Na última semana, falamos aqui sobre o que são cuidados paliativos. Agora, voltamos a conversar com a doutora Sarah Ananda, médica paliativista do grupo Oncoclínicas, para responder algumas dúvidas sobre o assunto.
Qual o melhor momento para um paciente oncológico ser submetido a avaliação em equipe de cuidados paliativos?
De acordo com os principais guidelines das sociedades de oncologia, de uma forma geral, o paciente oncológico deve ser encaminhado para um equipe de cuidados paliativos de forma precoce, em até oito semanas do diagnóstico de uma doença avançada ou em qualquer fase da doença, concomitante com o tratamento direcionado para doença, diante de sintomas de difícil controle (sejam eles físicos, emocionais, sociais ou espirituais).
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O importante é lutarmos para um encaminhamento precoce, pois, como já foi demonstrado em diversos estudos randomizados, a integração precoce dos cuidados paliativos em pacientes oncológicos melhorou a qualidade de vida dos pacientes, diminuiu a carga de sintomas, melhorou o humor e a qualidade dos cuidados no final da vida, além de, inclusive, aumentar a sobrevida em populações específicas.
Apenas pacientes oncológicos podem ser acompanhados pelo paliativista?
Não. Os cuidados paliativos podem ser necessários diante de várias enfermidades. Além do câncer, qualquer pessoa que tenha o diagnóstico de alguma doença grave, evolutiva e com alto potencial de sofrimento. Outros exemplos são: Aids, alzheimer e outras demências, parkinson, ELA (esclerose lateral amiotrófica) , pneumopatias como DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica), insuficiência cardíaca, cirrose e doença renal crônica. Pacientes internados que estão fragilizados pela soma de várias doenças, que sozinhas não trariam risco, também podem entrar nessa lista.
Enfim, "qualquer doença que ameace e impacte a vida terá indicação do serviço e, aliás, é importante deixar claro que é inviável realizar a abordagem de cuidados paliativos adequada sozinho. Há várias dimensões e muitos olhares, do médico ao enfermeiro, psicólogo, nutricionista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, dentista, terapeuta ocupacional, assistente social e capelão, para o conforto espiritual, ou seja, uma equipe multidisciplinar".
Num cenário ideal, todos os pacientes deveriam ter o direito de receber os cuidados em qualquer fase de uma doença que ocasiona sofrimento e impacte na qualidade de vida, e de maneira mais "intensiva" na fase de terminalidade, quando a dignidade, a autonomia, o conforto e o bem-estar do paciente deveriam ser priorizados e respeitados. E isso deveria ser oferecido na atenção primária, com equipes domiciliares, em ambulatórios, nos hospitais e em hospedarias de cuidados paliativos (hospices) e disponível para TODOS, tanto na saúde pública como na suplementar.
O que é ortotanásia e como pode ser colocada em prática?
Primeiro é importante esclarecer alguns conceitos: a ortotanásia é o contrário de distanásia. A distanásia, conceitualmente, significa morte lenta com grande sofrimento, ou seja, é compreendida como manutenção da vida por meio de tratamentos desproporcionais, levando a um processo de morrer prolongado e com sofrimento físico ou psicológico desnecessário (ou evitável). Uma vez que a doença é incurável e irreversível, ou seja, o que se prolonga é o processo de morte, e não a vida em si, uma vez que a vida biográfica do indivíduo já não existe mais, gerando assim grande sofrimento e angústia.
A ortotanásia também não tem nada a ver com a eutanásia, que é uma forma de abreviar a vida de alguém com uma doença grave e incurável a pedido da própria pessoa. É considerada crime no Brasil, assim como o suicídio assistido.
A ortotanásia, por outro lado, é lícita, e é descrita como a morte natural com dignidade, ou seja, no tempo certo. Não se apressa (eutánasia) nem se prolonga (distanásia). A pessoa tem uma morte sem sofrimento, no momento adequado, sem alterar o processo natural, sem apressar ou retardar o fim da vida. Para conseguirmos na prática experienciar a ortotanásia, alguns passos são fundamentais: ter acesso aos cuidados paliativos que ofereçam a qualidade nesse processo de transição do foco do cuidado que visará o conforto, respeitando sempre a autonomia do paciente, e dando ao paciente a oportunidade de ser o protagonista da sua própria história até o fim.
Uma forma de garantir esse protagonismo é orientar nossos pacientes sobre a importância de realizar as diretivas antecipadas de vontade/testamento vital em um momento adequado, em que o paciente possa expor como ele quer ser cuidado, quais são seus valores, o que faz sentido para ele.
Assim, o paciente pode participar do processo de condução ativamente, planejando desde questões burocráticas que envolvem o fim da vida até a despedida de familiares e a resolução de pendências. Para os familiares, é uma chance de encarar o momento, de poder se despedir e apoiar o seu parente, ajudando na condução dos processos.
Nesse momento da terminalidade, o papel da equipe de cuidados paliativos se baseia nessa frase dita pela mãe dos cuidados paliativos modernos, a grande dama Cicely Saunders: "Ao cuidar de você no momento final da vida, quero que você sinta que me importo pelo fato de você ser você, que me importo até o último momento de sua vida e faremos tudo que estiver ao nosso alcance, não somente para ajudá-lo a morrer em paz, mas também para você viver até o dia de sua morte."
Tem alguma dúvida ou gostaria de sugerir um tema? Escreva pra mim: carolinavieiraoncologista@gmail.com