Saúde Plena

Tem uma pedra no caminho no caminho tem uma pedra


Com esse título dou início à nossa conversa de hoje, versos iniciais do poema “No meio do caminho”, publicado em 1928 na Revista de Antropofagia. Nosso grande poeta Carlos Drummond de Andrade, em uma das suas obras-primas, abordou os obstáculos que as pessoas encontram na vida. Nada mais apropriado para os dias atuais que todos temos enfrentado nessa grande “pedra no meio do caminho” que é a pandemia de Covid-19.



Estamos em um cenário de medo, incertezas e desesperança. Não podemos desanimar. Nas últimas semanas comentei sobre inciativas em vários “campos de batalha” diferentes, em vários setores e com profissionais de várias áreas do conhecimento técnico e sabedoria empírica e que enchem o coração de entusiasmo com a solidariedade humana e sua capacidade e criatividade em superar adversidades. No mundo hiperconectado as informações correm rapidamente na velocidade da luz pela internet. Vale a pena perceber que, mesmo com a tragédia humana de milhares de vidas perdidas no mundo todo, especialmente em países como China, Itália e Espanha, as experiências vividas antes por essas populações e pela comunidade médica antecipam estratégias por parte dos países onde a doença ainda não agrediu de forma tão mortal.

Tenho tido oportunidade de assistir aulas brilhantes de grandes médicos e professores brasileiros dissecando os dados que vêm sendo obtidos nas publicações científicas de literatura médica. Vários vídeos de compartilhamento de experiências de médicos em hospitais dos países que sofreram o flagelo com depoimentos dos colegas médicos italianos e espanhóis e mais recentemente norte-americanos mostrando os erros e acertos nas estratégias clínicas adotadas.

Essa troca de experiências com relatos dos caminhos que deram mais certo e com resultados melhores no método "tentativa e erro" e que, na dura experiência deles, nos alertam a evitar que os mesmos equívocos sejam cometidos para poupar vidas.


Paralelamente a isso, com metodologia científica em várias frentes de trabalho, um brainstorming (“tempestade de ideias”) com especialistas de várias áreas do conhecimento, que vão de intensivistas, pneumologistas, radiologistas, epidemiologistas, infectologistas, virologistas, patologistas, clínicos gerais plantonistas e muitos outros profissionais que já começam a desvendar as várias características evolutivas da doença.

Já sabemos, com os conhecimentos que vem sendo revelados, como podem ser incorporados protocolos e medicamentos já disponíveis e utilizados em outros cenários, para tentar conter melhor o ciclo da doença grave naquela percentual de 15% dos casos que precisam de suporte hospitalar e nos 5% que precisam de suporte de CTI.

As melhores estratégias e uma possível intervenção mais precoce começam a ser potencialmente vislumbradas. Isso talvez possa permitir a interrupção de uma escalada da resposta imunológica hiperativa do hospedeiro infectado. Ocorre um efeito cascata, levando a uma bola de neve na história evolutiva da infecção do coronavírus de casos leves para severos em poucos dias.


A etapa final pode culminar com síndrome respiratória aguda grave e necessidade de intubação oro-traqueal e internação em CTI. O grande temor de colapso do sistema de saúde por falta de leitos de CTI e respiradores mecânicos talvez venha a ser minimizado com a introdução de terapias em estágios mais precoces para evitar o ciclo vicioso desencadeado pela hiperatividade do sistema imunológico em etapa antes de se tornar quase irreversível.

Mesmo sabendo que muitos pesquisadores já se debruçam na criação de uma vacina, essa possibilidade ainda não estará disponível em um cenário de muito curto prazo. A estratégia dos hospitais tem sido de fazer a sua parte ao se prepararem para o acúmulo de casos que se projeta em chegar nas suas unidades e ampliarem suas unidades de cuidados intensivos e respiradores. Os gestores públicos criando hospitais de campanha e contratando mais médicos ou apressando a formatura de alunos de medicina para recrutar para o enfrentamento ao Covid-19.

Nos últimos dias, mesmo apreensivo com o pior que ainda está por vir, mesmo sem deixar de ser realista e acompanhando os boletins diários do ministério da Saúde e secretaria estadual de Saúde, tenho começado a ficar levemente otimista. O noticiário repleto de más notícias começa a gradualmente falar dos pacientes que têm se recuperado e a festa que recebem ao ser retirado o tubo oro-traqueal ou quando chegam a receber alta hospitalar



Já começam a ser divulgada a contagem de pacientes recuperados e não somente a contabilidade diária de mortes. Muitas “pedras no caminho” ainda estão à nossa frente, mas quando vislumbramos a analogia diante da cena de um copo com metade do conteúdo preenchido de água estão aqueles que vão enxergar o copo como estando meio vazio mas eu estou me esforçando para enxergar o como meio cheio. Ainda assim não deixo de ser realista e, como comecei no título dessa coluna, termino com outros versos do poema muito apropriado nesse momento mundial:

“Nunca me esquecerei desse acontecimento

Na vida de minhas retinas tão fatigadas

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

Tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra”
Se você quer comentar sobre essa coluna ou enviar sugestão de temas, escreva pra mim: arnaldoschainberg@terra.com.br