Covidiotas - Se não pode ajudar pelo menos não atrapalha

Há os que desrespeitam protocolos de isolamento e estocam alimentos e produtos de higiene e os bons exemplos de ações de solidariedade

Jose Jordan/AFP
(foto: Jose Jordan/AFP)
 

Na semana passada fiz minha homenagem a todos os profissionais de diversas áreas de atividades laborais (seja da saúde ou outras) que não poderão estar em quarentena e que estão dando sua contribuição para o bem coletivo. Por outro lado reforcei meu desprezo pelos maus “profissionais” divulgando charlatanismo e oportunismo de condutas inúteis para ganho financeiro.

Ao longo da semana aprendi um novo termo nas redes sociais criado na pandemia atual que achei bastante apropriado para os dias atuais. Esse termo é o “covidiotas” que, jocosa e criticamente, foi definido de duas maneiras:

 

1) pessoa estúpida que teimosamente ignora o protocolo de distanciamento social para ajudar a conter a disseminação da Covid-19;


2) pessoa que estoca mantimentos e produtos de supermercado em escala e outros suprimentos no enfrentamento da COVID-19 de forma egoísta e superdimensionada espalhando medo e temor para a maioria das pessoas preocupadas em ficar privadas de produtos vitais.

 

A sensação que tenho tido nos últimos dias me traz à mente aquelas imagens que vemos nos filmes de tsunami. Fazendo uma analogia com a epidemia de COVID-19, a fase atual em que estamos, me parece aquela situação em que a pessoa que está à beira mar e identifica que as águas ficaram calmas e o mar está recuando. Nos países que têm experiência e vivência com o tsunami todos sabem que após essa fase de aparente calmaria a ameaça já paira ao redor. Logo em seguida vem então o tsunami devastador. Sendo assim, as pessoas em relação ao COVID-19 ainda estão com uma falsa sensação de segurança.

 

Assisti nas correntes de informações compartilhadas nas redes sociais vídeos viralizados que me deixaram chocado e revoltado com a falta de consciência de espírito coletivo de certas pessoas.

Entre várias dessas imagens descrevo algumas que muitos dos leitores podem ter recebido também. Teve um vídeo chocante de um jovem rapaz dentro de um ônibus propositalmente lambendo a mão para passar nas barras de apoio dentro do veículo que passageiros utilizam para se segurar quando pegam a condução.

Vi também uma multidão de consumidores esperando abertura de um shopping center que anunciou promoção e invadindo o centro comercial e com algumas das pessoas usando paradoxalmente máscara para se proteger.

 

Vi grupo de pessoas em alguma região não definida no Brasil, agrupadas em dia de chuva, afirmando que iriam aproveitar para se infectar dessa “gripinha” e depois iriam infestar todo mundo.

 

Escutei áudio de um brasileiro vindo da Itália, que não respeitou quarentena obrigatória e, assim que chegou de viagem, foi de ônibus de carreira para o interior visitar o pai em sua cidade natal de forma irresponsável. Esse último indivíduo, caso estivesse em período de incubação poderia ter contaminado diversas pessoas em uma cascata de infestação.

 

Vi vídeo de extremista religioso em outro país onde a mortalidade está alta afirmar que não tem medo do vírus pois, com sua crença e orações, está protegido. Esse mesmo extremista, após a declaração, lambeu o local onde todas as pessoas da sua crença passam a mão em templo sagrado da sua religião.

Vi jogador de basquete nos EUA, da maior e mais rica e poderosa liga desse esporte no mundo, possivelmente infectado, se levantar da sala de entrevista e premeditadamente passar as mãos na mesa e nos microfones. Uma semana depois, teve o diagnóstico de coronavírus confirmado.

 

Assisti estarrecido milhares de pessoas lotando as praias como se estivessem de férias ou engarrafando estradas, se encaminhando para cidades praianas.

Outro vídeo com a polícia, de forma adequada e sem violência, tentando convencer banhistas e surfistas a abandonar a praia. Os banhistas questionando a medida alegando que tinham direito de estar ali mas sendo questionados de estarem cometendo infração de “segurança à saúde pública”.

 

Em resumo, depois de tudo a que assisti ao longo da semana prefiro destacar a ação da maioria das pessoas conscienciosas e bem intencionadas pelo bem coletivo que estão respeitando as recomendações dos especialistas e dos gestores do ministério da saúde. Prefiro considerar que a maioria tem se desdobrado em criar ações de solidariedade. Então ficam para mim ações que realmente valem a pena.

 

Nessas ações de solidariedade vi grupos se mobilizando para arrecadar doações de mascaras para os hospitais e pessoas querendo máquinas de costura para poder fabricar mais máscaras.

 

Vi grupos de empresários que possuem tecnologia de impressora 3D disponibilizando suas máquinas para a fabricação e doação de protetores faciais (face shields) para as equipes de saúde que estão na linha de frente do atendimento se protegerem.

Vi o surgimento de redes de apoio psicológico, médico ou assistencial para os idosos isolados que não têm suporte familiar para prover a eles mantimentos e medicamentos.

 

Vi importantes grupos de jovens líderes, oriundos dos aglomerados, se destacando na criação de medidas de proteção e contenção da disseminação da epidemia nas comunidades mais carentes.

 

Vi músicos fantásticos, anônimos ou renomados, fazendo grandes encontros musicais maravilhosos transmitidos ao vivo pelas redes sociais para amenizar os dias de confinamento.

 

Tenho testemunhado os profissionais de saúde e gestores médicos dentro dos hospitais e serviços ambulatoriais onde trabalho se organizando e correndo contra o tempo para criar e melhorar a estrutura para recebimento do aumento importante de casos graves que chegarão nas próximas semanas.

Novas rotinas, novos procedimentos, novos fluxos de atendimento, contingenciamento em todos os setores. Abertura de novas vagas de CTI e doações de respiradores por grandes empresários. Criação de hospitais de campanha começam a surgir. Mesmo com a escassez de recursos todos se desdobrando nesses novos tempos e se preparando para a “grande onda” que se aproxima.

 

Cada vez mais teremos condição de separar as pessoas de valor e que são a maioria daqueles que se encaixam na definição de “covidiotas”. Fica por último uma simples mensagem: “Se não pode ajudar pelo menos não atrapalha” e repito o que disse na semana passada, vai passar mas não podemos negligenciar a ameaça. Quem fica na beira da praia vendo o mar recuar e não corre para os lugares altos pode ser pego pelo tsunami. 

 

Se você tem perguntas ou tema a sugerir, envie para arnaldoschainberg@terra.com.br