A curiosidade e a sede de informações sobre medicina e saúde são intermináveis pela população leiga. Nós, médicos, frequentemente somos abordados mesmo em momentos informais de lazer ou encontros sociais para explicar dúvidas de todo o tipo, mas isso nunca me incomodou.
saiba mais
Não foi então por acaso que aceitei escrever nesse espaço tendo chance de falar de maneira simples e direta de assuntos médicos especialmente relacionados à minha área de atuação na endocrinologia.
Certa vez em um restaurante com minha esposa e com uma amiga de longa data, falávamos de amenidades e, conversa vai conversa vem, essa amiga, uma especialista do vernáculo, formada e pós-graduada em Letras, me fez uma pergunta pertinente e bastante interessante.
Ela me retrucou sobre como é a maneira correta de nomear aquela famosa glândula que temos no pescoço: seria “tireóide” ou “tiróide”?
Lembrei de como essa dúvida me ocorreu logo ao chegar em São Paulo, já formado em medicina, para fazer minha residência médica de endocrinologia no final dos anos 80. Era minha primeira experiência de morar fora de Belo Horizonte, essa nossa terrinha que carinhosamente chamávamos na época de roça grande.
O choque cultural ao chegar em terras paulistanas, lógico, foi enorme, por exemplo, com o sotaque e entonação de falar algumas palavras e expressões.
Escutava com estranheza termos corriqueiros serem falados de forma bem diferente como “xérox” ao invés de “xeróx”, "lásix" em vez de Lasíx (nome comercial de uma medicação cardiológica) e, no meu meio, era comum escutar tiróide, diferentemente do que estava acostumado em BH, que era comum e familiar aos meus ouvidos escutar tireóide - até chegar em Sampa.
Leia também: o que fazer quando o nariz entope?
E ainda, a calvície: o que pode causar queda de cabelo
Logo descobri que as duas terminologias estavam corretas e deixei para lá, sem nunca ter procurado a razão das duas formas descritivas existirem.
Eis então que, na época em que a pergunta me foi feita, isso me despertou a necessidade de buscar a informação. Lembrei-me de ter visto na revista médica Arquivos Brasileiros de Endocrinologia (ABEM), da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), um editorial com a polêmica da origem do nome e seu significado pela necessidade de padronização da grafia entre os autores que publicavam na revista.
O editorial cita os comentários de Waldemar Ladosky, um renomado fisiologista. que afirma que a descrição da glândula teria sido feita a primeira vez em grego por Aristóteles em seu “De partibus animalium”, quando teria sido descrito como “tireos eidos” ou “em forma de escudo”.
Mais tarde, o grande anatomista belga Andreas Vesalius, no século XVI, teria incluído em seu tratado “De Humani Corporis Fabrica Libri Septem”, primeiro livro feito através da análise de dissecações de cadáveres humanos, a terminologia “tireóide”. Não há descrição da palavra em latim, o que faz pensar que passou diretamente do grego para as línguas ocidentais.
A partir daí a palavra, com as adaptações a cada uma das línguas latinas, entrou no vocabulário científico sem o “e”. No Dicionário Aurélio, encontra-se o verbete “tiróide” mas encaminha para o outro verbete “tireóide” e descreve “Diz-se da glândula .... e seguem-se as palavras derivadas: tireoidite, tireoidectomia, tireotoxicose, etc.” Não são encontradas no Aurélio as palavras grafadas como tiroidite, tiroidectomia, tirotoxicose, etc.
Por outro lado, as substâncias secretadas pela glândula, sejam os hormônios naturais ou os sintéticos, são nomeados como as tironinas, tais como o T3 (ou triiodotironina) ou o T4 (tetraiodotironina), também chamado de tiroxina, e têm seus nomes de batismo consagrados com a raiz tiro.
Descubra: salto alto pode provocar varizes nas pernas?
E ainda: O que você já ouviu falar sobre vacinação e não sabe se é verdade
No Dicionário Etimológico Nova Fronteira, não há nenhuma referência a “tiróide”.
No Michaelis Inglês-Português, a versão em português para “thyroid” é descrita como “tireóide”.
O editorial na revista do ABEM com os comentários de Ladosky foi contestado na edição seguinte pelo professor Joffre M. de Rezende, na sessão cartas ao editor. Rezende defendia que “tiróide” seria derivado de “thyra”, que significaria na verdade porta de casa ou batente de porta. O plural de “thyra”, seria “thyrai”, que designaria uma porta de dois batentes, ou seja, com duas folhas e que, por analogia, retrataria o aparente formato da cartilagem “tiróide” localizada no pescoço e que tem o mesmo nome e que acabou batizando também a glândula.
Há, em grego, portanto duas palavras muito semelhantes, thyra e thyreós, e que significam, respectivamente, porta e escudo.
Para os leitores, portanto, fiquem longe dessa discussão e deixem para os historiadores, filólogos ou anatomistas esses esclarecimentos. Vocês podem ficar à vontade para usar o nome da maneira que soar melhor aos ouvidos.
Nas próximas semanas vou abordar um pouco então sobre tireóide (tiróide). E se você tem dúvidas sobre as doenças que atingem essa glândula, mande pra mim: arnaldoschainberg@terra.com.br