Existe a tireóide que engorda e a que emagrece? Vamos explicar

Muitos pacientes com sobrepeso tem sensação ao consultar o médico de que pode resolver problema com medicação para hipo ou hipertireoidismo

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(foto: Public Domain Pictures)

Quase sempre que pacientes nos procuram com queixas de ganho de peso, as pessoas têm uma compreensão equivocada do papel da glândula tireoide ou tiroide.

 

A maioria das pessoas tem a sensação de que irá encontrar uma justificativa hormonal e simples para ser corrigida e sairá com o problema do peso resolvido.

Na verdade, o problema da obesidade e sobrepeso é muito mais complexo e multifatorial do que parece e não temos uma solução simples e fácil. Dessa forma, então, frequentemente a tireoide não está diretamente envolvida com o problema do peso.

Mesmo assim, as pessoas nos perguntam se existe a tireoide que engorda e a que emagrece. Esse conceito foi reforçado ainda mais, e de forma equivocada, poucos anos atrás, quando nosso grande goleador da seleção brasileira de futebol Ronaldo Fenômeno tinha ganhado muito peso após abandonar o esporte. Ele participou do quadro "Medida Certa", de grande audiência do programa Fantástico da TV Globo.

Nesse quadro de alcance nacional, a intenção era mostrar pessoas públicas participando de uma estratégia multidisciplinar de emagrecimento. Não resta dúvida que serviu para ajudar a motivar os espectadores na mudança de hábitos na população geral ao convidar celebridades como motivadores das pessoas comuns.

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O ex-atleta na época, entretanto, justificava o grande ganho de peso com o fato de ter uma doença na tireoide. Obviamente que, entre as várias manifestações clínicas presentes nas situações extremas de doenças tireoidianas mais severas e muito sintomáticas, tanto o hipo como o hipertireoidismo, as alterações no peso podem até ser uma das manifestações.

Nos casos de hipotireoidismo franco, os pacientes terão uma constelação de sintomas entre os quais um “inchaço” generalizado e o ganho de peso principal será decorrente de retenção de líquido (isso sim poderá ser melhorado com o tratamento de reposição do hormônio tireoidiano).

Mas outros sintomas exuberantes estarão presentes e chamando atenção para o médico da possibilidade do diagnóstico entre os quais cansaço, desânimo, alteração na pele, unha e cabelo, entre tantos outras queixas.

Já na situação de hipertireoidismo severo e muito sintomático, a perda de peso pode ocorrer ás vezes de forma rápida e intensa mas também estará acompanhado de outros sintomas muito típicos como agitação, tremores, palpitação e suor excessivo.

Vale destacar que, atualmente, diante de exames laboratoriais de rotina feitos com muita frequência, os casos de hipotireoidismo mais frequentes são os de doença mais sutil ou pouco sintomática, que chamamos de subclínica. Neste cenário o paciente pode ter alguns sintomas inespecíficos que não são necessariamente atribuídos à alteração da função tireoidiana, já que podem ser atribuídos por outros motivos, o que acaba sendo motivo de confusão.

Podemos, portanto, encontrar um paciente previamente magro que mesmo tendo hipotireoidismo nem por isso se tornará uma pessoa gorda. E o contrário também, um paciente previamente obeso com hipertireoidismo que não necessariamente irá se tornar uma pessoa magra.

Mesmo que nesses dois casos os pacientes possam vir a ter alguma mudança no peso para mais ou para menos, diante da apresentação de um hipo ou hipertireoidismo mais severo, com a presença concomitante de outros sintomas clássicos, vai chamar mais a atenção do médico.

 

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A publicação “Força Tarefa Canadense de Cuidados Preventivos em Saúde”, divulgada em novembro de 2019, destacou a falta de indicação de se fazer rastreamento de exames da função tireoidiana em adultos assintomáticos. Esse posicionamento atual difere da recomendação anterior e mais antiga, de 2012, da Associação Americana de Tireoide (AAT), em conjunto com a Associação Americana dos Endocrinologistas Clínicos. que na época chegava a recomendar rastreamento para hipotireoidismo nos pacientes com mais de 60 anos por ser faixa de idade com maior prevalência da doença.

Vale destacar que desde 2012 surgiram várias publicações científicas importantes com novas informações sobre esse assunto, que ajudaram a modificar a compreensão do problema e a levar à mudança da recomendação.

 

A “Força Tarefa Canadense” avaliou 22 estudos que ajudaram a reforçar as evidências atuais de que, para disfunções tireoidianas leves em pacientes assintomáticos, eles não se beneficiariam de tratamento exceto em situações especiais. Os autores do editorial citaram um estudo com pacientes com mais de 20 anos de idade sem doença tireoidiana conhecida e que não estavam recebendo medicação tireoidiana, atendidas em centros de referência primária em Toronto. Em torno de 71% deles haviam recebido solicitação para fazer teste de TSH (principal exame laboratorial para rastreio inicial da função tireoidiana) durante um período de 2 anos.

Vale ressaltar a preocupação atual de excesso de medicalização em pacientes de forma desnecessária e riscos de efeitos colaterais quando usamos medicamentos sem indicação precisa ou em dose excessiva.

Alguns pacientes, angustiados com o excesso de peso e com dificuldade para emagrecer, eventualmente adotam medidas inapropriadas. Como comentado antes, indivíduos assintomáticos e com alterações insignificantes da função tireoidiana têm a percepção equivocada de que, se tomarem medicação para tireoide, irão emagrecer - o que não é verdade.

 

Inapropriadamente e perigosamente, alguns derivados de hormônios tireoidianos eram adicionados em “fórmulas de manipulação” feitas para emagrecimento, com graves consequências. O mesmo também ocorre, de forma temerária, em pacientes documentadamente portadores de hipotireoidismo, já usando a medicação específica e que,  por conta própria, ajustam a dose de sua reposição hormonal com a percepção equivocada de que com isso também conseguirão emagrecer - o que também não procede.

Em 2019, no encontro anual da AAT, foi divulgado estudo  no qual a autora principal Maria Papaleontiou forneceu dados novos sobre a incidência de fibrilação atrial e acidente vascular cerebral em pacientes tratados com hormônio tireoidiano exógeno em dose exagerada.

Fica o alerta para que as pessoas não deixem de procurar seus médicos para avaliação e orientação adequada. Não usem medicamentos que não tenham indicação médica precisa. Complemento ainda reforçando para que as pessoas não usem as premissas erradas para tentar resolver problemas complexos como a obesidade. Esta condição não se resolve usando hormônios tireoidianos.

 

Se você tem dúvidas, envie para arnaldoschainberg@terra.com.br

Errata: na coluna da semana passada descrevi sobre como seria a nomenclatura adequada da glândula, se tireoide ou tiroide. Por força do hábito tenho incorporado nos textos prévios aqui publicados as grafias com acento. Fui orientado apropriadamente por um grande colega endocrinologista que na verdade a maneira correta tanto faz se tireoide ou tiroide como dito na semana passada, mas em qualquer dessas duas maneiras elas devem sempre ser escritas sem o acento, de acordo com a nova reforma ortográfica. Me dei conta que as palavras com ditongo aberto, com ei ou oi pronunciados de maneira forte e aberta, não serão acentuadas quando forem paroxítonas. Uma maneira fácil de guardar isso é que se houver uma sílaba depois desses ditongos abertos, não haverá mais acento.