Nos dias atuais temos que ter muito cuidado com a disseminação de informações médicas de qualidade duvidosa ou inverídicas. Uma grande conquista proporcionada com o surgimento da internet foi ela ter sido capaz de democratizar a informação e o conhecimento, que antes era vertical e passou a ser horizontal. Apesar disso, temos alguns efeitos colaterais do excesso de informação - o de nem sempre poder contar com dados confiáveis dependendo da fonte. Esse tipo de informação médica de baixa qualidade está em toda parte e se dissemina com muita rapidez, seja nas redes sociais ou pelos pelos aplicativos de conversa, como o WhatsApp, nos grupos de amigos, familiares ou colegas de trabalho.
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Constantemente, as pessoas recebem estas mensagens e as repassam sem senso crítico. Essas notícias trazem demandas de assuntos controversos, que ficam circulando na internet e frequentemente são temas de grande interesse por parte da população leiga. Essas mesmas notícias acabam rendendo milhares de curtidas e clicadas nas páginas dos grandes influenciadores digitais que têm milhares de seguidores nas redes sociais - podendo ou não ser profissionais da área da saúde - e que são os principais disseminadores deste conhecimento enviesado.
Muitos desses influenciadores têm grandes habilidades e são ótimos comunicadores, muito bem articulados, inteligentes e frequentemente transmitem com tanta convicção algum “conhecimento médico” que parecem ser experts nos assuntos divulgados. Na maioria das vezes, vêm de fontes duvidosas e sem credibilidade e basta que essas mesmas notícias sejam mesmo que rapidamente checadas sem muito esforço para que possam ser facilmente contestadas.
Para o leigo que assiste ou recebe as informações pseudocientíficas, que vão sendo divulgadas, fica um grande dilema de saber separar o “joio do trigo”. Sendo assim, vários temas polêmicos vão circulando nas redes de assuntos que a ciência médica ainda não foi capaz de solucionar. Para muitos desses influenciadores digitais basta que algum artigo científico, mesmo com metodologia duvidosa e de pouca relevância ou sem impacto acadêmico, mas que seja capaz de se alinhar com suas narrativas, para então os resultados dessa dita pesquisa sejam divulgados como se já fosse uma verdade inquestionável. Basta ter alguma linha de pesquisa ou uma tênue evidência preliminar que alguns desses “experts da rede social” assumem as conclusões já como verdade absoluta.
O que acontece com frequência no jargão popular é o famoso ditado “viu o galo cantar, mas não sabe aonde”. Não é por acaso que os temas abordados se referem sempre a assuntos relevantes e que despertam grande curiosidade para o leigo. Os influenciadores digitais, por meio da utilização de estratégias de convencimento, deturpam o conhecimento e atingem um universo de pessoas muito maior, pois têm o poder de viralizar a informação.
Em contrapartida, a réplica das entidades e sociedades médicas muitas vezes não têm o mesmo alcance e então ficam sem chance de fazer o contraditório para desconstruir aquela informação de baixa qualidade. Poderíamos aqui fazer várias colunas sobre assuntos que vêm tendo este tipo de abordagem, mas hoje vou comentar sobre a polêmica questão envolvendo o tema de uma suposta “dieta da tireoide”.
Entre as doenças da tireoide muito comuns estão hipotireoidismo, hipertireoidismo e nódulos, que são comumente vistos na maioria dos consultórios. Na prática clínica de rotina, os pacientes frequentemente perguntam sobre as mudanças na dieta que podem fazer para tratar ou reverter sua doença da tireoide. Os pacientes ficam incomodados ao receber o diagnóstico de doenças crônicas que levam à necessidade de uso definitivo de medicamentos por toda a vida como no hipotireoidismo. Portanto, não é incomum os pacientes desejarem alternativas ao tratamento convencional e com a internet descobrem “tratamentos alternativos”.
Já há bastante tempo as evidências científicas são fortes de que a ingestão adequada, mas não excessiva, de iodo beneficia a saúde da tireoide em geral. Há décadas temos uma lei que exige a incorporação de iodo no sal de cozinha. Algumas evidências existem de que suplementação de selênio para pacientes com um tipo específico de hipertireoidismo, principalmente naqueles que se apresentam com doença ocular (olho saltado para fora), poderia ter algum benefício. Além disso, temos dados científicos esparsos que mostram que mudanças na dieta podem beneficiar significativamente o hipo ou hipertireoidismo.
Tem ficado muito popular na internet a ideia de que uma abordagem para tratar a “síndrome do intestino permeável”, que ainda é uma hipótese a de que vários fatores externos poderiam promover o aumento da permeabilidade intestinal com a perda da proteção conferida pela mucosa intestinal às toxinas de bactérias intestinais e levando a vários tipos de doenças. Essa hipótese ainda carece de provas mais consistentes e principalmente ainda faltam evidências de que possíveis intervenções para esse problema potencial poderia “curar” ou “reverter” uma lista de patologias.
Sendo assim, recomendações de todo tipo sem respaldo científico são disseminadas, como dietas sem glúten, dietas sem açúcar e probióticos, que vão sendo recomendadas para promover a saúde da tireoide, como se seus efeitos já estivessem comprovados. Embora um pequeno estudo tenha demonstrado uma diminuição nos títulos séricos de anticorpos da tireoide entre 34 mulheres que seguiram uma dieta sem glúten por seis meses, fica claro que são estudos de pequena monta e que não representam nada definitivo.
Existem, sim, linhas de pesquisa sendo realizadas para conferir o papel da perda da barreira intestinal com o meio externo como um potencial foco para a geração de várias doenças, entre as quais se incluem as doenças autoimunes, inclusive as da tireoide. Porém, ainda existem muitas lacunas no conhecimento nessa área e faltam dados publicados na literatura científica sobre os efeitos das possíveis intervenções dietéticas para melhorar a permeabilidade intestinal, que fossem capazes de produzir efeitos na saúde da tireoide.
Entre existir alguma plausibilidade de um mecanismo potencial gerador de uma doença até a comprovação definitiva da relação de causa e efeito e a utilização de alguma intervenção sobre o mecanismo etiológico vai um longo caminho a ser percorrido pela ciência até ser incorporado na prática clínica para que nós, médicos, de forma responsável e ética possamos estar autorizados a submeter os pacientes a intervenções, seja por meio de medicamentos, seja por dietas. Até serem consideradas como resolutivas ou capazes de reverter doenças complexas e multifatoriais faltam dados de literatura mais robustos e com estudos hierarquicamente mais relevantes, como os ensaios clínicos randomizados.
Discuto com meus pacientes que muita coisa permanece desconhecida sobre a doença da tireoide e que essas são áreas de incerteza na medicina moderna, para as quais ainda são necessárias pesquisas contínuas. Mas não podemos nos iludir em soluções simples, rápidas e mágicas, com a venda de ilusões que alguns influenciadores digitais nos tentam vender como panaceia, usando da ingenuidade do leigo para fazer impor suas narrativas.