafiadora, o que é capaz de resgatar o real valor das coisas e concentrar tempo e energia ao que de fato importa. Portanto, ambas ações estão diretamente relacionadas com o exercício da espiritualidade, a qual pode ser um caminho para fortalecer tais questões e, como os estudos mostram, trazer bons resultados à saúde.
Diante disso, fica claro o impacto significativo que a espiritualidade pode exercer sobre pacientes oncológicos. O SUS fornece Práticas Complementares em Saúde, como meditação, arteterapia, musicoterapia, acupuntura, entre outras. Tais práticas possuem íntima relação com a espiritualidade, uma vez que muitas consistem em buscar por equilíbrio e estabilidade emocional. Destacamos que, apesar do papel documentado da vida espiritual no bem-estar dos pacientes, não há evidências de que a cura pela fé sozinha possa levar à recuperação, sendo essencial aliar tal fator ao tratamento medicinal.