Saúde Plena

ARNALDO SCHAINBERG

Sua Saúde: O gosto amargo do açúcar


Hoje abordo mais uma vez sobre adoçantes, mas finalizo essa trilogia falando daquele que é o mais consumido de todos no mundo, a sacarose ou açúcar de cozinha propriamente dito.


Nas duas últimas colunas, comentei sobre os adoçantes artificiais e suas polêmicas, mas o açúcar não fica atrás quando o assunto é controvérsia. 

Quem já tem alguns verões a mais como eu se lembra de um livro chamado “Sugar Blue” publicado em 1975, que deu, como se diz no popular, “pano para manga”.

O livro escrito pelo autor norte americano William Dufty defendia a tese de que o açúcar seria destrutivo e viciaria tanto quanto o álcool, heroína ou morfina. No subtítulo da capa, constava o nome “o gosto amargo do açúcar”. Lembro de ler esse livro nos anos 1980 ainda adolescente e fiquei na época muito impressionado.

Levando em conta exageros à parte por falta de consistência científica na época, esse livro então ficou esquecido no tempo. Entretanto, atualmente, alguns aspectos apontados pelo livro tem sido resgatado pela ciência nos últimos anos. 



Para se ter uma ideia, de acordo com a OMS, os brasileiros consomem 50% a mais de açúcar do que deveriam. Ao olhar o rótulo dos alimentos a ordem dos ingredientes é sempre do ingrediente de maior para o de menor concentração. É muito importante notar que, em muitos produtos industrializados, vamos nos deparar com alto teor de açúcar mas encontraremos a descrição nos rótulos de várias maneiras e com nomes diferentes como sacarose, açúcar, açúcar invertido, glicose, xarope de milho rico em frutose, xarope de malte, xarope de glicose, xarope de frutose, dextrose etc.

Os açúcares livres referem-se aos monossacarídeos (glicose, frutose e galactose) e aos dissacarídeos (lactose, maltose e sacarose), sendo a sacarose uma combinação de glicose e frutose encontrada naturalmente no mel e no formato de açúcar de mesa, quando extraída da cana de açúcar.

Existem vários tipos de açúcar no mercado, com a grande diferença entre o processo de fabricação de cada um deles o que acaba afetando na quantidade de vitaminas, sais minerais e nas calorias.

Nomes como açúcar refinado, cristal, de confeiteiro, invertido, mascavo ou demerara vão diferir na coloração e pelo grau de refinamento ou uso de aditivos químicos com perda de vitaminas e sais minerais ou pelo tamanho da granulação e no final terão custos diferentes ao consumidor alguns mais baratos e outros mais caros. Vale lembrar que a sacarose contida em todos eles é um dissacarídeo e quando digerido será quebrado nos mesmo monossacarídeos glicose e frutose e com valor calórico igual em que 5g fornecem 20kcal. 



No Brasil, predomina o uso de açúcar derivado da cana mas em outros países usa-se açúcar derivado da beterraba. Um tipo de açúcar que tem ganhado fama nesse vai e vem dos modismos de mercado é o açúcar de coco. Ele é retirado da seiva do coqueiro, que é aquecida para retirada da água até que fique completamente desidratada e ao final restam alguns cristais de açúcar que irão formar o açúcar de coco e como não é refinado mantem as vitaminas e sais minerais. Ganhou interesse por ter potencial baixo índice glicêmico mas tem ainda quase a mesma quantidade de calorias em que 5 g apresenta 19kcal.

Açúcar de mesa (sacarose) e o xarope de milho com alto teor de frutose são os dois principais adoçantes adicionados e usados no mundo todo. O xarope de milho de alto teor de frutose é um alimento pré-processado que teve sua introdução no mercado americano em 1975 e por ser de baixo custo invadiu o mercado de alimentos e hoje pode ser encontrado em praticamente tudo, até mesmo pães, confeitos, molhos de salada, ketchup e vem sendo adicionado a quase todos os produtos alimentícios processados industrialmente. A ingestão deles é hoje disseminada e generalizada e está presente em mais de 70% dos alimentos processados disponíveis nos supermercados e respondem por aproximadamente um sexto da ingestão total de energia das pessoas. 

Embora originalmente visto simplesmente como uma fonte calórica adicional sem muito valor nutricional ("uma caloria vazia"), existem evidências crescentes de que a ingestão desses açúcares pode ter um papel causal direto nas epidemias de obesidade e Síndrome Metabólica (SM).


A condição médica chamada de SM é muito prevalente na civilização moderna e está relacionado à presença da resistência à ação do hormônio insulina e consiste em um conjunto de fatores de risco cardiometabólicos que se apresentam num mesmo indivíduo e que aumentam as chances de desenvolver doenças cardiovasculares como derrame cerebral e infarto do miocárdio.

Entre os componentes da SM estão a hipertensão arterial, nível elevado de açúcar no sangue, excesso de gordura corporal em torno da cintura e níveis baixos de HDL-colesterol e elevação dos triglicérides. O consumo desses açúcares parece ter também importante relação com outras doenças médicas comuns, incluindo câncer e demência. 

Vem sendo sugerido por vários pesquisadores que o mecanismo primário pelo qual a adição desses açúcares causam SM seria através do componente da frutose. Esse monossacarídeo possui um metabolismo único no qual a primeira enzima envolvida é a frutoquinase que metaboliza a frutose mas consumindo muita energia em forma de adenosina trifosfato (ATP) tão rapidamente que ocorre um esgotamento transitório de fosfato e do ATP intracelular. A enzima se expressa e age em vários órgãos como no fígado, intestino delgado e rins.



As alterações no metabolismo da frutose acabam ativando processos biológicos que causam resistência à insulina, esteatose (fígado gorduroso), acúmulo de gordura e outras características da SM. Vários estudos experimentais têm ajudado a mostrar que o bloqueio do metabolismo da frutose poderia melhorar o desenvolvimento da SM induzido pela frutose, com ou sem dieta rica em gordura. 

Um novo estudo publicado no periódico Cell Metabolism investigou a contribuição do metabolismo da frutose no desenvolvimento da SM em ratos em resposta a uma solução de açúcar semelhante ao que é usado na dieta humana. O estudo foi feito usando uma linhagem de ratos geneticamente modificados com a deleção do gene que produz a enzima frutoquinase em todo os tecidos corporais. Com esse modelo animal os pesquisadores decidiram testar como os ratos geneticamente deficientes da frutoquinase responderiam a uma solução de frutose-glicose semelhante ao do xarope de milho com alto teor de frutose comparando com grupo controle de ratos não deficientes da enzima.

Andres-Hernando e colaboradores mostraram que a frutose exerce diferentes efeitos fisiológicos dependendo do tecido onde é metabolizado. Manipulando a expressão da frutoquinase, essa importante enzima, eles mostraram que a frutose atuaria no intestino para regular a preferência de gosto ao doce e o consumo de açúcar, enquanto seu excesso de catabolismo no fígado levaria ao desenvolvimento da síndrome metabólica.



Os autores do estudo observaram que os animais que receberam o solução de frutose-glicose consumiu mais solução de teste do que animais que receberam uma solução de frutose e que esse efeito foi dependente do metabolismo funcional da frutose. O bloqueio do metabolismo da frutose, excluindo o gene que codifica a frutoquinase em todo os tecidos do animal, impediu o surgimento  da disfunção metabólica induzida por açúcar, como o acúmulo de lipídios no fígado e aumento dos níveis de insulina no sangue em jejum.

Em seguida, os pesquisadores examinaram as contribuições de metabolismo da frutose quando a enzima estava bloqueada isoladamente em tecidos específicos. Quando o metabolismo da frutose estava bloqueado apenas no intestino, a ingestão de solução de frutose-glicose e a ingestão calórica total foi reduzida. Quando metabolismo da frutose foi bloqueado apenas no fígado, o consumo da solução de frutose-glicose permaneceu semelhante à dos ratos controle. A eliminação da frutoquinase apenas no fígado não reduziu o apetite por açúcar, ao contrário do rato geneticamente modificado com deleção da frutoquinase apenas intestinal. Contudo, ao contrário dos camundongos controle, os camundongos deficientes apenas da frutoquinase hepática não desenvolveram a SM como resultado da ingestão de açúcar.

Este estudo revela então um papel tecido específico para que o metabolismo da frutose impacte na SM induzida por açúcar. As descobertas mostraram um papel duplo no metabolismo da frutose na SM induzida pelo açúcar, um braço através do intestino que medeia a ingestão de açúcar e um segundo braço no fígado que impulsiona o metabolismo disfunção. O metabolismo da frutose portanto parece ser necessário tanto para a obesidade e a SM induzida por açúcar.


Ficou claro ainda que as alterações induzidas pelo consumo de açúcar foram dependentes do componente da frutose e não da glicose na indução dos efeitos tecido dependentes na disfunção metabólica. A ingestão e a preferência pelo açúcar são mediadas pelas metabolismo intestinal da frutose. 

Mencionei em coluna de 2019 que está ocorrendo um movimento mundial para redução no consumo de açúcar em função da forte ligação do consumo aumentado desse alimento se correlacionar com risco de várias doenças crônico degenerativas do mundo atual. No Reino Unido, em 2016, foi adotada uma política governamental com objetivo de reduzir a obesidade infantil e traçada uma meta em parceria com a indústria alimentícia de redução de 20% dos alimentos com alto teor de açúcar até 2020. 

Sendo assim, quando o assunto é polêmico e ainda inconclusivo, especialmente na questão alimentar, fica difícil tirar conclusões definitivas. Saber usar com bom senso as informações e procurar uma alimentação restringindo o abuso dos alimentos industrializados e ricos em açúcar parece ser uma opção sábia mas não é tarefa simples ou fácil.


Deveremos nos adaptar para fazer a transição para hábitos alimentares mais saudáveis e que possam impactar a médio e longo prazo na redução da epidemia das doenças crônicas e degenerativas bastante prevalentes na população mundial. Lembrando e parafraseando Chico Buarque, um dos nossos grandes mestres da música, “com açúcar e com afeto fiz meu doce predileto”, só que atualmente faria um adendo na estrofe da canção, mesmo tendo que ser um estraga-prazer, e anexaria “mas não se esqueça do gosto amargo do açúcar.“
 
Se você tem dúvidas sobre este tema ou quer sugerir assuntos para a coluna, envie email para arnaldoschainberg@terra.com.br